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À semelhança daquilo que ocorrera com inúmeras cidades portuárias brasileiras, pelo menos desde a década de 60 o Porto do Rio passara a dar sinais de obsolescência e esvaziamento funcional frente às mudanças tecnológicas ocorridas no sistema global de trocas marítimas (BRASIL, 2008). A região portuária do Rio de Janeiro, composta pelos bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte do Caju, ocupa a 1ª Região Administrativa do Rio de Janeiro, contígua ao centro da cidade, e é marcada por uma história de grande significância local e nacional (Figura 18). A zona portuária fora a região onde ocorreram as primeiras ocupações da cidade a partir da chegada dos europeus à Baía de Guanabara no século XVI, e, séculos mais tarde, converteu-se em “um dos maiores portos negreiros de todas as Américas, por onde desembarcaram centenas de milhares de escravos africanos” (MARTINS, 2017, p. 102), motivo pelo qual é considerado hoje um espaço fortemente marcado pela memória, resistência e cultura negra (Figura 19).

Figura 18 - Mapa da região portuária do Rio de Janeiro e seus bairros

Fonte: adaptado de GIANNELLA, 2015, p. 170

Figura 19 – Fotografias na Pedra do Sal, uma das referências da herança negra na região portuária do Rio de Janeiro

No início do século XX, a “Reforma Passos”35 foi responsável por promover no Rio de Janeiro, a partir dos ideários do saneamento, urbanismo e embelezamento, o popularmente chamado “bota-abaixo”, através do alargamento, construção e abertura de ruas e avenidas, e demolição de casarões e cortiços habitados pela população pobre. Na narrativa de Lamarão:

A ação do Estado reveste-se de alguns importantes aspectos. Num momento inicial, preparatório, ele faz tábula rasa da legalidade preexistente, introduzindo importantes modificações na legislação com o intuito de viabilizar o projeto, erguendo um novo aparelho legal que ratifique sua intervenção. O Estado faz tábula rasa do promíscuo espaço preexistente, limpando o terreno de trapiches, cortiços, e construindo em seu lugar um novo – e racional – espaço porto-cidade. Praticamente ao mesmo tempo, o Estado faz tábula rasa da demografia, limpando o terreno de gente perigosa (a repressão à Revolta da Vacina foi uma verdadeira operação de guerra), criando assim condições para a higiene física e moral da cidade moderna e civilizada que surgia dos escombros do espaço preexistente. (LAMARÃO, 2006, p. 164)

A região portuária do Rio de Janeiro ganhou sua configuração morfológica-espacial contemporânea como resultado desse processo (Figuras 20 e 21). O porto, inaugurado oficialmente em 1910, é consequência de “sete anos de obras que retilinizaram a costa aterrando uma área de 175.000m²” (GIANNELLA, 2015, p. 215). A partir de então, as atividades portuárias expandiram-se significativamente até meados do século XX, quando, em consonância com o que ocorrera em outras cidades portuárias do Brasil e do globo, começa a entrar gradualmente em declínio.

35 Referência ao conjunto de reformas levadas a cabo pelo então prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira

Figura 20 – Aterros na zona portuária do Rio de Janeiro no início do século XX

Fonte: MARTINS, 2017, p. 104

Figura 21 – Imagem do Porto do Rio de Janeiro em 1910

Fonte: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2010/07/modernizacao-e-ampliacao-do-porto-do-rio-tera- cerca-de-r-16-bilhao.html>. Acesso em: 16 abr. 2019

A ideia de uma “revitalização” da região portuária do Rio de Janeiro, por sua vez, é algo que se faz presente no imaginário local pelo menos desde a década de 1980. Nesse

período, oficializavam-se ações públicas de intervenção na região central da cidade36, incluindo a região portuária e os bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Foi marcante neste momento a criação do projeto SAGAS, uma proposta de iniciativa dos moradores dos três bairros, em conjunto com órgãos governamentais e entidades profissionais, voltada à proteção e valorização dos bens culturais da região (Figura 22). Produtos desse processo, a Lei Municipal n. 971/87 (RIO DE JANEIRO, 1987) demarcou uma Área de Proteção Ambiental (APA) dentro da região portuária – posteriormente transformada em Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC) –, e o Decreto n. 7351/88 (RIO DE JANEIRO, 1988) estabeleceu as respectivas normas de uso do solo. À época, a criação de uma APA era considerado um movimento bastante inovador, na medida em que, ao invés de simplesmente reconhecer um imóvel como bem cultural, ela permitia o reconhecimento de conjuntos urbanos mais amplos. Como informa um membro da equipe de técnicos do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH):

É, na realidade essa ideia do final de década de 70 no Município do Rio, início da década de 80, ela era uma visão, na época, muito de vanguarda, muito diferente. Por quê? Porque se tinha a ideia de tombamento. Até então era o tombamento feito por esferas tanto municipal, quanto estadual e federal, mas que se escolhia uma pérola, um bem muito importante, e se tombava esse bem, como é feito até hoje. E o Município continua utilizando essa ferramenta desse mesmo modelo. E o que se fazia? Se fazia uma área de entorno dessa pérola. Só que essa área de entorno, ela era feita visando à manutenção e a preservação daquela pérola. Não era tido como importante cada pontinho ali dentro. Era como se fosse uma área assim ‘aqui não se pode construir muito alto, porque se não vai tapar a visibilidade do bem em questão’, e assim ia, né. E com essa ideia das APAs, e depois APACs (só mudou o nome, mas o conceito é o mesmo), se protege a área, o importante é a área. [...] Então se estudou numa área e se determinou que essa área é importante historicamente, é importante culturalmente, então a importância não é unitária, é uma importância de conjunto. Então isso vem contrapor tudo o que se pensava em termos de patrimônio até então.37

36 Exemplo importante de tais intervenções foi o projeto do “Corredor Cultural”, oficializado pela Lei Municipal

n. 506/84 (RIO DE JANEIRO, 1984), de autoria da prefeitura, prevendo a proteção paisagística e ambiental de algumas áreas da região central da cidade do Rio de Janeiro.

Figura 22 – APA SAGAS e outras Áreas de Preservação, no Rio de Janeiro

Fonte: MATTOS, 2016, p. 216

Além dos bens tombados, a legislação criada permitia a demarcação de bens de preservação, com valor de conjunto urbano, mas com a possibilidade de modificações internas para, por exemplo, aumentar a sua densidade, isto é, a área útil dentro do imóvel histórico. Embora tal relação não possa ser afirmada assertivamente, existem pesquisas (ver, por exemplo, PARADEDA, 2015; WERNECK, 2016; BORBA, 2017) que veem na criação do projeto SAGAS uma resposta dos moradores da região a alguns movimentos organizados que projetavam transformações na zona portuária naquele momento.

O projeto de “reciclagem urbanística” proposto pela Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) também data da década de 1980 e ganhou certa repercussão na cidade à época. Em linhas gerais, a proposta projetava a implantação de um Centro Internacional de Comércio na zona portuária (WERNECK, 2016), com vistas à criação de um polo exportador de produtos na região (PARADEDA, 2015). A proximidade a equipamentos-chave, como o aeroporto, o próprio porto e o centro da cidade, assim como a disponibilidade de amplos espaços, fazia da zona portuária o espaço ideal para as projeções capitaneadas pela ACRJ (WERNECK, 2016).

A partir do ano de 1982, a ideia passou a ser disseminada e moldada, ganhando, ao longo do tempo, maiores contornos e materialidade (Figura 23). A “Semana Rio Internacional”, evento anual que reunia empresários e investidores dos mais diversos lugares, assim como representantes da administração pública e nomes nacionais conhecidos em termos

de reconfigurações urbanas38, foi estratégico para este fim (WERNECK, 2016). As discussões em torno da proposta de implementação do centro de comércio na zona portuária ganharam maior concretude quando, em 1985, criou-se uma comissão especial voltada especificamente para este fim. A celebração do ato ocorreu na sede da ACRJ e contou com a presença do Prefeito Marcello Alencar (PDT), do Secretário Estadual da Fazenda César Maia, além de diversos representantes da iniciativa privada carioca (WERNECK, 2016).

Figura 23 – Revistas da ACRJ e a campanha pelo Centro Internacional de Comércio na zona portuária

Fonte: adaptado de WERNECK, 2016, p. 32

O projeto de reciclagem, contudo, nunca fora posto em prática, e são pelo menos três os entraves de ordem político-institucional que podem ser associados a isso. Em primeiro lugar, a Companhia Docas, responsável pela administração do Porto do Rio, mostrava-se temerosa em relação à possibilidade da “privatização das instalações portuárias para maior ingerência dos empresários nas decisões de funcionamento do Porto do Rio” (WERNECK, 2016, p. 35). Os responsáveis pela reciclagem ainda previam a instalação de equipamentos na região, como torres comerciais e os próprios edifícios do Centro Internacional de Comércio, projetando a transferência da movimentação de cargas do porto para outras localidades. A Companhia Docas também se mostrava avessa a tais proposições, disputando a manutenção do Porto do Rio e de suas atividades operacionais (WERNECK, 2016). Por fim, além da

38 O arquiteto Jaime Lerner, presente em um dos eventos, é um representante exemplar dentre estes

Companhia Docas, para a implementação do projeto seria necessário o apoio e o suporte de outros atores, especialmente das administrações públicas federal, estadual e municipal, por conta da presença marcante de terrenos públicos na região, assim como de uma legislação urbanística rigidamente zoneada que precisaria ser modificada, fato este que não ocorreu na forma imaginada pelos investidores (WERNECK, 2016).

Embora tais projeções não tenham se materializado, a ideia de transformar e reconfigurar a região portuária permaneceu ativa nas agendas públicas e privadas da cidade. O tema adentrou oficialmente o executivo municipal em 1991, quando foi criado um grupo de trabalho voltado especificamente para pensar e definir os “parâmetros de uso e ocupação do solo para revitalização e desenvolvimento” da região (RIO DE JANEIRO, 1991a, art. 1º). O grupo era formado por representantes da Superintendência de Planos Locais da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, da Superintendência de Planejamento Urbano da Secretaria Municipal e Meio Ambiente, da Superintendência de Parcelamento e Edificações da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, do Departamento Geral de Patrimônio Cultural da Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, da Diretoria de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Planejamento Municipal (IPLANRIO), da Companhia de Engenharia de Tráfego da Secretaria Municipal de Transportes, da Secretaria Municipal de Governo, e da Superintendência de Recursos Externos do Gabinete do Prefeito (RIO DE JANEIRO, 1991a).

O resultado dos trabalhos capitaneados pela prefeitura foram publicados em um relatório em julho do mesmo ano, relatório este que previa a criação de uma câmara técnica que se responsabilizaria pela formulação de uma legislação específica de ocupação da área indicada como prioritária da região (WERNECK, 2016). A câmara contaria, assim, com a participação de representantes da Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), da Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), do Sindicato dos Estivadores do Rio de Janeiro, do Sindicato dos Portuários do Rio de Janeiro, e da Associação Comercial do Rio de Janeiro, além dos membros do grupo de trabalho formado (RIO DE JANEIRO, 1991b). A esperada legislação se traduziu em mais um decreto emitido pelo executivo municipal (RIO DE JANEIRO, 1992), em um dos últimos atos da gestão de Marcello Alencar, prevendo a delimitação de uma Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) na zona portuária, sem, contudo, definir propriamente um regime urbanístico para o espaço39.

39 A definição de um regime urbanístico para a AEIU deveria ser concebida pela Secretaria Municipal de

Urbanismo e Meio Ambiente e entregue ao gabinete do prefeito, em forma de minuta de projeto de lei, no prazo de 120 dias a contar da emissão do decreto (RIO DE JANEIRO, 1992).

O período da gestão de Marcello Alencar no Município do Rio de Janeiro foi importante na construção e deflagração da “revitalização urbana” da região portuária como agenda da administração pública na cidade. Naquele momento, a circulação internacional de ideias envolvendo as políticas de waterfront regeneration já se aproximava do Brasil, como rememora Alfredo Sirkis, à época vereador da cidade:

Bom, deixa eu te dizer, tudo começou nos idos de 91, se me lembro bem, talvez 92. Eu era vereador e o então prefeito Marcello Alencar tinha sido convidado para ir num congresso de revitalização de áreas portuárias, organizado pelo Città dell’acqua, em Veneza. E aí ele me perguntou se eu queria ir representando ele, embora eu fosse um vereador de oposição, mas a gente tinha uma boa relação, e eu topei e fui lá. E foi aí que eu tive contato pela primeira vez com o universo de revitalização das áreas portuárias, porque, naquele momento, eu estava em um ponto alto, você tinha vindo 10, 20 anos antes de uma mudança na tecnologia de operação portuária, os cais em linha tinham entrado em obsolescência, passaram a demandar profundidade para poder armazenar container e uma ligação ferroviária-rodoviária fácil para os containers poderem sair. E, nesse processo, as instalações portuárias do passado (os galpões, os armazéns e todo um tecido urbano conexo com ele) tinham caído em obsolescência, tinham sido abandonados, e algumas cidades tinham começado a revitalizar. Então ali em Veneza você tinha um painel onde houve vários tipos diferentes de modelos de revitalização de área portuária.40

Com a eleição de César Maia (PMDB/PFL) e início do seu mandato no ano seguinte, a perspectiva de uma transformação da região se fortaleceu. Nesse momento, foram notáveis uma série de eventos, alguns interligados, outros relativamente dissociados, que movimentaram a perspectiva já instaurada da “revitalização”. Já no início de sua gestão, o recém empossado prefeito contava com o apoio e influência da ACRJ, que não tardou em depositar esperanças em sua capacidade de intervir na região portuária. Em sua primeira edição do ano de 1993, a revista oficial da associação dedicou-se ao tema, introduzindo a matéria sobre a “revitalização” do porto da seguinte forma:

César Maia, economista, 47 anos, assumiu a prefeitura do Rio no dia 1º de janeiro com um firme propósito: recuperar a cidade econômica e socialmente. E, antes mesmo de sua posse, deu o primeiro passo neste sentido, encampando o projeto de revitalização da zona portuária defendido há mais de dez anos pelo presidente da ACRJ, Paulo Protasio. Compreendida entre os bairros da Saúde e Santo Cristo até São Cristóvão, a região, de valor histórico incalculável, encontra-se totalmente desfigurada. Mas, com a implantação do projeto de revitalização do porto, o conjunto arquitetônico será restaurado e poderá abrigar um moderno centro de comércio internacional, com lojas, teatros, parques e restaurantes. (ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DO RIO DE JANEIRO, 1993, p. 3)

No primeiro semestre de seu mandato, o novo prefeito não tardou em constituir novo grupo de trabalho visando a elaboração de texto legal especificando os parâmetros de uso e ocupação do solo na nova AEIU da zona portuária (RIO DE JANEIRO, 1993). Em sua

40 Trecho de entrevista concedida à autora.

equipe, César Maia contava com a participação de Alfredo Sirkis, já familiarizado com as experiências internacionais de intervenções portuárias, na Secretaria Municipal de Meio Ambiente, e Luis Paulo Conde, na Secretaria Municipal de Urbanismo, que facilitaria a integração das ideias catalãs e do chamado “Modelo Barcelona”41 às perspectivas de “revitalização” da zona portuária do Rio de Janeiro.

Ainda em 1993, a prefeitura deu início à formulação do “Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro” (PECRJ), em um acordo firmado com a ACRJ e com a Federação das Indústrias (FIRJAN). A proposta de um planejamento estratégico para a cidade tinha como objetivo instaurar uma nova forma de abordagem da urbe, a partir da identificação de potencialidades a serem desenvolvidas e de debilidades a serem minimizadas, desde tendências globais e locais para cidades competitivas (RIO DE JANEIRO, 1996a). Para a sua elaboração fora essencial a presença e participação ativa de consultores catalães42, especialmente da empresa Tecnologias Urbanas de Barcelona (TUBSA)43, assim como o financiamento da iniciativa privada (WERNECK, 2016).

O plano “Rio Sempre Rio”, lançado oficialmente em 1995, previa uma série de ações a serem levadas a cabo pelo Município, dentre as quais a “revitalização” da região central ocupava um espaço de relevo, assim como a possibilidade de candidatura da cidade para sediar os Jogos Olímpicos de 2004, considerada fundamental para a transformação e desenvolvimento da cidade como um todo (RIO DE JANEIRO, 1996a). No plano, propostas interventivas na região portuária apareceram, embora ainda de maneira tímida e pontual44. Em uma cena de descrição da cerimônia de aprovação do PECRJ, Vainer narra:

41 Modelo de sucesso associado à experiência de urbanismo de Barcelona, que vivenciara um conjunto de

intervenções de reestruturação urbana a partir da década de 80. Tais intervenções, catalisadas pela perspectiva da cidade sediar os Jogos Olímpicos de 1992, envolveram projetos urbanos complexos que, sob a perspectiva do planejamento estratégico, visavam tornar a cidade atrativa em âmbito internacional. A reestruturação da cidade é vista como um modelo, pois sua experiência passara a ser amplamente difundida pelo mundo, com especial incidência no continente Latino-Americano.

42 O momento é descrito por uma funcionária da prefeitura à época: “Quando em 93 entrou o Conde, eu estava lá

na Secretaria de Planejamento Urbano, o objetivo era transformar a cidade. Naquela época tinham disputas de cidades globais, se falava muito nesse conceito. E a prefeitura tentava inserir o Rio de Janeiro de qualquer maneira nesses espaços, nessa disputas por eventos. Então já naquela época disputava-se eventos. Inclusive em 93, a Olimpíada em Barcelona foi 92, o Conde trouxe os espanhóis, trouxe pra cá pra fazer um seminário e foi uma lavagem cerebral, com todo o corpo técnico da Secretaria de Urbanismo. Era uma coisa louca. Eu ficava assim ‘como que ele quer fazer uma coisa que está lá em Barcelona aqui no Rio?’ ” (trecho de entrevista concedida à autora).

43 A empresa fora fundada por Jordí Borja, um dos principais nomes relacionados à difusão dos ideários do

planejamento estratégico na América Latina.

44 Uma proposta mais assertiva de revitalização da região portuária aparece no ano de 1996, no documento de

candidatura do Rio de Janeiro ao Comitê Olímpico Internacional para sediar as Olimpíadas de 2004 (SARUE, 2015).

No nobre cenário oferecido pelos jardins internos do Palácio Itamaraty, o movimento daquela manhã ensolarada e fresca certamente surpreende os heráldicos cisnes, aposentados desde a transferência da capital para Brasília. Quem são, talvez se perguntem? São os homens bons (e também mulheres) da cidade, os citadinos: empresários engravatados, personalidades da sociedade carioca, políticos e altos funcionários da burocracia estatal, dirigentes de organizações não governamentais festejadas pela mídia, jornalistas pautados que se acotovelam para ouvir a última palavra do sociólogo que lidera a Campanha da Cidadania contra a Miséria e a Fome. Eles já se conhecem, encontram-se quotidianamente em outros cenários. São brancos, polidos, bem vestidos – elegantes, enfim. Aqui e ali alguns desconhecidos sentem-se suficientemente à vontade para aproximar-se do farto bufê e partilhar do desjejum. A sessão de instalação do Conselho da Cidade vai começar. Todos já se credenciaram, isto é, assinaram a lista de presença e receberam pastas e crachás. Hino nacional e, logo a seguir, o coral que entoa ‘Cidade Maravilhosa’. Discursam o presidente da ACRJ e o presidente da FIRJAN. Aplausos. É a vez do Secretário Municipal de Urbanismo. Aplausos. Eles nos falam da viabilidade da cidade e da importância dos cidadãos se unirem para recuperar a cidade. Dizem do vanguardismo e pioneirismo da cidade, que será a primeira, no Hemisfério Sul, a ter um plano estratégico. É a vez do Dr. Jordi Borja, Presidente da empresa consultora Tecnologies Urbanas Barcelona S.A.: retórica erudita de um acadêmico calejado, entremeada de elogio às potencialidades da cidade e ao espírito criativo de seu povo – Barcelona também é aqui. O Diretor Executivo do PECRJ traça um quadro da ascensão e declínio do Rio de Janeiro, para concluir ressaltando suas vantagens comparativas nesta era de competição e globalização. O Prefeito toma a palavra para, de forma solene, instalar o Conselho da Cidade. Imediatamente, o locutor oficial convida os conselheiros a dirigirem-se às escadarias do jardim, onde será tirada, como constava da programação, uma foto histórica. (VAINER, 2002b, p. 108-109)

Além das movimentações no plano municipal, a primeira metade da década de 90 também é marcante para o debate das “revitalizações” portuárias no nível federal. Mesmo antes da eleição de César Maia, a Companhia Docas, em uma aproximação com o Porto de