• Nenhum resultado encontrado

Como demonstrado, as políticas de “revitalização urbana” retratam um fenômeno contemporâneo que diversas cidades experimentam, ainda que de forma variada. Dentre as experiências de intervenção recentes, as “revitalizações” de áreas e regiões portuárias assumem certa centralidade, na medida em que se referem a espaços que, por força de transformações generalizadas no sistema global de trocas marítimas, passaram por processos similares de reestruturação.

A retórica que confere às diferentes espacialidades o caráter da degradação e do esvaziamento parece, assim, encontrar lugar privilegiado em alguns dos espaços portuários localizados em centros urbanos. Tais espaços deixaram de exercer suas funções portuárias em razão de sua própria obsolescência frente a uma série de novas necessidades infraestruturais, decorrentes do desenvolvimento das novas tecnologias de transporte marítimo, a partir de meados do século XX.

As políticas de “revitalização” de áreas portuárias emergem, portanto, no cerne de tais processos como uma das manifestações específicas deste fenômeno mais amplo, comportando

algumas particularidades que merecem atenção. A partir do momento em que tais espaços deixam de exercer suas funções, ancorados em um discurso que afirma lhes conferir nova vitalidade, ao mesmo tempo em que fornecem alinhamento para interesses diversos, os projetos e as políticas de waterfront regeneration emergem e parecem adquirir relativo sucesso por todo o globo.

Estima-se recentemente que, dentre as quinhentas cidades portuárias do mundo com mais de trezentos mil habitantes, pelo menos trinta já realizaram ou estão realizando processos de reconversão de suas frentes d’água (ANDREATTA, 2010a, p. 13). Tais experiências apresentam padrões similares no tocante à transformação física dos espaços, que passam a abrigar complexos com uma variedade de atrativos, como shoppings centers, museus, lojas, centros de eventos, bares e restaurantes, casas de festas e shows, e até mesmo equipamentos mais espetaculares, tais como aquários, elevadores panorâmicos, cassinos, entre outros. Além disso, empreendimentos habitacionais e empresariais também ocupam espaço em alguns desses projetos.

Os legados e objetivos associados à produção de tais transformações são, em sua maioria, voltados à reconfiguração de um papel estratégico dos espaços selecionados, que devem adaptar-se às demandas do mercado imobiliário, assim como às novas demandas urbanas de lazer, entretenimento e turismo, atraindo investimentos para a cidade e criando nelas novas vantagens comparativas (SHLUGER, 2014). Para tanto, são mobilizados múltiplos instrumentais e envolvidos diversos conjuntos de atores e capitais:

Projetos de waterfront regeneration são exemplos do tipo de projetos de prestígio em larga escala que têm sido uma característica da regeneração urbana nas cidades norte-americanas e européias nas últimas décadas. Tais projetos muitas vezes agiram como um foco para o desenvolvimento de parcerias público-privadas como parte de uma estratégia mais ampla orientada para o crescimento, acordada pelas elites locais para a re-imagem de suas cidades em um sistema urbano cada vez mais competitivo. Por isso, esses projetos muitas vezes foram vistos como símbolos da transição bem- sucedida para uma nova forma de governança. Em alguns casos, eles foram bem- sucedidos como foco para mobilizações comunitárias mais amplas e para re-imagens urbanas; em outros casos, eles se mostraram controversos e divisivos. Por todas essas razões, tais projetos de regeneração em larga escala não são apenas intrinsecamente interessantes, mas os conflitos que os cercam também servem para iluminar muitos aspectos dos sistemas locais de governança, tais como estruturas locais de poder, agendas políticas e formas de tomada de decisões. (BASSETT; GRIFFITHS; SMITH, 2002, p. 1757-1758, tradução da autora)

Os processos de transformação de frentes d’água tiveram início no contexto norte- americano da década de 60 e, a partir de então, foram constituindo-se como um fenômeno mundial. Para alguns analistas (cf., entre outros, SCHUBERT, 2011), tais transformações

expressam muito mais processos econômicos e sociais de uma escala global do que, por exemplo, o resultado de um desenho ou planejamento local:

Os locais abandonados de orla oferecem oportunidades para novos usos sustentáveis que não mais exigem locais próximos à água. As novas orlas, em particular, espelham os processos de globalização e tornaram-se locais de trabalho, moradia e recreação, favorecidos pela “classe criativa” nas sociedades baseadas no conhecimento. (SCHUBERT, 2011, p. 75-76, tradução da autora)

As políticas de “revitalizações” de antigas áreas portuárias são vistas, nesse sentido, como parte de transformações a nível mundial que as cidades vêm experimentando, representando um dos fenômenos urbanos mais disseminado contemporaneamente (GIOVINAZZI; MORETTI, 2010). Pelo menos desde a década de 80, esses projetos são difundidos como ferramentas efetivas para a política urbana em uma dimensão internacional (TIMUR, 2013).8

Com uma alta visibilidade e com uma localização de perfil distinto, os projetos para as frentes d’água aparecem, desde então, como manifestações de um conjunto de forças urbanas:

Simplesmente, as apostas econômicas e políticas (e, portanto, as apostas de design) são mais altas na orla urbana. De fato, por meio de mudanças na tecnologia e na economia, e da mudança das ocupações industriais, a orla tornou-se uma enorme oportunidade para criar ambientes que reflitam ideias contemporâneas da cidade, da sociedade e da cultura. (MARSHALL, 2001, p. 7, tradução da autora)

Os exemplos do Fisherman’s Wharf, em São Francisco (Figura 1), o Waterfront de Seattle (Figura 2), e a construção da Opera House, em Sidney (Figura 3), são considerados os pioneiros projetos de intervenção em frentes d’água a nível mundial, todos iniciados ao final da década de 50. No entanto, foi apenas com os casos de Baltimore e Boston que tais políticas adquiriram maior relevo e impacto.

8 Para além dos projetos físicos, uma ampla gama de grupos e redes internacionais voltadas ao estudo, troca de

experiências e difusão de práticas de waterfront regeneration, combinando contribuições acadêmicas, técnicas, políticas e mercadológicas, constituíram-se a partir de então, especialmente no contexto norte-americano e europeu.

Figura 1 – São Francisco e o Fisherman’s Wharf

Fonte: < http://www.visitfishermanswharf.com/>. Acesso em: 27 mar. 2019

Figura 2 – Waterfront de Seattle

Figura 3 – Sidney e a Opera House

Fonte: < https://en.wikipedia.org/wiki/Sydney_Opera_House>. Acesso em 27 mar. 2009

No caso de Boston (Figuras 4 e 5), a primeira transformação de sua frente de água está intimamente associada ao projeto de renovação da região central da cidade, que teve início nas décadas de 1950 e 1960. Parte de suas históricas edificações foram transformadas em centros gastronômicos, comerciais e empresariais, abrigando bares, restaurantes, lojas e escritórios, e consolidando os chamados festival malls (DEL RIO, 2001). O assim denominado “Market Place” passou a atrair milhões de visitantes turistas e catalisou um processo crescente de aumento do preço do solo na região (DEL RIO, 2001). A partir de então uma série de outras intervenções foram realizadas no espaço, abarcando novos complexos de uso misto, centros de convenções, hotéis, entre outros (DEL RIO, 2001).

Figura 4 - Boston e o Market place

Fonte: <https://www.boston.com/section/events>. Acesso em: 28 mar. 2019

Figura 5 - Waterfront de Boston

Fonte: <https://www.bostonglobe.com/magazine/2012/05/11/boston-waterfront-has- arrived/WoPbPzHYEOv66Bna9XaryL/story.html>. Acesso em 28 mar. 2019

Em Baltimore, a área portuária central da cidade, o Inner Harbor, foi alvo de um plano, finalizado na década de 60, que previa a implantação, em um espaço de cem hectares, de um conjunto de edifícios comerciais e residenciais, além de algumas áreas para uso público

junto às águas. Criou-se, à época, uma empresa privada para a implementação do plano e para a gestão da área – a Charles Center Inner Harbor Development Corporation (DEL RIO, 2010). Ao longo dos anos, o projeto para o Inner Harbor foi sendo incrementado e hoje abriga um complexo de empreendimentos comerciais, turísticos, recreacionais e residenciais. Foram construídos edifícios comerciais, residenciais e hotéis. Além disso, o espaço contou com a produção de um centro comercial do tipo festival marketplace, o Harborplace, que foi seguido por outros empreendimentos do tipo. Complexos de entretenimento, garagens, centro de convenções, museus, centros de espetáculos, e um aquário também fizeram parte do conjunto de intervenções realizadas (DEL RIO, 2010). As transformações do Inner Harbor (Figura 6) movimentaram consideráveis quantias por parte da administração pública federal, municipal e do setor privado9, e os imóveis na região valorizaram-se em pelo menos 600% (DEL RIO, 2010).

Figura 6 - Baltimore e o Inner Harbor

Fonte: < http://baltimorecollegetown.org/explore-baltimore/life-in- baltimore/neighborhoods/neighborhoods/inner-harbor>. Acesso em: 28 mar. 2019

Os casos de Boston e Baltimore passaram a ocupar o rol das “intevervenções de sucesso”, entre as décadas de 60, 70 e 80, sendo considerados paradigmáticos e exemplares de soluções urbanas para cidades portuárias que passavam por processos similares de reconfiguração. Na Europa, o caso das Docklands de Londres (Figura 7) partiu destas

inspirações para transformar sua área portuária em um distrito residencial e empresarial. O

London Docklands fora o primeiro projeto em larga-escala desse tipo na Europa, percorrendo

um espaço de 22 quilômetros quadrados (SCHUBERT, 2011), na década de 1980. O projeto fazia parte de um conjunto de transformações políticas implementadas por Margaret Thatcher, sendo o primeiro a abrigar sua política de zonas de livre empresa: “nenhum imposto seria exigido por dez anos, lá onde nem regulamentações trabalhistas nem restrições de planejamento, mas, sim, negócios livres reinariam para empreendedores livres” (SCHUBERT, 2011, p. 78, tradução da autora). A administração pública local fora substituída pela London

Docklands Development Corporation, que passou a gerir o espaço. Foram construídas

inúmeras edificações voltadas ao uso corporativo e residencial de luxo, além do imponente centro financeiro Canary Wharf, o mais alto complexo de prédios e o mais grandioso local de construção da Europa à época (SCHUBERT, 2011).

Figura 7 - Docklands e Canary Wharf em Londres

Fonte: < http://www.thestageshoreditch.com/apartments/media-centre/articles/canary-wharf-docklands-property- development>. Acesso em: 28 mar. 2019

A partir do caso de Londres, uma série de outros projetos de intervenção em frentes d’água despontou no continente europeu. Em Barcelona, a transformação do Port Vell (Figura 8) fez parte de um impactante movimento de reconfiguração da cidade, deflagrado na década de 80, e impulsionado e catalisado pelos Jogos Olímpicos de 1992 (ANDREATTA, 2010b). Bilbao, por sua vez, é outro exemplo de cidade que, durante os anos 80, começou a estruturar

planos de transformação da cidade como um todo. Partindo do Rio Nervión, inúmeras intervenções foram realizadas e projetadas, alocando diferentes usos em novas áreas vacantes e em antigas construções industriais, sendo a instalação do Guggenheim Museum (Figura 9), na estratégica região de Abandoibarra, considerada a intervenção de maior sucesso (VEGARA, 2001). Roterdã, com um plano também iniciado na década de 1980, criou uma nova centralidade urbana com a transformação do Kop Van Zuid (Figura 10), às margens do Rio Maas (RAYMUNDO, 2010). Além destes, há o caso de Gênova e o Porto Ântico (Figura 11), que conta hoje com a presença de museus, centros culturais, galerias comerciais, restaurantes, bares, cinema, um aquário, um elevador panorâmico, entre outros equipamentos recreacionais. Por fim, também vale citar o caso mais recente de Hamburgo e o Hafencity (Figura 12), ainda em andamento, que transforma o antigo espaço portuário em um complexo de uso misto, com foco em escritórios, hotelaria e moradia, comércio, recreação, cultura e educação (HAFENCITY, 2019).

Figura 8 - Barcelona e o Port Vell

Fonte: < https://en.wikipedia.org/wiki/Port_Vell#/media/File:Port_Vell,_Barcelona,_Spain_-_Jan_2007.jpg>. Acesso em: 28 mar. 2019

Figura 9 - Guggenheim Museum em Bilbau

Fonte: < https://en.wikipedia.org/wiki/Guggenheim_Museum_Bilbao#/media/File:Bilbao_- _Guggenheim_aurore.jpg>. Acesso em: 28 mar. 2019

Figura 10 - Roterdã e o Kop van Zuid

Figura 11 - Gênova e o Porto Ântico

Fonte: < http://www.visitgenoa.it/evento/>. Acesso em: 28 mar. 2019

Figura 12 - Hafencity em Hamburgo

Fonte: < https://www.hafencity.com/en/overview/hafencity-the-genesis-of-an-idea.html>. Acesso: 28 mar. 2019

Estes são, entre tantos, alguns dos casos europeus e norte-americanos que estampam publicações de origens e finalidades diversas quando o tema são as “revitalizações portuárias”. Em outros continentes, casos de destaque também vêm ganhando mais espaço no período recente. Entre estes, vale lembrar do caso de Buenos Aires e o Puerto Madero (Figura

13), o caso da Cidade do Cabo e o Victoria & Alfred Waterfront (Figura 14), o caso de Hong Kong e o West Kowloon Reclamation (Figura 15), entre outros.

Figura 13 - Buenos Aires e Puerto Madero

Fonte: < https://www.wheretraveler.com/buenos-aires/puerto-madero>. Acesso em: 28 mar. 2019

Figura 14 - Victoria & Alfred Waterfront na Cidade do Cabo

Fonte: < https://holidayplace.co.uk/blogs/posts/118902/exploring-cape-towns-victoria-and-alfred-waterfront>. Acesso em: 28 mar. 2019

Figura 15 – Hong Kong e o West Kowloon Reclamation

Fonte: < https://www.shutterstock.com/pt/video/clip-7690708-time-lapse-west-kowloon-waterfront-promenade- illuminated>. Acesso em: 28 mar. 2019

No Brasil, o relativo sucesso das experiências internacionais de intervenção em frentes d’água também foi assimilado, especialmente a partir de fins do século XX e início dos anos 2000, gerando discussões a este respeito em diversas cidades portuárias que compõem o seu território. A primeira experiência nacional de reconfiguração de um espaço portuário talvez tenha sido em Belém do Pará (PA), com a criação e implementação do Complexo Turístico e Cultural Estação das Docas (Figura 16) no ano de 2000. O complexo abrange equipamentos voltados à gastronomia, cultura, moda e eventos a partir da restauração dos antigos armazéns pertencentes ao porto, em um perímetro de 32 mil metros quadrados e 500 metros de orla fluvial (ESTAÇÃO DAS DOCAS, 2019). Além deste caso, existem as transformações executadas e projetadas nas cidades de Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS), que serão abordadas em maior detalhe neste trabalho.

Figura 16 - Belém do Pará e a Estação das Docas

Fonte: < https://turismoparaense.blogspot.com/>. Acesso em: 27 mar. 2019

A ampla disseminação deste modelo de política urbana fez com que as medidas de

waterfront regeneration tornassem-se um fenômeno mundial, desempenhando um papel

específico dentro dos processos de mudanças das cidades, alimentados pelo desenvolvimento econômico global, por mudanças tecnológicas e por diferentes aspirações locais (BROWNILL, 2013). Pesquisadores como Shaw (2001) e Schubert (2011) identificaram neste fenômeno um desenvolvimento histórico marcado por gerações que abrigariam características diversas. Partindo dos casos norte-americanos de Baltimore, Boston e São Francisco, a primeira geração seria marcada pela emergência de projetos, a partir de meados dos anos 1960, voltados a solucionar o problema da obsolescência de alguns espaços portuários por meio da implantação de instalações turísticas, escritórios e festival marketplaces. A segunda geração abrangeria os projetos da década de 1980, já espalhados mundialmente, porém com maior incidência na Europa. Nesta geração, as propostas seriam marcadas pelo protagonismo de parcerias-público privadas, por projetos de maior escala misturando uso empresarial e recreacional, e por um fraco planejamento e regulação urbana. Os casos de Londres, Barcelona e Roterdã seriam exemplares desse período. Já no início dos anos 1990 emergiria uma terceira geração, adotando uma abordagem diferente das demais, sem, contudo, abdicar das práticas empregadas anteriormente. Processos participativos no planejamento, realização de competições públicas de desenho e elaboração de master plans seriam algumas das características dessa fase. Schubert (2011) cita como exemplares os casos de Oslo,

Gotenburgo e Bilbau. Shaw (2001), por sua vez, refere os exemplos de Cardif, Liverpool, Salford, Berlin, Sidney, Perth, Vancouver, e Shanghai. Ambos ainda identificam a emergência de uma nova geração no século XXI:

No início do novo milênio, uma quarta geração de projetos surgiu. As parcerias público-privadas e a gestão profissional do planejamento dominaram a competição global entre os projetos de revitalização de waterfronts. Esses projetos foram explorados para novas estratégias de city-marketing que foram fundadas em seu patrimônio de porto único. Durante esta fase, habitações de luxo e empreendimentos de uso misto se tornaram mais difundidos. (SCHUBERT, 2011, p. 77, tradução da autora).

O modelo de desenvolvimento histórico proposto pelos pesquisadores mostra-se de especial importância, menos pela sua tentativa de identificar semelhanças entre projetos de

waterfront regeneration a partir de uma linha do tempo, e mais por demonstrar um processo

de ampla difusão de tais políticas pelo mundo, atingindo hoje territórios que ultrapassam o norte global. Nesse sentido, a promoção de modelos e conhecimentos por atores e processos diversos cumpriu, e ainda vem cumprindo, um papel importante na reprodução generalizada de tais políticas. Desde as primeiras experiências norte-americanas, uma gama de manuais, encontros, grupos e redes foram produzidos e estabeleceram-se com a finalidade de circular internacionalmente estas ideias. O modelo de Baltimore, por exemplo, passou a ser conhecido e reproduzido principalmente pela atuação da Enterprise Development Company, companhia dirigida por Martin Millspaugh e James Rouse, responsáveis pelos festival marketplaces em Boston e Baltimore. Após estes, a empresa passou a se envolver com uma série de outros esquemas de waterfront regeneration – para citar alguns, no Darling Harbor, em Sidney, no

Kop van Zuid, em Roterdã, e no Port Vell, em Barcelona. Além da companhia, arquitetos

responsáveis pela “revitalização” de Baltimore também se fizeram presentes em outros projetos pelo mundo (WARD, 2011). Mais recentemente, especialistas envolvidos na elaboração do Port Vell, em Barcelona, se dedicaram a disseminar a experiência de transformação da cidade, que se preparava para os Jogos Olímpicos de 1992, e exerceram bastante influência no território latino-americano, especialmente nos projetos de Puerto

Madero, em Buenos Aires, e do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.

A criação de mecanismos cada vez mais integrados de circulação de ideias e de modelos pode explicar, ao menos em parte, a emergência e o êxito das políticas de waterfront

regeneration por todo o mundo. Contudo, também é importante destacar que, partindo da

perspectiva de que podem existir múltiplos modelos ou vertentes em movimento ao redor de campos específicos de políticas, pesquisas mais recentes vêm chamando atenção para as diversas combinações de elementos em tensão na implementação das políticas de

transformação do espaço (BROWNILL, 2013). Brownill (2013) exemplifica com o caso do

Kop van Zuid, em Roterdã, que teria combinado abordagens como a da criação de

empreendimentos modelo festival shoppings com estratégias voltadas a garantir retornos sociais para a localidade. Entusiastas e analistas deste campo de política estariam, portanto, interessados contemporaneamente não apenas nos modelos desempenhados em cada caso, mas também em extrair de cada um destes elementos que representam boas e más práticas a serem reproduzidas.

Princípios como assegurar a qualidade da água e do ambiente, garantir a integração entre a frente d’água e o tecido urbano, não abdicar de identidades históricas inscritas no espaço, priorizar os usos mistos, e garantir acesso público são destacados como elementos importantes para o desenvolvimento sustentável de tais políticas (GIOVINAZZI; MORETTI, 2010). Por outro lado, a ocorrência de processos de gentrificação, a demasiada flexibilização regulatória dos espaços, a tendência à promoção de imagens espetaculares repetitivas, e o insulamento dos espaços em relação ao restante da cidade e a certas camadas da população representam algumas das várias críticas possíveis aos resultados dos modelos existentes (MARSHALL, 2001).

Embora não haja uma uniformidade geral entre todas essas experiências e se tratem de políticas que, na verdade, comportam modelagens jurídicas próprias, realizadas em diferentes contextos locais, e que abrangem escalas distintas, é possível identificar elementos compartilhados que dão a estas uma identidade comum. Utiliza-se aqui, portanto, o conceito de “políticas de waterfront regeneration”10 para denominar o conjunto de experiências, realizadas e em realização, que compartilham o escopo de produção de novas centralidades nas respectivas cidades, a partir da demarcação de novas funções para espaços de frentes d’água que não mais cumprem suas finalidades econômicas de outros tempos. Com a previsão de usos e empreendimentos de alto padrão voltados ao mercado turístico, empresarial, residencial e do lazer, tais projeções parecem ser, assim, representativas de um mesmo modelo de produção espacial da contemporaneidade.

10 Ainda que existam nomenclaturas alternativas, tais como “waterfront revitalization”, “waterfront rehabilitation”, “waterfront redevelopment”, entre outros, o conceito de “waterfront regeneration” parece ser a