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AS POLÍTICAS SOCIAIS

2.2 Políticas sociais: resposta aos conflitos

Como já explicitado, as políticas sociais surgem como resposta aos conflitos da relação capital/trabalho e são mediadas pelo Estado. Esses três atores – Estado, capital e trabalhadores - delineiam os caminhos das políticas sociais e as organizam por meio de “troca de interesses”: o protagonismo da classe trabalhadora, expresso nas lutas sociais; o Estado, na intervenção e na regulação das relações sociais; e as empresas capitalistas, na promoção de serviços assistenciais aliados à garantia de super-lucros.

Nesse contexto, as políticas sociais tiveram a sua implantação de forma gradual e diferenciada entre os países, conforme o grau de desenvolvimento das forças produtivas, do movimento de organização e pressão da classe trabalhadora, e das correlações e composições de forças do Estado (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

Os países europeus foram os primeiros a implantar um conjunto de medidas compulsórias de seguro social. A Alemanha, no século XIX, com o Chanceler Otto Von Bismarck (em 1883), instituiu o primeiro seguro saúde nacional obrigatório, como indicação do reconhecimento de que a incapacidade das pessoas para trabalhar não mais era considerada fruto da preguiça, da vagabundagem, da fraqueza moral e do espírito de imprevidência, mas devido a contingências sociais, como idade avançada, enfermidade e desemprego, sendo o Estado, então, considerado instância legítima para organizar e gerir a provisão coletiva contra a perda de renda causada por essas contingências (PEREIRA, 1998).

Anos depois, a Inglaterra ganha destaque, com o Plano Beveridge (1942), e a França, com intervenções estatais que foram chamadas Estado-Providência31; todos dirigidos à

31 État Providence – “a expressão foi forjada por pensadores liberais contrários à intervenção do Estado,

justamente para criticar a ação estatal, pois consideravam que, ao intervir para minorar as situações de pobreza o Estado se atribuía uma “sorte de providência divina” (Rosavallon, 1986). Alguns autores franceses consideram que o marco de emergência do Estado-providência é o ano de 1898, com a aprovação da primeira lei cobrindo os acidentes do trabalho.” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p.66).

classe trabalhadora, como resposta às intensivas lutas em busca de melhores condições de vida e de trabalho

Dessa forma, a política social foi se desenvolvendo, com a sua funcionalidade expressa nos processos referentes à preservação e ao controle da força de trabalho, com características de fragmentar e particularizar os reflexos da “questão social”, uma vez que, se a atingisse como fruto do conflito entre capital e trabalho, estaria colocando em xeque a ordem burguesa. Em outras palavras, ela é vista como resposta às problemáticas particulares – o desemprego, a fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de escolas, a incapacidade física etc. – que são respondidas, em suas refrações, com ações públicas (NETTO, 2001a).

Tais ações fazem parte das estratégias de um Estado produtor e regulador das relações econômicas e sociais, a fim de promover uma sintonia econômica entre o público e o privado, com base nas idéias de John Maynard Keynes (1883-1946), que defendeu a intervenção estatal na economia, a liberdade individual e a economia de mercado. Suas idéias marcaram o início do século XX, por que se diferenciavam dos ideais propostos pelos princípios do liberalismo “clássico”.

“Segundo Keynes, cabe ao Estado, a partir de sua visão de conjunto, o papel de restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuem nos períodos de depressão como estímulo à economia. A política keynesiana, portanto, a partir da ação do Estado, de elevar a demanda global, antes de evitar a crise, vai amortecê-la através de alguns mecanismos [...] são eles: a planificação indicativa da economia, na perspectiva de evitar os riscos das amplas flutuações periódicas; a intervenção na relação capital/trabalho através da política salarial e do “controle dos preços”; a distribuição de subsídios; a política fiscal; a oferta de créditos combinada a uma política de juros; e as políticas sociais.” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p. 85).

A partir dessas idéias, o Estado estabelece um pacto de “harmonia social”, no qual os trabalhadores aceitam a lógica do lucro do mercado em troca de uma garantia de padrões

mínimos de vida (ESPING-ANDERSEN, 1991), e o Estado tem a sua intervenção traçada pelo capitalismo monopolista, de maneira que garanta os superlucros dos monopólios, por meio do financiamento público do setor privado, dos contratos públicos, do fornecimento de créditos, de subvenções, garantias de empréstimos, responsabilidade estatal, campos de investimentos etc. Implanta-se uma “socialização de custos”, entre o capital e o Estado, ao mesmo tempo em que há uma monopolização dos lucros pelo capital.

“Vale dizer que o Estado funcional ao capitalismo monopolista é no, nível das suas finalidades econômicas, o “comitê executivo” da burguesia monopolista – opera para propiciar o conjunto de condições necessárias à acumulação e à valorização do capital monopolista.” (NETTO, 2001a, p. 26).

As idéias de Keynes, aliadas ao fordismo - cuja visão de produção em massa significava consumo em massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista (HARVEY, 1993) – e o enfraquecimento da mobilização da classe trabalhadora deram um novo rumo às economias mundiais. A partir de então, o capitalismo viveu seus anos gloriosos, conhecidos como a “Era de Ouro”32.

No Brasil, o passado recente de trabalho escravo e o grande contingente de imigrantes e pessoas marginalizadas, socialmente, dentro das cidades, caracterizavam a fragilidade da classe trabalhadora, no país, a qual só apresenta indícios de organização na virada para o século XX. Essa característica terá repercussão na implantação das Políticas Sociais brasileiras, que seguirão a mesma lentidão.

32A “Era de Ouro” foi um fenômeno mundial de prosperidade, embora a riqueza geral jamais chegasse à vista

da maioria da população do mundo. Ela também é conhecida como os trinta anos gloriosos, que iniciam após a Segunda Guerra Mundial e se estendem até a o início da década de 1970. Nela, é evidente o fortalecimento dos países capitalistas desenvolvidos, que, em todas essas décadas, representaram cerca de três quartos da produção do mundo, e mais de 80 % de suas exportações manufaturadas (HOBSBAWN, 1995).

Cabe ressaltar que, a exemplo do processo de surgimento e implantação das políticas sociais, nos países centrais de economia capitalista, elas, também no Brasil, são fruto do antagonismo da relação capital/trabalho. Assim, surgem e são desenvolvidas como estratégias de enfrentamento da “questão social”, cujo acesso é discriminado a recursos e a serviços sociais. Mas, ao contrário dos países cêntricos, o que vemos aqui é uma junção das características mais gerais aos traços particulares da formação social brasileira. Logo, a regulação das relaçõessociais, aplicada, pelo Estado, por meio dessas políticas, ganha forma por ações casuísticas, particularistas, inoperantes, fragmentadas, superpostas, sem regras ou reconhecimento de direitos. Em outras palavras, são políticas que, no limite, reproduzem a desigualdade social, na sociedade brasileira.

“As políticas sociais brasileiras [...] embora aparentem a finalidade de contenção da acumulação da miséria e sua minimização da miséria através da ação de um Estado regulador das diferenças sociais, de fato não dão conta deste efeito. Constituídas na teia dos interesses que marcam as relações de classe, as políticas sociais brasileiras têm conformado a prática gestionária do Estado, nas condições de reprodução da força de trabalho, como favorecedoras, ao mesmo tempo, da acumulação da riqueza e da acumulação da miséria social.” (SPOSATI apud YASBEK, 1996, p.38).

Nesses passos, o Estado intervém, em 1919, na área do seguro social, com a criação do seguro de acidentes do trabalho; e, em 1923, com oDecreto nº 4682/23, conhecido como Lei Eloy Chaves, que instituiu um seguro obrigatório: as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP)33 – destinadas aos trabalhadores da área de maior influência, na economia brasileira: a agroexportação (primeiramente, os ferroviários e os marítimos). Enquanto, nos países centrais, já se pensava em estratégias de harmonização dos conflitos capital/trabalho, aqui, a idéia de Welfare State ainda era inexistente.

33 “As CAP, entidades públicas com larga autonomia com relação ao Estado, são instituídas como um

contrato compulsório, organizadas por empresas, geridas através de representação direta de empregados e empregadores, tendo finalidade puramente assistencial: benefícios em pecúnia e prestação de serviços. Seus recursos tem origem tripartite: contribuição compulsória de empregados e empregadores (3,0% do salário e 1,0 % da renda bruta da empresa) e da União (1,5% das tarifas dos serviços). O Estado institui, em tese financia em parte e normativa essa modalidade de seguro social, mas não participa diretamente do seu gerenciamento.” (COHN et al., 2006, p. 14).

A Revolução de 1930, que “foi sem dúvida um momento de inflexão no longo processo de constituição de relações sociais, tipicamente capitalista, no Brasil” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p 105), dá início ao processo de modernização, por meio de políticas de industrialização induzidas pelo Estado, o que subsidia significativas mudanças no seu perfil e, conseqüentemente, no da sociedade brasileira.

A chegada, ao poder político, de outras oligarquias agrícolas e de setores industrialistas enfraquece a hegemonia cafeeira, e o Estado, que é fortemente ligado às oligarquias de base agrária, propõe uma coalizão de forças e assume uma organização corporativa, “canalizando para a sua órbita os interesses divergentes que emergem das contradições entre as diferentes frações dominantes e as reivindicações dos setores populares.” (IAMAMOTO, 1998, p.151).

O pacto é alterado, e, em 1937, ao instaurar-se a ditadura do Estado Novo, tendo como líder Getúlio Vargas − que, apesar de ter sido muito ovacionado pelos trabalhadores, dava como resposta à sua “rebeldia”, expressa nas suas manifestações, a repressão e o desmantelamento de sua organização política e sindical−, submetido a medidas de “proteção ao trabalho”, cujo objetivo era o controle estatal da classe. Assim, a política social toma formas harmônicas abrindo caminhos com base nas legislação sindical e trabalhista.

“O reconhecimento, ou melhor, a ampliação e generalização do reconhecimento da cidadania do proletariado se dá dentro de uma redefinição das relações do Estado com as diferentes classes sociais e se faz acompanhar de mecanismos destinados a integrar os interesses do proletariado através de canais dependentes e controlados.” (IAMAMOTO, 1998, p.152)

O acesso às políticas sociais é somente destinado aos trabalhadores inseridos, formalmente, no mercado de trabalho34, os quais, por meio de contratos compulsórios com

34 Aqueles com vínculo empregatício anotado em carteira de trabalho, numa espécie de cidadania regulada.

‘Cidadania regulada’ é uma nominação dada ao conjunto de direitos sociais outorgado aos trabalhadores que possuíam registro de sua relação de emprego na carteira de trabalho, os quais, e somente esses, eram considerados cidadãos de direito.

o seguro estatal de caráter contributivo, têm a extensão do direito a aposentadoria, pensão e assistência médica. Os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP)35 são fortes exemplos dessa “cidadania regulada”36 e da fragmentação da classe assalariada urbana, por setor de atividade econômica.

“A lógica da atuação do seguro social está comandada pela lógica da acumulação do capital [...] isto é, investimento lucrativo do excedente da receita do seguro social, atuar muito mais como um mecanismo de poupança dos assalariados destinada a investimentos estatais no setor de infra-estrutura econômica do que como uma política voltada para as necessidades sociais dos trabalhadores.” (COHN et al., 2002, p.229). Dessa forma, as políticas sociais brasileiras se desenvolvem com uma forte dicotomia. Aos assalariados: “seguridade” garantida, por meio de contribuição compulsória; e, aos carentes e trabalhadores rurais, a assistência pública37 e filantrópica. Esse regime

regulatório caracterizou o período entre 1930 e 1943, que é considerado como odos anos de introdução das políticas sociais, no Brasil, cujo desfecho se dá com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no último ano.

No pós-Segunda Guerra Mundial, o mundo industrial se expandia, por toda parte, e a economia crescia a uma taxa exponencial. Os países da Europa e o Japão se recuperavam das seqüelas da guerra e mediam o seu sucesso, tomando como base o quanto se haviam aproximado de um objetivo estabelecido em referência ao padrão que possuíam, no passado.

35 Os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP) “institucionalizam o seguro social fragmentando as classes

assalariadas urbanas por inserção nos setores da atividade econômica: marítimos, bancários, comerciários, industriários e outros. Agora transformados em autarquias, os institutos passam a ser geridos pelo Estado, continuando a contar com os recursos financeiros de origem tripartite, com a diferença marcante de a contribuição, patronal ser agora calculada, como a dos empregados, sobre o salário pago.” (COHN et al., 2002, p. 15). Eles substituem as CAP.

36 Vide nota 34.

37 Em 1942, foi criada a Legião Brasileira de Assistência (LBA) para “atender às famílias dos pracinhas

envolvidos na Segunda Guerra e era coordenada pela primeira-dama, Srª Darci Vargas, o que denota aquelas características de tutela, favor e clientelismo na relação entre Estado e sociedade no Brasil, atravessando a constituição da política social. Posteriormente a LBA vai se configurando como instituição articuladora da assistência social no Brasil, com uma forte rede de instituições privadas conveniadas, mas sem perder essa marca assistencialista, fortemente seletiva e de primeiro-damismo, o que só começará a se alterar muito tempo depois com a Constituição de 1988.” (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, p 107).

Com essa reabilitação, poderiam pensar em avançar, rumo ao futuro. Os Estados Unidos (EUA) deram continuidade à sua expansão dos anos da guerra, pois não sofreram os seus efeitos devastadores; muito pelo contrário, lucraram com a venda de armamentos e a fabricação de munição, o que ergueu, fortemente, a sua economia. Assim, assumiu o domínio da economia mundial (HOBSBAWN, 1995).

O capitalismo crescia, expressivamente, em contraposição ao socialismo. A iminência de uma Terceira Guerra Mundial dava margem a uma guerra mais ideológica e econômica: a Guerra Fria38.

No âmbito das políticas sociais, os países centrais adotaram o Welfare State, que tem o seu apogeu, no período de 1945 e 1975, em meio aos anos dourados do capitalismo. Ele é organizado e administrado por um Estado capitalista regulador da economia e da sociedade, cujo interesse pelo bem-estar social ultrapassa a preocupação com a indigência e com a manutenção da ordem pública. Representa um consenso político entre classes e partidos, visando à constituição de uma economia mista e de um amplo sistema de bem-estar, ancorados na doutrina keynesiana e na beveredgiana39. No Welfare State, a proteção social é vista como parte integrante de um conjunto de direitos e deveres, promovendo a articulação do Estado com uma coletividade mais ampla de cidadãos (PEREIRA, 2000).

O Welfare State possuía características específicas em determinados países, conforme Tipologia de Esping-Andersen (1991). O modelo liberal foi adotado por países

38 “A Guerra Fria entre os EUA e a URSS, que dominou o cenário internacional na segunda metade do breve

século XX, [nele] gerações inteiras se criaram à sombra de batalhas nucleares globais que, acreditava-se firmemente, podiam estourar a qualquer momento, e devastar a humanidade [...] A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não existia perigo iminente de guerra mundial. Mais que isso: apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, mas sobretudo do lado americano, os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de poder desigual mas não contestado em sua essência.” (HOBSBAWN, 1995 p. 224).

39 “[...] William Beveridge recomendava a construção de um novo sistema de seguridade social, mais amplo

que o alemão de Bismarck, o qual contemplaria, além do seguro social (de natureza contributiva), serviços sociais afins, de natureza distributiva.” (PEREIRA, 2000, p. 124).

como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, nos quais o mercado funciona como o espaço óbvio da distribuição, onde há a prevalência dos esquemas privados e ocupacionais de seguro social. Nesse modelo, o Estado só intervém quando o mercado impõe “demarcadas penas” a determinados segmentos sociais, ou seja, predomina a assistência aos comprovadamente pobres, reduzidas transferências universais ou planos modestos de previdência social, cujos benefícios atingem, principalmente, uma clientela de baixa renda, em geral, a classe trabalhadora ou dependentes do Estado.

Países como a Espanha, a Áustria, a Itália e outros da Europa Ocidental adotaram o modelo conservador, cuja ação protetora do Estado está vinculada ao desemprego dos grupos protegidos. Esse modelo é hierarquizante e segmentado; nele, o que predomina é a preservação das diferenças de status; os direitos, portanto, estavam ligados à classe. Esse corporativismo estava sob um edifício estatal inteiramente pronto para substituir o mercado, como provedor de benefícios sociais; por isso, a previdência privada e os benefícios ocupacionais extras desempenham, realmente, o papel secundário. De outra parte, a ênfase estatal na manutenção das diferenças de status significa que seu impacto, em termos de distribuição, é desprezível. Cabe ressaltar que os benefícios variavam, conforme a função do trabalho e a sua posição ocupacional.

Já, nos países nórdicos da Europa, como a Noruega, a Dinamarca e a Finlândia, o modelo adotado foi o social-democrata. Neste, o Estado é forte e produz ações de natureza redistributiva. O bem-estar é visto como parte integrante e importante da sociedade contemporânea. Os princípios de universalismo e desmercadorização dos direitos sociais estenderam-se às novas classes médias. Os social-democratas não toleram o dualismo entre Estado e mercado, entre a classe trabalhadora e a classe média. Eles buscaram um Welfare

State que promovesse uma política pública igualitária, que atendesse ao menos o mínimo socialmente necessário à subsistência.

Enquanto os países centrais estabeleciam o seu Welfare State, o Brasil vivia um modelo desenvolvimentista. Na década de 1950, associado ao capital externo, com a proposta de desenvolvimento de “50 anos em 5”, é implementado no governo de Juscelino Kubitschek (JK) e expressa um salto rumo ao futuro da economia capitalista brasileira, ao mesmo tempo que acirra a luta de classes.

O desenvolvimentismo, por meio da substituição de importação, proposto por JK, frutificou na herança da grande dívida externa do país e gerou um processo inflacionário altíssimo, pois se baseava na realização de investimentos diretos, quase sempre, precedidos de intensa emissão monetária. Nesse período, houve a construção de Brasília, a entrada da televisão, o avanço das indústrias automobilísticas, a expansão do futebol, e os movimentos populares (como o estudantil40 e o das ligas camponesas41) se fortaleciam; enquanto isso, no mundo, o homem pisava, pela primeira vez, na Lua, a Guerra Fria se acirrava, e adotava-se uma cultura de consumismo.

Na década seguinte, o Estado cria uma política para retomar o desenvolvimento nacionalista, acatando as reivindicações populares. As camadas populares têm a possibilidade de influir nas questões políticas. A burguesia queria investir no processo de industrialização pesada, mas os movimentos populares discordavam desse objetivo e questionaram as atitudes da burguesia, promovendo uma crise em seu seio e enfraquecendo a sua hegemonia. Diante disso, para a burguesia, restavam apenas duas alternativas: buscar a

40 O destaque é para os universitários, na luta pela ampliação do ensino superior público.

41 Nesse período, viviam-se grandes tensões no campo, devido à ausência de uma reforma agrária consistente e

sua hegemonia, no voto, através da democracia, o que dependia de um consenso sobre a viabilidade do seu projeto, supostamente superior ao das camadas populares; ou buscar um novo pacto monopolista internacional para industrializar o país, usando o poder de força do Estado, para embargar as camadas populares e criar um Estado que preservasse a exclusão e a heteronomia, garantindo, assim, o processo de acumulação da burguesia. A segunda alternativa foi a escolhida, através do seu apoio ao golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura e implantou um novo momento de modernização conservadora42, no país, cujos

reflexos impactaram as políticas sociais e aprofundaram os problemas sociais, devido à grande concentração de riquezas (NETTO, 2002).

Mas não podemos esquecer do contexto internacional, que vivia uma contra- revolução preventiva do capital, a qual repercutia, principalmente, nos países considerados Terceiro Mundo. Segundo Netto (2002), essa contra-revolução era tríplice, pois buscava: adequar os padrões de desenvolvimentos nacionais e de grupos de países ao novo quadro do inter-relacionamento econômico capitalista, marcado por uma rotina acelerada e aprofundada de internacionalização do capital; imobilizar e golpear os protagonistas sociopolíticos habilitados a resistir à reinserção subalterna, no sistema capitalista; e, enfim, dinamizar, em toda parte do mundo, as tendências que podiam ser catalisadas contra a revolução e o socialismo.

Com isso, em meados da década de 1960, onde a contra-revolução preventiva triunfou, foi implantado um padrão de desenvolvimento econômico associado subalternamente aos interesses imperialistas, com grande dependência do sistema

42 “As linhas-mestras deste “modelo” concretizam a “modernização conservadora” conduzida no interesse

do monopólio: benesse ao capital estrangeiro e aos grandes grupos nativos, concentração e centralização em