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Três aspectos do direito à promoção das capacidades: Educação,

2. O DIREITO À PROMOÇÃO DAS CAPACIDADES COMO DIREITO

2.2. O conteúdo jurídico do direito à promoção das capacidades:

2.2.2. Três aspectos do direito à promoção das capacidades: Educação,

O direito à promoção das capacidades não é necessariamente um novo direito, mas um direito que concretiza e efetiva tantos outros direitos fundamentais. O sistema internacional dos direitos humanos dispõe, já há alguns anos, do direito ao desenvolvimento humano, que, a nosso ver, é uma decorrência do direito proposto nesta tese.

Inicialmente, o direito ao desenvolvimento era relacionado sobretudo ao aspecto econômico dos países, o que foi sendo modificado com o próprio pensamento de Amartya Sen e de outros economistas, que introduziram a ideia de desenvolvimento humano.

      

Conforme ensina Wagner Balera173, já desde 1967, a Carta da

Organização dos Estados Americanos (OEA) dedica todo o capítulo VII ao Desenvolvimento Integral, com especial atenção ao artigo 34174, que já

mencionava expressões como ‘igualdade de oportunidades’ e ‘plena participação’. Em 1965, foi criado pela ONU o PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -, seguido, em 1986, pela Declaração sobre o Desenvolvimento, editada pela Assembleia Geral da ONU.

O direito ao desenvolvimento tem por objetivo:

[...] outorgar a todo o homem os meios necessários à respectiva qualificação como personalidade, é dizer, como sujeito apto a realizar seus fins naturais e temporais nesse mundo, sem prejuízo de seu direito à objetiva conquista do destino sobrenatural a que se acha vocacionado desde sempre.175

No âmbito internacional, cabe, ainda, citar, como afirmação desse direito, a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social, realizada pela primeira vez em 1995, na cidade de Copenhague, que enunciou a Carta humanitária do Milênio. O êxito deste evento culminou, em 1999, com o Marco das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que, por meio da Cúpula do Milênio, fixou um roteiro para o desenvolvimento no século XXI, com os Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM).176

      

173 BALERA, Wagner. Humanismo e Desenvolvimento. In: SOUZA, Carlos Aurélio Mota;

CAVALCANTI, Thais Novaes. Princípios Humanistas Constitucionais. São Paulo: Ed. Letras Jurídicas, 2010. p. 402-415.

174 Art. 34 “Os Estados membros convêm em que a igualdade de oportunidades, a

eliminação da pobreza crítica e a distribuição equitativa da riqueza e da renda, bem como a plena participação de seus povos nas decisões relativas a seu próprio desenvolvimento, são, entre outros, objetivos básicos do desenvolvimento integral.” Disponível em: <http://www.oas.org/juridico/portuguese/carta.htm>. Acesso em: 01/03/2012.

175 BALERA, Wagner. Op. cit., p. 406.

176 Idem. Ibidem, p. 413-414. Cito os ODM: “1) Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2)

Atingir o ensino básico universal; 3) Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) Reduzir a mortalidade infantil e; 5) Melhorar a saúde maternal; 6) Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7) Garantir a sustentabilidade ambiental; 8) Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.”

A principal relação feita entre o direito ao desenvolvimento e o direito à promoção das capacidades está no pensamento desenvolvido por Amartya Sen, especialmente em seu livro Desenvolvimento como Liberdade.

Desenvolvimento é ampliar as capacidades das pessoas, aumentar as possibilidades de escolhas, correspondendo à liberdade de levar um determinado tipo de vida.177 É a liberdade que cada pessoa tem para determinar o que quer, o que valoriza e o decide escolher por ela mesma, pelos outros, pela comunidade onde está inserida e pelo Estado. Maior liberdade significa maior oportunidade para buscar os objetivos individuais.

O desenvolvimento é liberdade e esta é o que dá origem e sentido ao enfoque das capacidades da pessoa.

Portanto, o direito à promoção das capacidades está alicerçado na liberdade substancial de cada pessoa e se manifesta na possibilidade de escolhas por determinados bens, na ação de cada pessoa. De acordo com John Finnis, os bens primários que toda pessoa busca são: vida, conhecimento, lúdico, experiência estética, amizade, racionalidade prática e religião.178

O direito à promoção das capacidades humanas é um direito de escolha, de autodeterminação, ou seja, permite a pessoa agir para realizar os fins que busca, dando a ela os meios (oportunidades) para que possa alcançar os fins desejados.

Sen valoriza não só o aspecto da escolha em si, mas também o aspecto do processo da escolha. Não basta apenas a pessoa alcançar o fim aspirado ou o bem desejado, é importante que seja assegurado a ela um processo livre de escolha. Além disso, a perspectiva da capacidade valoriza a pluralidade de características de cada vida e suas preocupações, os denominados ‘funcionamentos’.179 Isto é importante porque esse direito, que se origina no

pensamento de Sen, considera cada pessoa e cada processo de escolha e cada realização, pois a pessoa é um ser único.

      

177 SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. Op. cit., p. 52. 178 FINNIS, John. Op. Cit., p. 117-121.

Ao focar as capacidades e a liberdade substancial, o direito valoriza o agir, a ação de uma pessoa livre e capaz, preocupando-se com a ‘condição do agente’ (agency aspect). ‘Agente’, para Amartya Sen é “alguém que age e ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, [...] agente como membro do público e como participante das ações econômicas, sociais e políticas.”180

Essa relação da pessoa (agente) e o público é bastante importante para compreender as esferas desse direito à promoção das capacidades. Para Sen, liberdade e capacidade têm “uma relação de mão dupla: as capacidades podem ser aumentadas pela política pública, mas também, por outro lado, a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo.”181

Dito isso, é possível identificar como se manifesta o direito à promoção das capacidades, a partir do tríplice aspecto: a) Formal: políticas públicas destinadas a dar efetividade ao direito; b) Material: Educação, como possibilidade de formar as pessoas nas escolhas (livres) em busca de determinado bem; c) Instrumental: o princípio da subsidiariedade, que incide na estrutura do Estado, organizado para auxiliar a pessoa no desenvolvimento de suas capacidades.

O aspecto formal refere-se, principalmente, à atuação do Estado para a realização das oportunidades da pessoa. A forma com que o Estado determina suas ações está diretamente relacionada com a promoção das capacidades ou não. As políticas públicas, como fenômeno jurídico, podem ou não contribuir para o desenvolvimento humano e para a promoção das capacidades. Portanto, esse direito possibilita à pessoa exigir do Estado que atue em favor da promoção das suas capacidades. Essa exigência mais concreta poderá se dar por meio da judicialização (acesso ao Poder Judiciário), mas especificamente o que se pretende discutir aqui é a realização de planos e programas de governo em favor das pessoas (no âmbito do Poder Executivo). Esse aspecto pressupõe a ‘discussão racional pública’ e a participação não só nas escolhas políticas e

      

180 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Op. cit., p. 33. 181 Idem, ibidem, p. 32.

representativas, mas em sua família, em associações, na comunidade em que estão inseridas.

O aspecto material incide na educação como formação da personalidade humana, pois as escolhas da pessoa implicam formação da consciência e da personalidade, para que possa atingir os bens próprios para sua realização. A educação é o principal aspecto da promoção das capacidades da pessoa.

Por fim, cumpre citar o aspecto instrumental, relacionado à liberdade de agir perante o Estado, ou seja, na forma como o Estado se organiza para possibilitar que a pessoa seja livre e plena em suas escolhas. Esse aspecto refere-se ao princípio da subsidiariedade, que, em primeiro lugar, considera a pessoa como sujeito capaz dentro de uma sociedade organizada, agindo como ‘ator’ do seu desenvolvimento pessoal, comunitário e nacional.

O capítulo 3 será dedicado ao estudo e à compreensão do princípio da subsidiariedade, citando, também, exemplos de outros países, que, por meio desse princípio, organizaram-se para promover as capacidades das pessoas.

Já os outros dois aspectos serão estudados no capítulo 4, especificamente no âmbito da Constituição brasileira de 1988.