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3. A ATIVIDADE PESQUEIRA

3.5. POLÍTICAS PÚBLICAS: SUDEPE E SEAP/PR

Até a década de 1960, a atividade pesqueira brasileira não tinha reconhecida a sua importância para a economia nacional. As ações governamentais relacionadas a essa atividade eram desenvolvidas por órgãos distintos. Em 1962 foi fundada a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), a partir da fusão de três órgãos: a parte de pesca da Divisão de Caça e Pesca, procedente do Ministério da Agricultura; a Caixa de Crédito da Pesca, entidade autárquica deste ministério e o Conselho de Desenvolvimento da Pesca, de natureza paraestatal. Ao iniciar suas atividades, esse órgão ficou vinculado ao Ministério da Agricultura.

Após a criação da SUDEPE, em 1962, a pesca nacional passou a ser considerada como de significativa importância para a economia brasileira. A atividade pesqueira foi reconhecida como indústria de base para efeito de amparo financeiro pelas linhas oficiais de crédito. Assim, foram criadas políticas de proteção à pesca, incluindo mecanismos de incentivos fiscais para a compra de barcos e equipamentos e implantação de unidades de beneficiamento do pescado, com a finalidade de promover o desenvolvimento do setor.

As políticas implementadas pela SUDEPE geraram melhorias na infra-estrutura de desembarque, de produção e de comercialização do pescado. Suas ações promoveram o avanço tecnológico e impulsionaram a industrialização, embora de forma não sustentável e superestimada, fortaleceram os sistemas de pesquisa e levantamento dos recursos pesqueiros, de estatística e de extensão dessa atividade. Com a presença da SUDEPE, buscou-se, ainda, a mobilização da classe produtora, com a organização de cooperativas de armadores e pescadores e das colônias de pesca.

Durante sua existência, este órgão implantou alguns planos de desenvolvimento visando aumentar a consistência econômica do setor, podendo-se destacar:

a) 1° Plano Nacional de Desenvolvimento da Pesca (I PNDP) - lançado em 1963, este plano tinha como objetivos principais a melhoria do abastecimento, o incremento das exportações e a valorização do pescador artesanal. Tal Plano não conseguiu atingir suas metas por causa da falta de estrutura administrativa do novo órgão e de ausência de alocação de meios para operacionalizá-lo;

b) 2o Plano Nacional de Desenvolvimento da Pesca (II PNDP) - lançado em 1969, visava a dar solução aos pontos não alcançados pelo I PNDP. Esse Plano apresentou maior consistência, mas a falta de estrutura operacional em conjunto com a instabilidade administrativa da SUDEPE impediu o seu sucesso;

vigorar no período de 1975 a 1979, esse Plano fixava metas setoriais e tinha como objetivo principal melhorar os níveis de produtividade do setor pesqueiro. Seus resultados ficaram aquém do planejado e a SUDEPE enfrentou inúmeras denúncias de corrupção e má administração dos recursos financeiros; e

d) 4o Plano Nacional de Desenvolvimento da Pesca (IV PNDP) - vigorou no período de 1980 a 1985 e priorizava as áreas de produção e abastecimento e tinha como objetivo principal a duplicação de sua produção. Esse Plano, também, não conseguiu atingir, por completo, suas metas.

Analisando a eficácia dos PNDPs, Dias Neto E Marrul Filho (2003) afirmam que esses Planos não consideraram devidamente a pobreza relativa do mar brasileiro e suas peculiaridades regionais; discriminaram a pesca artesanal em benefício da pesca industrial; não apoiaram, de forma significativa, os projetos de pesquisa; comprometeram os estoques dos recursos que suportavam as principais pescarias; e não foram capazes de promover o desenvolvimento em bases sustentáveis do setor. Além disso, esses planos ficaram marcados pela má utilização dos recursos financeiros públicos.

Durante o seu funcionamento, a instituição enfrentou diversos problemas de caráter estrutural que foram responsáveis pelo seu mau desempenho, entre os quais Dias Neto (2002) destaca os seguintes:

a) No período de 1962 a 1974, a SUDEPE foi dirigida por 10 superintendentes, sendo que nenhum deles pertenciam aos quadros dirigentes ou funcionais da instituição e nem eram ligados à área da pesca. Nesse mesmo intervalo de tempo, a entidade sofreu progressivas reduções nas suas disponibilidades orçamentárias, dificultando a contratação de novos servidores e a ampliação de seu quadro técnico;

recebidos, pela ausência de pessoal qualificado para executar os programas e projetos em seus setores prioritários;

c) Durante sua existência, a empresa se comportou mais como repassadora de recursos, do que como uma agência de desenvolvimento;

d) O Órgão era um aglomerado de "departamentos" em conflito quanto a objetivos e funções, à mercê do privilégio cíclico de estruturas formais e da supremacia dos poderes de influência pessoais, o que foi agravado pela alta rotatividade do cargo dirigente e da seqüência de administrações de baixa qualidade;

e) A manifestação de interesse dos pescadores era mantida sob controle e era encarada como uma insubordinação à tutela estatal, enquanto que a manifestação de interesse dos empresários era bem recebida. Assim, a autarquia controlava os interesses dos pescadores e se associava aos dos empresários;

f) A definição de normas ou regulamentações para a pesca artesanal era dominada pela utilização de critérios técnicos, enquanto que para a pesca industrial, outros fatores eram considerados mais relevantes que esses critérios; e

g) A incorporação, à estrutura da SUDEPE, do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Pesqueiro (PDP) interrompeu a tendência de crescimento da estrutura de pesquisas e comprometeu alguns importantes projetos e atividades, seja pela desativação ou interrupção do aporte de recursos, como a geração de estatísticas sobre o setor.

Com relação aos incentivos fiscais à atividade da pesca, eles foram instituídos pelo Decreto-lei n° 221/67, prorrogados pelo Decreto-lei n° 1.217/72 e sobreviveram até 1988, quando foram extintos pela Lei n° 7.714/88. Essa política contemplava os seguintes tópicos:

a) dedução do Imposto de Renda pelas pessoas jurídicas registradas no país;

pesqueira;

c) isenção dos impostos de Importação e dos Produtos Industrializados (IPI), de taxas aduaneiras e quaisquer outros tributos federais para as importações previstas nos projetos aprovados pela SUDEPE;

d) benefícios iguais para os fabricantes de equipamentos nacionais para a pesca, desde que aprovados pela Comissão de Desenvolvimento Industrial do Ministério da Indústria e do Comércio; e

e) isenção do IPI para aquisição de embarcações destinadas à pesca comercial ou científica.

De acordo com Dias Neto e Dornelles (1996), a utilização dessa política de incentivos fiscais provocou, até 1974, as seguintes distorções:

a) investimentos desordenados, originando uma dissociação entre a capacidade instalada no âmbito de indústria, captura e comercialização e as reais potencialidades dos recursos naturais disponíveis;

b) incapacidade do setor em assegurar o suprimento de matéria-prima, devido ao esforço de pesca exagerado sobre determinados estoques, empirismo da atividade de captura e falta de pesquisas que dessem suporte à exploração de novos recursos pesqueiros;

c) desvios de recursos; e

d) altas taxas de corretagem para captação dos incentivos.

Uma característica da aplicação desses incentivos foi a má distribuição entre as áreas geográficas do país, pois até junho de 1985 os recursos do Fundo de Investimento Setorial para a pesca (FISET/PESCA) foram distribuídos da seguinte forma: 5,71% para a Região Norte; 15,27% para o Nordeste; 1,5% para o Centro-Oeste; 53,01% para o Sudeste; e 24,51% para a região Sul. A função desse fundo era controlar a alocação de recursos dos incentivos

fiscais de forma mais centralizada, corrigindo o desequilíbrio no mercado de incentivos, identificado no período de vigência do Decreto-lei nº 221/67. Esse desequilíbrio, por sua vez, causava duas sérias distorções: atrasos na execução de investimento em virtude da escassez de recursos e a cobrança de exageradas comissões de corretagem e de captação de incentivos fiscais.

Outra característica marcante desta política de incentivos foi a discriminação da pesca artesanal. Para Diegues (1983), o Decreto-lei n° 221/67 deixou a pequena pesca à própria sorte, atribuindo a esta modalidade de pesca a função exclusiva de servir como um bolsão de força de trabalho barato para a frota empresarial-capitalista. Raciocinando de modo semelhante, Timm (1975) argumenta que, ao estabelecer os objetivos da política dos incentivos fiscais à industrialização da pesca, o governo discriminou o artesanato pesqueiro, aparentemente para produzir maiores benefícios à sociedade como um todo, o que em termos de teoria racional compreensiva representaria a maximização de benefícios sociais com a correspondente minimização de custos econômicos.

As fraudes, os desvios e a má utilização dos recursos públicos também estiveram presentes. Dias Neto (2002) cita um episódio em que uma inspeção realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na SUDEPE verificou, em um único projeto de aqüicultura, as seguintes irregularidades:

a) vultosos desvios de recursos liberados pelo fundo para aplicação em outros empreendimentos do grupo empresarial e no mercado financeiro;

b) não aplicação da contrapartida de recursos próprios; c) não comprovação de várias despesas efetuadas;

d) comprovação de despesas efetuadas de forma fraudalenta; e) liberações sem vistorias prévias;

g) contrato de empreiteira sem registro no Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) e sem a execução das obras.

A má aplicação da política de incentivos fiscais seduziu empreendedores que não tinham vínculo com a pesca. Para Dias Neto & Dornelles (1996), as facilidades oferecidas pelas autoridades governamentais atraíram empresários para a atividade pesqueira desprovidos de experiência mínima requerida. Muitos empresários se propuseram a desenvolver a pesca nacional, já que, via de regra, os incentivos fiscais não significavam riscos, tratando-se de recursos a fundo perdido.

Assim, pelos fatos abordados, pode ser constatado que o setor da pesca no país conviveu com elevado grau de desperdício de recursos, com uma péssima utilização da verba pública e com discriminação de setores socioeconômicos importantes, como é o caso da pesca artesanal. Para Dias Neto (2002), as políticas implementadas por diferentes governos para o setor pesqueiro foram “equivocadas, ineficientes, ineficazes, discriminatórias e comprometedoras em virtude da promíscua relação entre a gestão pública e a iniciativa privada, envolvendo fortes indícios de corrupção e troca de favores”.

Devido sua importância para a atividade sócio-econômica do país e visando incrementar o desenvolvimento da atividade pesqueira, no início do ano de 2003, pela primeira vez em sua história, o Brasil passou a ter uma Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP/PR), com status de ministério. A pasta, criada pelo Governo Lula, por meio da medida provisória nº 103, de 1º de janeiro de 2003, foi entregue ao catarinense José Fritsch e visa resgatar um setor que, historicamente, sempre esteve à margem das políticas públicas, em que pese a sua magnitude social e potencialidades econômicas. Ancoradas no tripé da sustentabilidade social, ambiental e econômica, essa Secretaria Especial terá a oportunidade de revelar a potencialidade e a relevância estratégica

da pesca e da aqüicultura e resgatar uma grande dívida com os segmentos sociais envolvidos nessas atividades produtivas.

Entre seus objetivos, cabe a este órgão assessorar a presidência da república na formulação de políticas e diretrizes para o desenvolvimento e o fomento da produção pesqueira e aqüícola; promover a execução e a avaliação de medidas, programas e projetos de apoio ao desenvolvimento da pesca artesanal e industrial; supervisionar, coordenar e orientar as atividades voltadas referentes às infra-estruturas de apoio à produção e comercialização do pescado; e normatizar e estabelecer medidas que permitam o aproveitamento sustentável dos recursos pesqueiros.

A SEAP/PR, em novembro de 2003, mostrou o Balanço de Resultados de 2003 e exibiu para a sociedade uma proposta de trabalho para os próximos anos, em que se destacam os seguintes projetos:

a) Programa de Ampliação e Modernização da Frota Pesqueira Nacional;

b) Programa de Desenvolvimento da Aqüicultura e Pesca do Norte e Nordeste, em parceria com o Banco da Amazônia e Banco do Nordeste. Para o ano de 2004, essas instituições asseguraram repasses de R$ 600 milhões e R$ 200 milhões, respectivamente, para os programas de apoio à pesca artesanal, industrial e à aqüicultura;

c) Programa Especial de Financiamento para a Pesca Artesanal e Programa Especial de Financiamento para Piscicultura nos Assentamentos de Reforma Agrária, que são direcionados a dois públicos alvos: pescadores artesanais em todo território nacional e assentados do Plano Nacional de Reforma Agrária;

finalidade consiste em uma política de crédito subsidiado para o desenvolvimento local/regional, geração de renda, produção local, segurança alimentar e inclusão social;

e) Programa Semi-árido, cujo propósito é o desenvolvimento sustentável da produção de pescado cultivado na região semi-árida;

f) Programa de Seguro Desemprego para o Pescador Artesanal, que tem por objetivo fornecer um salário mínimo ao pescador profissional artesanal em regiões onde são definidos os períodos de paralisação da pesca (defesos); e

g) Projeto Pescando Letras, que tem como alvo erradicar o analfabetismo até o ano de 2006. A SEAP/PR espera alfabetizar 65.000 pescadores no ano de 2004.

Ainda é muito prematuro avaliar os resultados obtidos por esta Secretaria Especial. Mas, caso alcance o sucesso que se deseja, a implementação de alguns destes projetos, certamente, proporcionará o fortalecimento da atividade pesqueira nacional e, conseqüentemente, o setor pesqueiro da foz do rio Itajaí-Açu, objeto desta pesquisa.

4 ESTRUTURA E ANÁLISE DO ARRANJO PRODUTIVO DE PESCA DA FOZ DO RIO ITAJAÍ-AÇU

Neste capítulo pretende-se mostrar a importância da atividade da pesca para o arranjo produtivo local, apresentando suas origens, estrutura e dinâmica evolutiva. Serão analisados os resultados da pesquisa de campo, procurando detectar seus pontos fortes e fracos, e, dessa forma, levar à discussão a formulação de propostas que possam aumentar a capacidade competitiva das MPEs inseridas no arranjo.