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Políticas Públicas e a efetividade dos direitos sociais

3. O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE: A PROMOÇÃO DAS CAPACIDADES

4.2. O direito à promoção das capacidades e sua concretização

4.2.2. Políticas Públicas e a efetividade dos direitos sociais

O direito à promoção das capacidades manifesta-se quanto ao seu aspecto formal na concretização por parte do Estado de Políticas Públicas, que promovam o desenvolvimento integral da pessoa. Por isso mesmo, é que este direito incide de forma direta na concretização dos direitos sociais, que são direitos fundamentais em potência e dependem do ato para realizar a pessoa.

Como afirmado anteriormente, a promoção das capacidades implica no reconhecimento da pessoa e de sua dignidade em si mesma, como também no reconhecimento de direitos fundamentais, em sua positivação e em sua concretização. A promoção das capacidades implica na ação positiva do Estado para criar oportunidades para que a pessoa agir e escolher determinados bens que auxiliem em seu crescimento e desenvolvimento.

      

300 BALERA, Wagner. Previdência e Assistência Social. In: MARTINS, Ives Gandra;

MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. (coord.). Tratado de Direito

Constitucional. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 457.

O poder dentro do Estado é uno e divide-se em esferas de atuação diversas: Legislativo, Executivo e Judiciário. É necessário, pois, que o Estado atue nestes três âmbito para a concretização e afirmacão de direitos.

De fato, as novas tarefas impostas aos Poderes Públicos no Estado Social de Direito não se limitam à produção de leis ou normas gerais (Legislativo), mas abrangem a elaboração e implementação de políticas públicas (executivo), que se tornam eixos orientadores da atividade estatal. 302 E que muitas vezes dependem do processo judicial (Judiciário) para sua concretização. 303

Há portanto, uma relação necessária entre os Poderes Públicos para a concretização dos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais. O direito à promoção das capacidades se aplica também no âmbito de atuação do Poder Executivo, que através de Políticas Públicas, busca efetivar as determinações constitucionais e acima de tudo, promover a pessoa e sua dignidade.

Maria Paula Dallari Bucci ensina que:

A importância de se teorizar juridicamente o entendimento das políticas públicas reside no fato de que é sobre o direito que se assenta o quadro institucional no qual atua uma política. Trata-se, assim, da comunicação entre o Poder Legislativo, o governo (direção política) e a Administração Pública (estrutura burocrática), delimitada pelo regramento pertinente.304 Portanto, a concretização do direito à promoção das capacidades se dá através de Políticas Públicas, promovidas pelo Poder Executivo e devem atender, como objetivo principal, a criação de oportunidades para que a pessoa possa se desenvolver. Faz-se importante notar desde já que o Poder Executivo representa diretamente o Governo eleito pelo povo, com uma ideologia determinada, que interfere nos meios utilizados para obtenção dos resultados. Assim, é importante que o direito à promoção das capacidades, como apresentado aqui, possa

      

302 DUARTE, Clarice Seixas. Op. cit., p. 272.

303 Sobre a Judicialização dos direito sociais, recomenda-se: LOPES, José Reinaldo de

Lima. Direitos sociais. Teoria e Prática. São Paulo: editora Método, 2006. SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. (coord.) Direitos sociais. Fundamentos,

Judicialização e Direitos Sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

304 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria

Paula Dallari (org.). Políticas Públicas. Reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 37.

interferir nas Políticas Públicas, justamente para a necessária compreensão do papel do Estado.

As Políticas Públicas são o “como” o Estado atuará para realizar às diretrizes constitucionais, sendo importante para isso que busque a promoção da pessoa em vista das suas exigências como pessoa.

Hugo Assman define políticas públicas como “metas coletivas conscientes”305, ou seja, não basta que sejam de todos (coletivas), é necessário o aspecto da “consciência”. Consciência dos bens humanos necessários para a realização da pessoa em sociedade.

Há controvérsia doutrinária quanto ao conceito de Políticas Públicas306, porém para este trabalho será adotado o conceito elaborado por Maria Paula Dallari Bucci, conforme expresso a seguir:

Políticas públicas são programas de ação governamental que resultam de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial - visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar a realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meio necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados.307 Desta definição, dois aspectos serão destacados: das políticas públicas como programas e como processo. O que equivale afirmar que “ações governamentais” implicam planejamento (art. 174), reserva de recursos, definição de objetivos, em suma, implica em boa governança (governance).

      

305 ASSMAN, Hugo. Carta a Santo Agostinho. O Estado de São Paulo, p. D-8,

28.10.1995.

306 Cf. MASSA-ARZABE, Patrícia Helena. Dimensão juridical das políticas públicas;

GONÇALVES, Alcindo. Políticas públicas e a ciência política. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas. Op. cit.; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (coord.). Ação Civil Pública: lei 7.347/1985 – 15 anos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001; COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas, In: Revista dos

Tribunais, 737/15-17, mar. 1997; BARROS, Sérgio Resende de. A proteção dos direitos

pelas políticas. In: Revista Mestrado em Direito. Ano 7, n. 2. Osasco: EDIFIEO, 2007.

307 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. Op. cit., p. 39.

Isto é importante porque a concretização do direito à promoção das capacidades não significa exigir do Estado a realização de ações de forma indiscriminada ou não planejadas, sob pena de que o cumprimento dos direitos sociais não seja compatível com os recursos e com o PIB do país.

Justamente essa é a novidade que se pretende afirmar com o direito à promoção das capacidades aqui proposto. Promover as capacidades através de políticas públicas significa que o Estado, em todos os aspectos do processo que envolve a realização da política pública, atue com base na subsidiariedade e vista das capacidades. A concretização não significa a distribuição de bens materiais apenas, mas na promoção de políticas alternativas e criativas para o desenvolvimento das capacidades da pessoa.

O que se pretende afirmar será explicado através do direito à educação previsto nos artigos 6º e 205 da Constituição. Com base nesses dispositivos constitucionais, muitos cidadãos promovem ações judiciais para obtenção de vagas em creches ou escolas públicas. Para essa demanda judicial é possível apresentar duas alternativas: primeiro, aceita o pedido e determina que o Estado cumpra seu dever aceitando as crianças na escolas e consequentemente constrói novas escolas para ter mais vagas etc. E segundo, nega o pedido com a justificativa que não possui provisões financeiras, nem previsão orçamentária para o exercício em questão e com base na “reserva do possível”308 afirma que

deve buscar o bem de todos e não somente o de alguns.

O direito à promoção das capacidades possibilita uma terceira alternativa: que o Estado se comprometa com todo o processo de efetivação do direito à educação (no exemplo). Que possa ser exigido quanto ao planejamento realizado, à definção dos programas de governo, das contratações que serão realizadas, do orçamento que será definido. Isto porque está implícito que a falta de recursos ou a definiciência na prestação dos direitos sociais, é uma consequência de uma séria de equívocos e problemas anteriores, que antecedem a escola.

      

308 “O princípio da reserva do possível, por si só, não pode ser utilizado como argumento

para se afastar qualquer eficácia das normas constitucionais que consubstanciam os direitos sociais e econômicos.” In: PORT, Otávio Henrique Martins. Os direitos sociais e

econômicos e a discricionariedade da administração pública. São Paulo: RCS, 2005.

O direto à promoção das capacidades exige que o Estado busque alternativas junto à empresas privadas, associações, cooperativas, para o cumprimento de seu direito. Desta forma, no exemplo proposto, o Estado pode estabelecer parcerias com creches comunitárias, financiando o custo de mais uma criança. Há opções metodológicas que o Estado pode ter para a promoção das pessoas, em primeiro lugar, como direito fundamental baseado na dignidade humana.

Com base nessa mesma problemática é que J.J. Canotilho, recentemente, propôs um “direito directivo-constitucional” [sic!], ou a “direção como reabilitação da força normativa da Constituição Social”. Para compreender o impacto prático dessa afirmação no âmbito da interpretação, Canotilho apresenta algumas dimensões importantes para se ter conta:

(1) as grandezas de referencia são as instituições (sistemas) ao lado dos esquemas tradicionais das relações jurídicas e dos mecanismos jurídico-processuais e procedimentais;

(2) relevância dos novos modelos de direção, designadamente os

modelos de management desenvolvidos pela ciência econômica no âmbito do mercado e da economia privada (particularmente importantes para as questões de modernização e eficiência dos mecanismos de direção); (3) pluralidade das regulações jurídicas, tendo, sobretudo, atenção

que a regulação diretora pode convocar complexos normativos diversos como o direito dos contratos, o direito da lei, o direito da constituição, o

direito europeu, o direito internacional; e

(4) mecanismos densificadores (boas práticas, excelência de

serviços, standards) de normas de direção constitucionais. [sic]309

Canotilho indica a insuficiência dos parâmetros tradicionais para a efetividade da Constituição. Hoje, segundo ele, o direito constitucional precisa alcançar outros tipos de relações jurídicas, àquelas referentes às instituições, interferindo em sistemas de gestão e boas práticas de administração. Neste sentido, é que o direito à promoção das capacidades auxilia na efetividade dos direitos sociais e das prestações sociais por parte do Estado. Por que atua em todo o processo de elaboração da Política Pública e não somente na relação norma constitucional e recurso financeiro do Estado.

      

309 CANOTILHO, J. J. Gomes. O direito constitucional como ciência de direcção – o

núcleo essencial de prestações sociais ou a localização incerta da socialidade (contributo para a reabilitação da força normativa da ‘Constituição Social’. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; op. cit., p. 25.

Canotilho propõe o “direito como instrumento de direção ao lado de outros instrumentos (financeiros, organizatórios)”310, com o objetivo de obter prestações

positivas por parte do Estado de promoção das capacidades.