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SABER MÉDICO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA, SABER MÉDICO E POLÍTICAS PÚBLICAS

94 SCOTT, 1990 95 Idem, 1992.

1.3 Políticas públicas em Uberlândia: diversidades

1.3.1 População por Distrito

Figura 1 - População residente nos setores urbanos e zona rural no município de Uberlândia em 2009

Fonte: Dados da Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia de 2009

A Secretaria Municipal de Saúde tem como principais atribuições formular e coordenar a política municipal de saúde e supervisionar sua execução nas instituições que integram sua área de competência, em coordenação com o Conselho Municipal de Saúde. Além disso, participam do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do SUS, no seu âmbito de atuação, em articulação com a direção estadual e nacional do Sistema. Dentro da Secretaria Municipal de Saúde há dois programas ligados diretamente à prevenção da gravidez na adolescência: Programa de Saúde da Criança e

Adolescente e Programa da Saúde da Mulher. O Programa de Saúde da Criança e do Adolescente está inserido em todas as unidades de saúde da rede municipal e visa “à promoção da saúde, à prevenção de doenças e à educação em saúde”. As diretrizes do Programa estão voltadas principalmente para a melhoria dos Indicadores de Saúde, contando com a participação efetiva da comunidade e dos profissionais da saúde. Ele atua ainda junto aos adolescentes, contribuindo para reduzir a gravidez nessa faixa etária. Observa-se que, das crianças nascidas em Uberlândia em 2006, 17% foram filhas de mães adolescentes e em 2008 esse percentual abaixou para 15%, enquanto que no Brasil está em torno de 25%. Existe uma continuidade na oferta de contraceptivos orais como preconizado pelo Programa de Governo – Saúde do Jovem – Atuar na Prevenção da Gravidez na Adolescência. O segundo programa relacionado com prevenção da gravidez na adolescência, o Programa da Saúde da Mulher, inclui acompanhamento da gravidez, prevenção do câncer de colo de útero e mama, planejamento familiar e funciona em todas as unidades de saúde. Foram realizadas em 2008 111.607 consultas de ginecologia e 31.760 exames de citopatologia. Como recurso de planejamento familiar, foram realizados 1.107 procedimentos de laqueadura e vasectomia e ainda disponibilizados à população feminina, contraceptivos orais e Dispositivos Intra- Uterinos (DIU). Esses dados demonstram a preocupação da Secretaria Municipal de Saúde com relação à proteção e à prevenção da gravidez na adolescência.

Em Uberlândia o Programa de Saúde da Criança e Adolescente tem sua base nas diretrizes gerais do ministério da saúde que contemplam os seguintes temas: participação juvenil, equidade de gêneros, direitos sexuais e direitos reprodutivos, projeto de vida, cultura de paz, ética e cidadania, igualdade racial e étnica. Suas diretrizes estão voltadas principalmente para os Indicadores de Saúde, contando com a participação efetiva da comunidade e dos profissionais da saúde, e os trabalhos são desenvolvidos baseados na Gestão de Patologias (Protocolos e Linhas Guias), ou seja, para a solução de cada problema e/ ou patologia há um protocolo ou procedimentos previstos. Dentro da secretaria está sendo implantado um protocolo que ajudará na captação de meninas e meninos para participação nas atividades de proteção à saúde do adolescente. Esse protocolo é documento legal de procedimentos formulados por uma equipe multiprofissional do próprio serviço de saúde, que serão adotados por todas as unidades de saúde para a captação de meninos e meninas para essas unidades.

Assim a Dra X 153 explica como vê a função desse protocolo:

153 Entrevista concedida por Dra X, médica ginecologista e obstetra responsável pelo Planejamento Familiar, concedida em 14/04/2010, na Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia Minas Gerais

[...] O protocolo facilita o acesso do adolescente na área. Já existe a lei que é marco legal, garantindo privacidade do adolescente que tem direito à prescrição da contracepção. Mas como existe um embate legal entre esta questão e o pai (cuidador) reclamar (processar) da questão do médico prescrever ou colher exame de gravidez ou mesmo instruir o uso de métodos anticontracepcão orais sem seu consentimento do cuidador. Assim este protocolo veio para auxiliar equipe no embate entre cuidador e equipe de saúde. (Dra. X)

Segundo esta mesma médica, as unidades de saúde de Uberlândia tinham uma tendência a perder o atendimento dos adolescentes devido à falta de validação da lei já existente sobre proteção à saúde do adolescente. Ou seja, o adolescente só poderia ser atendido nas unidades de saúde se fosse acompanhado por um adulto ou responsável. Por isso, muitos adolescentes escapavam, principalmente meninas em busca de testes de gravidez. Desta forma, o sistema de saúde tinha a tendência a perder essas pacientes, pois elas não voltavam com a responsável para fazer o pedido de teste de gravidez, deixando de participar e de fazer o acompanhamento pré-natal nas unidades. O protocolo veio contribuir para que a captação dos adolescentes dentro das unidades seja mais efetiva e que os profissionais da área de saúde possam exercer suas funções com mais proteção.

Ainda nas palavras da Dra X:

[...] Com o protocolo não se perde a oportunidade de atender o adolescente, pois antes o que acontecia era que o adolescente chegava à unidade à procura de contracepção ou teste de gravidez e era informado que necessitava para seu atendimento de um adulto. Assim, ela não voltava, pois você acha que ela (adolescente) vai contar para mãe que está transando. Hoje, não há mais a possibilidade da mãe processar o profissional de saúde que prescreveu anticoncepcional para sua filha, o protocolo tende a proteger o profissional de saúde Deste modo ele se sente mais protegido para exercer sua função. (Dra X) 154

Segundo essa médica, o cruzamento de alguns pontos facilitou a diminuição da incidência de gravidez em Uberlândia. Um primeiro ponto é a implementação do Programa da Saúde da Família, que tornou mais fácil, para os bairros mais afastados o acesso à rede pública de saúde. O segundo ponto é a implementação nas redes de saúde do programa da farmácia popular, que proporciona anticonceptivos injetáveis mais baratos, facilitando o acesso dos adolescentes a esse produto. Além disso, um terceiro ponto é o Programa de Planejamento Familiar que faz parte do Programa da Saúde da Mulher e é responsável pela

154 Entrevista concedida por Dr X medica ginecologista e obstetra responsável pelo Planejamento Familiar, concedida em 14/04/2010, na Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia- Minas Gerais.

assistência em contracepção. A ele compete dar informações sobre todas as alternativas possíveis em termos de métodos anticoncepcionais reversíveis ou irreversíveis, bem como o conhecimento de suas indicações, contra-indicações e implicações de uso, garantindo à mulher ou ao casal os elementos necessários para a opção livre e consciente do método a que melhor se adaptem. Mas a médica afirma que, apesar de a política pública existente em Uberlândia e os meios de comunicação serem efetivos no combate a essa gravidez, suas ações não conseguem chegar à população de risco para gravidez na adolescência, no caso de Uberlândia as residentes nos Distrito Sanitário leste e oeste (Canaã, Morumbi, Dom Almir, Joana D’Arc).

A Dra X também opina sobre a implantação dessas políticas públicas para a população de risco:

[...] eu acho que os meios de comunicação têm mostrado muito da gravidez na adolescência, mas esta população que mais engravida em nossa região é composta pelos distritos leste e oeste, ou seja, Canaã, Morumbi, Dom Almir e Joana D’Arc. Estas regiões são áreas de maior risco para violência, gravidez na adolescência e feto de baixo peso, são áreas de migração intensa, de uso de drogas, maior do que outras regiões de Uberlândia. Então acaba que estas políticas, os e meios de comunicação, novelas, jornais, não chegam muito, porque esta população está muito aquém da informação. (Dra X) 155

Segundo ela, para o psicólogo Y, nas áreas de risco a incidência é maior que a incidência geral de Uberlândia, que é de 15%. Em algumas regiões mais carentes chega ao dobro da incidência geral, ou seja, 35%. A médica atribui essa incidência a três fatores: o primeiro está ligado à absorção das informações e das políticas que é pequena nessas áreas; o segundo é a questão cultural, pela valorização da maternidade como status social; o terceiro e mais representativo é a lógica de vida em relação à família, que é diferente da sociedade moderna.

O psicólogo Y156 reflete sobre essa lógica:

[...] Eu tenho que dar filho para ciclano e fulano, para cada nova relação eu tenho que ter filho, como se isso representasse uma certa marca identitária ou relacional. Enquanto ela está com o companheiro ela cuida da criança, ao término desta relação ela dá esta criança para a mãe ou outra pessoa cuidar. É outra lógica de família e de relações. (Psicólogo Y)

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A Dra. X explica a alta incidência de gravidez na adolescência em população de risco:

155 Entrevista concedida por Dra X, médica ginecologista e obstetra responsável pelo Planejamento Familiar, concedida em 14/04/2010, na Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia Minas- Gerais .

156 O psicólogo Y, assim denominado para preservar sua identidade trabalha na Secretaria municipal de Saúde na área de saúde mental, concedida em 23/05/2010, na Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia, Minas Gerais.

[...] Antigamente a mulher (menina) tinha que esconder a gravidez e hoje não, isto é mais natural. Hoje se tem 50 anos de contracepção e a mulher escolhe o momento de ser mãe. Mas nesta população de risco isto não acontece. Ai tem esta questão da informação que chega menos, as avós e mãe também tiveram filhos cedo e dentro desta população a gravidez é status, com a barriga ela vai ser dona da sua vida. (Dra. X)

Nesses depoimentos observa-se que, apesar de Uberlândia ter incidência geral abaixo da média do Brasil para gravidez na adolescência, esse índice nos bolsões de pobreza ou áreas de risco, como regiões leste e oeste, tende a crescer. Dois fatores são responsáveis pó esse crescimento o primeiro deles é que as políticas públicas, embora bem estruturadas, não conseguem captar essa população; o outro é que a lógica de vida dessa população é muito diferente da preconizada como correta ou desejada pela sociedade moderna, ou seja, as relações e o adolescer para essa população são vivenciados de forma diferente. Percebe-se que, para essas meninas, a gravidez, além de marco identitario ou relacional, também se caracteriza como um rito de passagem para o mundo adulto, rito que existe desde a época de suas avós, sendo transmitido de geração para geração. Outra observação importante obtida através do depoimento da Dra X é que a gravidez nessa população de risco é desejada, mas não programada.

[...] Não acho que gravidez na adolescência seja indesejada ela só não é programada. Acho que eventualmente uma gravidez pode ser programada, mas a maioria não, pois elas têm relação, sabem que podem engravidar e não se cuidam. Como pode ser indesejada? Acho que para grande parte das mulheres (meninas) que engravidam hoje isso pode ser um pouco inconsciente ou um pouco de fuga da questão social, mas até onde isto é problema para ela? (Dra X) 157

Desse modo, quando falamos sobre as políticas públicas refletimos sobre a prevenção e sobre a gravidez na adolescência e essas reflexões são embasadas no saber médico institucionalizado, que não abarca a pluralidade dessa população. Nesse sentido, a gravidez é um período na vida reprodutiva da mulher, muito representativo na sociedade em que ela se insere, sendo caracterizado como definição de sua nova identidade, a de “mulher”, o que gera questionamentos, ansiedades e instabilidade afetiva, principalmente para o profissional da saúde.

157 Entrevista concedida por Dr X medica ginecologista e obstetra responsável pelo Planejamento Familiar, concedida em 14/04/2010, na Secretaria Municipal de Saúde de Uberlândia Minas Gerais.