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Políticas Públicas de Saúde, Transtornos Globais do Desenvolvimento e

Para avançarmos na problemática e propósito do estudo, iniciaremos a discussão em torno das Políticas Públicas de Saúde e de como essas se constituíram no seio da sociedade brasileira. Seguiremos com a compreensão do autismo enquanto categoria diagnóstica e quais transformações foram necessárias para a tomada do mesmo enquanto um suposto “transtorno mental”.

Esse empreendimento demandou a leitura de diversos autores da Saúde Coletiva (WESTPHAL, 2012; MERHY; FEUERWERKER, 2009; ESCOREL; TEIXEIRA, 2008; CECCIM, 2005; CZERESNIA, 2003), da Saúde Mental (AMARANTE, 2011), do Pós- estruturalismo (FOUCAULT, 2014, 2010 e 1974), da Psicanálise (STAVCHANSKY, 2015; ELIA, 2014; BEZERRA, 2013; FURTADO, 2013; BATISTA, 2012; RIBEIRO, 2012; JERUSALINSKY, 2010), entre outros que criticam a tecnociência e o discurso baseado nas “evidências científicas” (PARDO; ALVAREZ, 2007; MORIN, 2005 e 2000).

A saúde é um direito de todos e dever do Estado, previsto no artigo 196 da Constituição Federal de 1988, esta denominada Constituição Cidadã, pois emergiu num cenário político de lutas e reivindicações da nação brasileira no processo de redemocratização do país após vinte anos de ditadura militar (ESCOREL; TEIXEIRA, 2008).

O Sistema Único de Saúde (SUS) é fruto da luta do Movimento pela Reforma Sanitária que data desde a década de 70, somado a VIII Conferência Nacional de Saúde realizada em 1986, cujo desdobramento principal foi a consolidação da Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990 que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.

O SUS é uma política pública que possui três princípios norteadores, quais sejam: a universalidade garantindo acesso a todo e qualquer cidadão aos serviços públicos de saúde. A integralidade, por sua vez, deve ser pensada a partir de duas dimensões, primeira voltada ao reconhecimento de um sujeito integral e a segunda de uma rede de cuidados que tenham a capacidade resolutiva dessa demanda diversificada e, enfim o princípio da equidade, este voltado à questão de evitar iniquidades e/ou desigualdades na assistência e acesso aos serviços de saúde.

Além disso, o referido sistema possui diretrizes, tais como: descentralização político-administrativa, hierarquização, participação popular. A partir de 2011 devido ao Decreto 7.508 que regulamenta o SUS, passa a ser incorporada junto as diretrizes a regionalização para suprir as necessidades, em virtude da grande desigualdade e diversificação da capacidade técnica e resolutiva dos municípios no país (BRASIL, 2011).

O Ministério da Saúde é o órgão do Poder Executivo Federal responsável pela organização e elaboração de planos e políticas públicas voltadas para a promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros, criado em 1953, inicialmente vinculado ao Ministério da Educação (ESCOREL; TEIXEIRA, 2008). Atualmente o órgão tem a função de oferecer condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde da população, reduzindo as enfermidades, controlando as doenças endêmicas e parasitárias e melhorando a vigilância à saúde, dando, assim, mais qualidade de vida ao brasileiro.

A presente dissertação possui como foco a análise dos documentos acerca dos Transtornos do Espectro do Autismo e a possibilidade de articulação com a realidade da Estratégia Saúde da Família. A ESF tem papel central em virtude de a mesma ser ordenadora das diferentes Redes de Atenção, bem como possuir um caráter longitudinal, ou seja, tem como responsabilidade o acompanhamento ao longo do tempo dos usuários de sua área de adscrição (STARFIELD, 2002). Salientamos ainda, que um dos deveres da ESF é a organização da atenção às pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo, destacando-se o acompanhamento pré-natal e processo de desenvolvimento infantil (BRASIL, 2013).

Dentre os Cadernos da Atenção Básica, destacamos nesse contexto o intitulado “Saúde da Criança: Crescimento e Desenvolvimento”, que apresenta uma série de protocolos clínicos, exames, imunização, saúde bucal, alimentação saudável, dentre outras questões imprescindíveis para o acompanhamento das crianças na denominada atenção básica (BRASIL, 2012a). É importante salientar que a equipe da APS possui como responsabilidade o acompanhamento do desenvolvimento de crianças em caráter contínuo.

Tendo como modelo a Atenção Primária em Saúde (APS), a ESF se operacionaliza mediante estratégias de prevenção, promoção, recuperação, reabilitação e cuidados paliativos. Tais ações sendo executadas pelas equipes de Saúde da Família, que normalmente é composta por um médico generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e quatro a seis agentes comunitários de saúde, a equipe de saúde da família é responsável pelas ações de cuidado, acolhimento das demandas de saúde da comunidade, dentre outras (ANDRADE; BARRETO; BEZERRA, 2012).

Diante desse contexto, onde possuímos uma política de saúde consolidada, tendo como um de seus princípios a integralidade é lançado o desafio de se pensar acerca da realidade dos sujeitos com Transtornos do Espectro do Autismo e qual o lugar dos mesmos nesta conjuntura complexa que é o SUS. Os cuidados primários de saúde estão sendo ofertados de forma integral a esses sujeitos? Somado a esse aspecto, no ano de 2012 foi instituída a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, sendo os sujeitos enquadrados nessa categoria diagnóstica, considerados deficientes. Tal legislação possui como uma de suas diretrizes o atendimento integral às necessidades de saúde (BRASIL, 2012c).

No entanto, essa tomada do sujeito autista como deficiente, mesmo que para fins de lei, somado ao fato de uma legislação assegurar o cuidado integral aos mesmos traz uma série de consequências na Rede SUS, essa questão será explanada posteriormente em detalhes e variações que se tornam evidentes conforme o percurso.

Essa realidade nos traz indagações passíveis de análise e discussão, torna-se necessário, então, uma revisão bibliográfica, a fim de embasar cientificamente as discussões e a questão norteadora, com a intenção de projetar luz, ordenar e fomentar a compreensão da realidade em questão. Para isso, é imprescindível traçar o estado da questão do objeto da pesquisa, inicialmente abordando os Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), atualmente denominados TEA, conforme explanado acima.