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PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM COLISÃO

O grande balizamento da compatibilização entre a pretensão empresarial de acesso aos dados genéticos e o direito à preservação da intimidade genética do empregado está na dignidade da pessoa humana.

É que sendo o conteúdo dos direitos que integram o rol das liberdades públicas bastante amplo, muitas vezes, na efetivação de um deles, pode acontecer o confronto direto com outro, que tem, no mesmo ordenamento jurídico, em regra na Constituição, o mesmo patamar hierárquico. Ocorrerá, assim, a chamada colisão de direitos.

Para Canotilho (1996, p. 643), esse fenômeno surge “[...] quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”, dando ensejo a “um autêntico conflito de direitos”.

O confronto pode, segundo Canotilho, ocorrer em duas vertentes: (i) o exercício de um direito choca-se diretamente com o exercício de outro direito; (ii) o exercício

de um direito entra em confronto com um bem jurídico (coletivo ou do Estado) protegido pela Constituição.

No primeiro caso, a colisão envolve diretamente os titulares dos direitos. É o caso, por exemplo, em existindo furto dentro da empresa de o empregador, com fundamento no seu direito de propriedade (artigo 5º, inciso XXII, da CF/88), exigir que seus empregados se submetam às revistas pessoais, situação esta que poderá implicar violação ao direito à intimidade deles (artigo 5º, inciso X, da CF/88).

No segundo caso, a colisão envolve o titular do direito (indivíduo) e a coletividade e/ou o Estado, que salvaguarda um determinado bem jurídico, cuja preservação é fundamental para a sociedade. É o exemplo da colisão entre a proteção ao meio ambiente (art. 225, CF/88) com o direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da CF/88).

Em determinados casos, a própria Constituição dá a solução para o conflito. É a hipótese do direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII) que convive com a possibilidade de desapropriação, condicionada esta última à necessidade ou utilidade pública, ou ao interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro (art. 5º, inciso XXIV).

Em outros casos, o constituinte remete à lei ordinária a possibilidade de solucionar a colisão, por vezes autorizando a restrição do direito. É o caso da inviolabilidade das comunicações telefônicas, que pode ser quebrada, por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, na forma que a lei estabelecer (art. 5º, inciso XII, da CF/88 e Lei 9296/96).

Todavia, existem casos que não encontram solução em fórmulas predeterminadas. Nestes casos, apenas através da análise do caso concreto é que se poderá verificar qual dos direitos deve sofrer restrição.

Nessas hipóteses (existência de verdadeiro conflito), adverte Canotilho (1996, p. 646-647), deverá ser aplicado o “juízo de ponderação ou valoração de prevalência”.

Para concretizar esse juízo de ponderação, Canotilho afirma que a primeira e principal regra é a da máxima observância e da mínima restrição, de maneira que se

estabeleça, durante o exercício concreto dos direitos colidentes, uma relação de conciliação. Por não ser possível restringir um direito de forma abstrata é que o juízo de ponderação deverá ser efetivado num caso específico, pois a restrição de um direito só encontrará justificativa na necessidade ou na importância da prevalência do outro direito.

É nesse sentido, pois, que adverte Paulo César Santos Bezerra (2007, p. 230):

Como critério de solução de conflito de princípios e direitos fundamentais tem sido apontada a aplicação do princípio da razoabilidade que alguns chamam, indevidamente, de princípio da proporcionalidade. De fato, há uma confusão terminológica quando se chama de maneira indistinta, o princípio da razoabilidade de princípio da proporcionalidade, até por autores de renome como é o caso de Paulo Bonavides. A razoabilidade comporta três elementos: proporcionalidade,

necessidade e nexo de causalidade. Assim, é razoável a escolha de um princípio em

detrimento a outro que lhe é inconciliável, se for mais proporcional ao caso ao qual se aplica, se for mais necessário do que o outro e se houver maior nexo de causalidade com o caso. Portanto, a proporcionalidade não é razoabilidade e sim, critério de aferição de razoabilidade e de aplicação do princípio como meio de solução de conflito entre dois princípios.

Mais adiante, conclui o referido autor (BEZERRA, 2007, p. 230) que “[...] não se poderia, pois, apresentar uma fórmula perfeita e acabada de solução de conflito de princípios e direitos fundamentais justamente pela natureza não homogênea dos mesmos e por constituírem normas de conteúdo aberto, utilizando-se da razoabilidade como critério reitor de solução”.

Exatamente por isso, nesta dissertação, persegue-se a verificação do direito à intimidade genética do empregado, caso a caso, para se verificar, em cada caso concreto, a sua predominância ou não ante outro direito fundamental em conflito.

O direito à intimidade genética traz consigo o conflito entre a preservação das informações genéticas do empregado e a pretensão do empregador de acesso a tais informações. Mas não é este o único conflito que materializa, como já visto. Na medida em que se constitui como um óbice ao exercício do poder diretivo (sentido amplo) e ao direito de propriedade do empregador, este entrave pode acarretar na derrocada do ente empresarial, cuja manutenção interessa ao empresário, demais empregados e ao Estado. Por isso, o direito à intimidade genética entra em choque com os princípios da valorização social do trabalho e da livre iniciativa e, em última análise, com a dignidade da pessoa humana do empresário e dos demais empregados.

Por isso, tem-se que todos os titulares dos direitos fundamentais envolvidos nos conflitos propostos acima estarão, quando da defesa deles, procurando preservar, em última análise, aquilo que fundamenta os seus direitos, ou seja, a busca da sua dignidade enquanto pessoa humana.

Não se pode perder de vista, contudo, que a supressão integral do direito à intimidade genética pode implicar afronta à dignidade da pessoa humana do empregado.

Ademais, o tom que cadencia a técnica de ponderação é a dignidade da pessoa humana. Sendo esta a baliza da ponderação e havendo o risco de que titulares desta garantia deixem de usufruí-la, necessário se faz estabelecer critérios para a realização do acesso às informações genéticas, de modo a que se atenda à regra da adequação, pois é preciso preservar-se, ao máximo, o princípio que cedeu diante dos demais, pois ele também se volta para a dignidade da pessoa do empregado.

Assim, entendemos que os princípios determinantes e que fundamentam o acesso às informações e dados genéticos dos empregados serão o da necessidade e da razoabilidade, ou seja, o empregador somente deverá solicitar e/ou ter acesso a tais dados genéticos se estritamente necessários e relevantes.

Sendo, então, o princípio da razoabilidade determinante para ponderar os poderes da entidade empregadora e a conseqüente limitação dos direitos do empregado, seria desejável a existência de uma lei estabelecendo os princípios mínimos de proteção para evitar incursões indevidas do empregador que afetem os direitos da personalidade dos empregados.

5.3 ACESSO ÀS INFORMAÇÕES GENÉTICAS DO EMPREGADO: CRITÉRIOS PARA