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Programa de Assistência Dermatológica aos Lavradores Pomeranos do Espírito Santo

O CÂNCER ECOLÓGICO

4.3 Programa de Assistência Dermatológica aos Lavradores Pomeranos do Espírito Santo

No final da década de 1960, devido à iminência de implantação da empresa Aracruz Celulose, no estado do Espírito Santo, levantou-se a discussão sobre o desmatamento, no estado. Uma campanha muito séria contra o desmatamento e em prol da plantação de uma floresta homogênea, liderada pelo ecologista Augusto Rusch, destacava as conseqüências ecológicas desse problema. Foi nesse momento que o ecologista observou casos de câncer de pele entre os pomeranos e os encaminhou ao professor de dermatologia, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Dr. Douglas Puppin, que já observava e documentava tais casos, na época.

No decorrer dos anos, o jornalista Rogério de Medeiros, do Jornal do Brasil, publicava algumas matérias, envolvendo a temática do câncer de pele entre os pomeranos. Em 1978, foi publicado, nesse mesmo jornal, um artigo intitulado “Câncer Ecológico” que, mais tarde, nos anos de 1991 e 1992, foi reeditado, em outros periódicos nacionais e até internacionais. Esse artigo foi considerado um “boom”, pois tratava de uma relação de causa e efeito entre o desmatamento e a ocorrência do câncer de pele, entre os pomeranos do interior do estado do Espírito Santo. Mas vale ressaltar que o desmatamento não seria a única causa desse tipo de câncer e que ele era feito, apenas, em favor da agricultura (SANTOS NEVES, 2003).

Todavia, somente a partir de 1986, o Dr. Carlos Cley Coelho começou a observar a presença de pacientes pomeranos, em grandes quantidades, no Ambulatório de Dermatologia, do Hospital Universitário Antônio Cassiano de Moraes (HUCAM). Eles eram trazidos por um agente de saúde chamado Arlindo Lagass, da Associação Albergue Martim Lutero, localizada em um bairro da cidade de Vitória, que foi fundado por iniciativa

da liderança da Igreja Luterana, que, há tempos, já havia percebido as dificuldades dos pomeranos em buscar assistência médica, sozinhos, na cidade de Vitória. Diante disso, resolveu auxiliá-los, colocando à sua disposição um “guia” que falasse alemão, português e o dialeto pomerano. Os pomeranos quase não falavam o português e não conheciam a cidade, o que justificava a necessidade do guia, e, por isso, era recomendado que ficassem de mãos dadas, para que não se perdessem.

Cabe relatar que, antes da iniciativa da Igreja Luterana, os pomeranos eram lesados por um comércio de transporte e assistência médica. Segundo ROJAS (2002), como eles não tinham onde ficar e nem como ir à cidade de Vitória, para se consultar, pagavam pessoas, que viviam em suas comunidades ou nos arredores, para que os levassem até a capital. No entanto, essas pessoas, para conseguirem mais dinheiro dos imigrantes, ao invés de levá-los aos hospitais públicos, os encaminhavam às hospedagens e a médicos particulares, já que esses transportadores ganhavam comissões, com esse mercado de hospedagem e atendimento médico.

Figura 5. Associação Albergue Martim Lutero.

Os pomeranos, quando chegavam ao ambulatório, já apresentavam um grau avançado de câncer de pele e, por isso, eram encaminhados ao Hospital do Câncer Santa Rita de Cássia, onde o agendamento das consultas, quando o conseguiam, era feito para meses depois, o que os levava ao desespero, por não verem alternativas além da de conviver com a doença.

Daí, surgiu a iniciativa do Dr. Carlos Cley de propor, à Pró-Reitoria de Extensão, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), um projeto de educação preventiva do câncer de pele, com os pomeranos capixabas, nas comunidades do interior. O projeto teve início, com dez alunos da universidade, que faziam viagens para vinte municípios do interior, dentre eles os de Santa Maria de Jetibá, Laranja da Terra, Afonso Cláudio, Itaguaçu, Itarana, Baixo Guandu e Vila Valério. Contavam com apoio das paróquias da Igreja Luterana, as quais forneciam o acolhimento da equipe, providenciavam local para atendimento – geralmente, nas dependências da Igreja – e auxiliavam na tradução do dialeto e na esquematização da programação e na organização das viagens e do atendimento aos pacientes.

O projeto teve início, no ano de 1987. Desde então, a cada dia, uma conquista se fazia presente, e o projeto evoluía, em grandes proporções. Aos poucos, adquiriu mais recursos, recebeu apoio de voluntários e de mais profissionais. Em 1989, o Dr. Carlos Cley Coelho apresenta, à Secretaria Estadual de Estado de Saúde do Espírito Santo (SESA), uma proposta de trabalho interinstitucional para o controle do câncer cutâneo, nas comunidades rurais colonizadas por descendentes de imigrantes pomeranos. Tratava-se de um projeto de extensão universitária, com o objetivo geral de subsidiar a Divisão Estadual de Dermatologia Sanitária na implantação de uma rede de controle do câncer cutâneo, naquelas comunidades.

A SESA aceita essa proposta de trabalho e estabelece a primeira parceria com a UFES e a Igreja Luterana, disponibilizando carro para locomoção aos locais de atendimento, no interior, medicamentos e recursos humanos – que incluíam um médico cirurgião plástico e, posteriormente, uma dermatologista (ROCHA, 2002).

Assim prosseguiu, até o ano de 1998, quando a SESA, por meio do Instituto Estadual de Saúde Pública, a Associação Albergue Martim Lutero, a Universidade Federal do Espírito Santo, esta última através do Hospital Universitário Cassiano Antonio de Moraes, do Centro Biomédico e da Pró-Reitoria de Extensão, e as secretarias municipais de Saúde dos onze municípios prioritários assinam novo convênio, objetivando a realização do programa de extensão intitulado ASSISTÊNCIA DERMATOLÓGICA AOS LAVRADORES POMERANOS NO INTERIOR DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, que tem como meta principal atender à população pomerana de onze municípios do Estado do Espírito Santo, no intuito de prevenir a incidência de câncer de pele, comum nessa população (ANEXO 2).

Foram assinados onze convênios, com os onze municípios considerados prioritários para a prevenção e controle do câncer de pele. Cada município possui área específica para ação do programa. As localidades cobertas por ele são: distrito de Palmeira de Santa Joana (localizado no município de Itaguaçu); sede do município de Itarana; distrito de Lagoa Serra Pelada (localizado no município de Afonso Cláudio); sede do município de Vila Valério; distrito de Crisciúma (localizado no município de Laranja da Terra); distrito de Garrafão e na sede do município de Santa Maria de Jetibá; sede do município de Baixo Guandu; sede do município de Vila Pavão; distrito de Laginha de Pancas (localizado no município de Pancas); distrito de Paraju e na sede do município de Domingos Martins; sede do município de São Roque do Canaã.

No mês de junho, do ano de 2003, a Secretaria Estadual de Saúde renovou, por mais cinco anos, o convênio para efetivação do “Programa de Assistência Dermatológica aos Lavradores Pomeranos no Interior do Estado do Espírito Santo”, precisamente, nos mesmos 11 municípios, e mantendo-se as mesmas parcerias do convênio inicial.

O programa funciona da seguinte forma: é realizada uma visita anual, por localidade, em finais de semana, cumprindo uma carga horária de oito horas, no sábado, e quatro horas, no domingo. Há um cronograma anual para viabilizar a divulgação da presença da equipe do programa à população, feita pelas paróquias luteranas locais e secretarias municipais de Saúde, e contando, às vezes, com deslocamento de pessoas dos distritos vizinhos, em ônibus fretado por essas instituições.

Figura 6. Sala de atendimento, com os acadêmicos de medicina.

ROCHA (2002) descreve como é a atuação do Programa, nos dias de atendimento, no interior do Estado. O atendimento se inicia, aos sábados, às 8h30, com uma média de vinte estudantes de medicina, da UFES, distribuídos em mesas individuais, na sala destinada à consulta clínica. É o primeiro contato com a queixa do paciente. Após escreverem o histórico do paciente, no prontuário da unidade de saúde ou do arquivo local do programa, examinam toda a extensão do tegumento cutâneo, sendo sempre valorizados os locais de maior exposição solar. Como o programa é de extensão universitária, todos os pacientes examinados pelos estudantes são encaminhados a um dos três dermatologistas, que irá falar do quadro dermatológico do paciente, ensinando sinais e sintomas de qualquer lesão ali surgida, firmando, assim, o diagnóstico clínico e a conduta terapêutica a ser seguida. É o momento de aprendizagem e da elucidação diagnóstica.

Todo o diagnóstico de câncer de pele é encaminhado para a sala de cirurgia, anexa à sala do atendimento clínico e onde atua outra equipe, composta, em média, por 10 estudantes de medicina que já passaram pela cadeira de cirurgia, da UFES. Após avaliação cirúrgica, realizada por um dos dois cirurgiões da equipe do programa, ocorre a exérese67 da lesão com a hipótese clínica de câncer de pele. É o momento da cura, no qual se destaca a resolutividade desse programa de rastreamento: diagnóstico feito e cirurgia realizada. Exceções ocorrem, pois alguns pacientes podem possuir lesões que mereçam encaminhamento para centros mais especializados, devido ao seu tamanho ou mesmo à possível gravidade clínica e decorrente necessidade de radioterapia. Toda lesão retirada cirurgicamente é encaminhada para exame histopatológico, no HUCAM, para a confirmação do caso de câncer de pele.

67 Exérese é uma manobra cirúrgica utilizada para retirar uma parte ou a totalidade de um órgão ou tecido

visando a finalidade terapêutica. Engloba vários procedimentos cirúrgicos, por exemplo: remoção de lesões patológicas, osteotomias, curetagens, exodontias etc.

Figura 7. Sala improvisada para cirurgia (1), na sede de Santa Maria de Jetibá.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador (fotografia).

Figura 8. Sala improvisada para cirurgia (2), na sede de Santa Maria de Jetibá.

Fonte: Acervo pessoal do pesquisador (fotografia).

Essa parceria entre universidade federal, estado, município e igreja mantém um hospital-acampamento improvisado, em escolas, postos de saúde, igrejas ou salões paroquiais, onde são realizadas consultas e procedimentos cirúrgicos, em uma média de 500 pessoas, por local, chegando à média anual de cinco mil consultas, novecentas pequenas

cirurgias e oitocentas e cinqüenta eletrocauterizações (ROJAS, 2002). Os resultados desse programa são bastante positivos, conforme depoimento de vários observadores e médicos. Identifica-se uma diminuição na gravidade dos casos, bem como uma procura maior por orientações e tratamento, até mesmo de pequenas dermatoses que aparecem no corpo (SANTOS NEVES, 2003).

Nessa parceria, as responsabilidades estavam divididas entre as três esferas da seguinte forma:

─ à UFES, através da Pró-Reitoria de Extensão, cabe: executar o cronograma anual de atividades; assumir a orientação técnico-científica dos acadêmicos e médicos residentes participantes; promover reuniões de acompanhamento e avaliação das atividades; fornecer diárias aos professores e demais componentes da equipe da UFES, quando do deslocamento para o interior e(ou) a participação em eventos científicos, para a divulgação do trabalho. Por meio do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (HUCAM), fornecer o material gráfico e cirúrgico de consumo necessário; realizar exames histopatológicos das biópsias; transferir, à Associação Albergue Martin Lutero, 60% do valor das consultas e demais procedimentos (conforme tabela do SUS, a ser colocado à disposição dos profissionais de saúde interessados e necessários ao programa); destinar áreas para a realização de atendimento ambulatorial de apoio às atividades extra-muros; apoiar, através do Centro de Estudos, o preparo de trabalhos científicos e publicações. Através do Centro Biomédico, cabe incluir a participação no programa, como atividade optativa na residência de Clínica Médica e Cirúrgica.

─ à Secretaria de Estadual de Saúde, por meio do IESP, cabe disponibilizar profissionais de seus quadros, interessados e necessários ao programa; fornecer dois ou mais veículos para transporte dos profissionais, seus e(ou) do HUCAM, e mais dois veículos para

transporte dos acadêmicos, por ocasião das viagens ao interior; fornecer medicamentos específicos, para distribuição aos pacientes atendidos; registrar, analisar e disponibilizar dados epidemiológicos coletados, durante o desenvolvimento do programa.

─ a Associação Albergue Martin Lutero é responsável por manter e fazer adaptações das instalações utilizadas, nos postos de atendimento; guardar e zelar pelos arquivos, móveis e outros utensílios; garantir hospedagem e alimentação para os acadêmicos, durante as viagens; reunir voluntários e colocá-los à disposição do programa, durante as suas atividades ao interior.

─ As prefeituras devem cooperar com as diretorias das respectivas paróquias, no alojamento e alimentação dos acadêmicos; fornecer o material cirúrgico complementar, permanente ou descartável, necessário; fornecer combustível para os veículos, utilizados no transporte da equipe em seu retorno a Vitória; disponibilizar profissionais da área de saúde, especialmente médicos, de seus quadros, durante o atendimento; divulgar as atividades do programa junto à população dos municípios envolvidos; prover transporte dos enfermos até o local de atendimento; colocar uma ambulância à disposição do programa, para transporte de pacientes idosos e (ou) submetidos a cirurgias de maior porte; fornecer medicamentos para distribuição entre os pacientes atendidos.

As parcerias representam a união das forças do estado com a sociedade civil, em prol da saúde de uma coletividade. Não somente este é o ponto positivo do programa. Nele, encontramos uma base para o desenvolvimento integrado de atividades de ensino, pesquisa e extensão, fundamentadas na universidade, o que pode propiciar a análise dos dados coletados e dos casos identificados e estudados, nos atendimentos, além de formar profissionais especializados na detecção e tratamento do câncer de pele. Outro fator bastante interessante é a ação da Igreja Luterana, pois esta assume grande responsabilidade, ao

absorver o papel do Estado, e é a grande responsável pelo elo entre o programa e a comunidade.

Contudo, esse programa é uma estratégia pontual, de iniciativa de uma instituição religiosa, que, aos poucos, ganhou aliados, na sua trajetória em busca da promoção da saúde de uma população distante e isolada dos serviços de saúde. Por isso, não atende a toda a demanda de saúde da população pomerana , e nem mesmo seria o seu objetivo. Todavia, uma indagação permeia o programa: esse modelo é o ideal para ser adotado como política pública de atenção oncológica? Há que se considerar que o referido programa não remete a um desdobramento, dentro dos municípios em que se realiza, pois muitos deles não possuem profissionais especializados para dar continuidade aos objetivos traçados pelo programa.

O desenho da rede de atenção oncológica prevê fluxos bem definidos e garantia de encaminhamento, desde o nível de atenção primária até os Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON). Porém, o único hospital de referência estadual em oncologia é o Hospital Santa Rita de Cássia, que se situa na cidade de Vitória, a centenas de quilômetros de distância desses municípios.

Assim, as questões relacionadas ao acesso aos serviços permanecem. E os demais tipos de câncer, como são tratados, nesses municípios? Como é feito o rastreamento de câncer, nessas localidades? Embora as estimativas sejam baixas, no estado, é preciso propor e executar políticas públicas eficazes, compreendendo prevenção, combate, detecção e tratamento do câncer, que sigam a integralidade das ações, sem limitá-las a “pacotes” ou “projetos” individuais, como temos visto nas propostas de políticas sociais desse país.

CAPÍTULO 5

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CAPÍTULO 5