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O Programa Saúde do Adolescente (PROSAD): prevenção de gravidez e saber médico institucionalizado

SABER MÉDICO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1 GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA, SABER MÉDICO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1.2 O Programa Saúde do Adolescente (PROSAD): prevenção de gravidez e saber médico institucionalizado

O Programa Saúde do adolescente foi estabelecido depois de muitas lutas sociais principalmente de médicos que trabalham com infância e adolescência, mas a sociedade foi pouco envolvida na sua formulação. Assim, depois de muita luta, principalmente dos trabalhadores da saúde no ano de 1986, por meio da Divisão Materno Infantil, o Ministério da Saúde resolveu englobar a assistência primária à saúde dos adolescentes entre suas funções. Para essa finalidade, foram reunidos profissionais de saúde de vários estados, experientes com adolescentes, que apresentaram propostas de ações de saúde para esse segmento populacional

85 NOGUEIRA, José Maria et al. Análise da distribuição espacial da gravidez adolescente no Município de Belo Horizonte. Revista Brasileira Epidemiologia, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 297-312, 2009.

e iniciaram a elaboração e distribuição, para todo o país, de Normas Técnicas para o seu atendimento. Entre 1986 e 1989 o Programa foi coordenado pelo Dr. Marcos dos Santos Pragana; em 21 de dezembro de 1989 foi criado o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD), fundamentado numa política de promoção de saúde, de identificação de grupos de risco, detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação foi coordenado pela a Dra. Raquel Niskier Sanches entre 1989 e 1993.

A partir de novembro de 1995, assumiu a coordenação a Dra. Rosa Maria Maciel M. A. Carneiro. Durante todos esses anos, desde a criação do programa no nível de Ministério Federal, foram efetuados inúmeros treinamentos de sensibilização e de capacitação de equipes multiprofissionais e formação de adolescentes como agentes multiplicadores de saúde e distribuído de material educativo. Em 1996 o Serviço de Assistência à Saúde do Adolescente (SASAD) concentrou esforços na definição de critérios para oficializar centros de referência já existentes, além de criar novos centros que, nessa proposta, passaram a ser denominados Centros Docente Assistenciais (CDA'S) em Saúde do Adolescente. A finalidade da criação dos CDA'S é a de agilizar o desenvolvimento das ações do Ministério; assim, entre suas funções, constam participar com o SASAD na elaboração e divulgação de normas técnicas, material educativo, informativo e instrucional, bem como desencadear outras ações nas áreas prioritárias.

O Programa Saúde do Adolescente objetiva dar aos jovens brasileiros “meninos” e “meninas” acesso universal à educação e saúde, benefícios aos quais a população tem direito e que a Constituição contempla, visando reverter o estado de saúde em que eles se encontram no Brasil86. Assim sendo, em cumprimento à Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988, o Ministério da Saúde oficializou o Programa do Adolescente e apresentou as suas Bases Programáticas através da Coordenação Materno-Infantil (COMIN).

Como foi explicitado, consideramos a adolescência um período da vida caracterizado por intenso crescimento e desenvolvimento, que se manifesta por transformações anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais. Há importância demográfica desse grupo no Brasil, conforme o censo de 2002: corresponde a de 51.429.397 pessoas – 30,3% da população brasileira –, sendo 35.287.882 adolescentes de 10 a 19 anos e 16.141.515 jovens com idades entre 15 e 24 anos 87, o que se reflete na prevenção da vulnerabilidade aos agravos de saúde, bem como nas questões econômicas e sociais, nas suas vertentes de educação, cultura,

86 BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Saúde do Adolescente. Bases programáticas. dez. 2009. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_05.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2010.

trabalho, justiça, esporte, lazer e outros, que a necessitam de atenção mais específica e abrangente. Os adolescentes brasileiros têm, como cidadãos, direito à saúde, e as acesso a ela de forma universalizada hierarquizada e regionalizada, dentro dos preceitos do SUS.

Dessa forma, o Ministério da Saúde define objetivos, diretrizes e estratégias para o PROSAD, contemplando a promoção, integração, apoio e incentivo às práticas nos locais onde já vêm sendo desenvolvidas, atividades preventivas ao agravos, tanto nos estados, municípios, universidades, organizações não-governamentais quanto em outras instituições. O PROSAD deve interagir com outros setores no sentido da promoção da saúde, da identificação dos grupos de risco, detecção precoce dos agravos, tratamento adequado e reabilitação dos indivíduos dessa faixa etária, sempre de forma integral, multissetorial e interdisciplinar. Baseia-se na convicção de que a solução para os problemas de todos os segmentos populacionais passa pela reestruturação das políticas sociais e econômicas e pela verdadeira participação comunitária, reiterando a importância do trabalho da equipe multidisciplinar.

Entretanto, o Programa do Adolescente não é perfeito. Podemos analisar criticamente algumas questões específicas em relação ao uso desse programa sob o enfoque de risco. O Programa do Adolescente se organiza para delimitação da população, através do critério “idade”, e perspectiva risco/patologia, critério que parece ser insuficiente, quando se amplia para noção de risco psicossocial. É importante não perder de vista que a adolescência é um fenômeno social e traz consigo questões amplas que vão além do setor saúde, sendo esse sendo apenas parte da questão.

Com a ampliação desse olhar, percebe-se que o adolescer não pode ser baseado somente em risco e patologias, e que o aspecto social e cultural de cada estrato social tem que ser considerado para que essa assistência ao adolescente seja realmente efetiva. Isso se deve ao fato de que cada jovem vive seu adolescer de acordo com seus costumes e,portanto, sua cultura. Tais condições é que irão determinar seu modo de ser e de agir em sociedade. Logicamente, diretrizes baseadas somente em risco e patologias não abarcam essa diversidade da sociedade.

Por tais motivos, o governo Federal, com o objetivo de prevenção de agravos da esses jovens, com a intenção de os tornar adultos sadios, formulou, em 1988, diretrizes para implementação do Programa de Saúde do Adolescente.

Cabe ressaltar que na década de 1980 a situação socioeconômica do país se agravou e grande parte da população brasileira, incluindo os adolescentes, passou a viver em estado de extrema pobreza. Na assistência à saúde, os adolescentes estavam incluídos de forma diluída

no Programa de Assistência Materno-Infantil, não se constituindo como foco prioritário, tanto no subprograma de Assistência à Criança, na Saúde do Escolar, quanto no de Assistência à Saúde Materna. Neste viés, as ações voltadas à saúde do adolescente se deram inicialmente de forma isolada e também por iniciativa não-governamental. Nesse período foram criados vários Comitês Estaduais de Adolescência, vinculados às Sociedades de Pediatria locais. Em 1986, o Ministério da Saúde resolveu englobar a saúde dos adolescentes às funções da assistência primária, por meio da Divisão Materno-Infantil. No Brasil, a Constituição de 1988 demarca legalmente um novo modelo de atenção à saúde como já citado anteriormente, com a instituição do SUS para o setor público, cujos princípios doutrinários (universalização, equidade e integralidade) e organizacionais (regionalização, hierarquização por níveis de assistência e descentralização do poder com controle social) atravessam os princípios da atenção primária, enfatizando os sistemas locais de saúde, e a organização da assistência segundo a realidade epidemiológico-social local 88. Especificamente, essa Constituição assegura direitos à criança e ao adolescente, reafirmando os compromissos firmados na Convenção da ONU.

Mas, segundo Abramovay e outros,89 mesmo com alguns problemas abriu-se, entre os anos de 2000 e 2010, uma janela de oportunidades, sendo o momento mais favorável para se investir na juventude como integrante e sujeito da aceleração do crescimento econômico nacional. É preciso ressaltar que são esses mesmos jovens os que estão expostos às mais elevadas taxas de mortalidade por causas externas. E, no caso das “meninas”, é a fecundidade das mulheres de 13 a 19 anos que, atualmente, mais tem contribuído para o aumento da gravidez adolescente no Brasil.

Nesse sentido, para programar a Atenção Integral à Saúde de Adolescentes nos Estados e Municípios, usam-se como diretrizes os seguintes temas, sendo eles também a base para implementação do PROSAD: participação juvenil, equidade de gêneros, direitos sexuais e direitos reprodutivos, projeto de vida, cultura de paz, ética e cidadania, igualdade racial e étnica90.

88 CAMPOS, Estela Marcia S. A estratégia de saúde da família e sua proposta de (re) estruturação do

modelo assistencial do SUS: a perspectiva de quem molda a sua operacionalização. 2007. Tese (Doutorado em

Saúde Coletiva) - Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. 89 ABRAMOVAY, M.; CASTRO, M. G.; LEON, A. P. de. Juventude, tempo presente ou tempo futuro? Dilemas em propostas de políticas de juventude. São Paulo: GIFE, 2007.

90 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção em Saúde. Diretrizes nacionais para a atenção

integral à saúde de adolescentes e jovens na promoção, proteção e recuperação da saúde. Brasília, DF,

1.2.1 Participação juvenil

Adolescentes e jovens têm o desejo de ser escutados e a necessidade de serem reconhecidos em suas capacidades. Considerados enquanto sujeitos plenos de direito, eles precisam ser vistos de modo concreto como cidadãos, capazes de posicionamento nos diversos níveis do cotidiano em que estão imersos. Um grande número de pessoas jovens tem ideal de transformar a sociedade em algo mais humano e justo, mas não tem ideia de como concretizá-lo, nem recebe qualquer incentivo nesse sentido. O conceito de participação juvenil proposta pelo ministério busca uma forma de ajudar adolescentes e jovens a construírem a sua autonomia, através da geração de espaços e situações propiciadoras da sua participação criativa, construtiva e solidária na solução de problemas reais, seja na escola, na comunidade seja na vida social mais ampla.91

Segundo a diretriz colocada no programa atenção integral aos adolescentes, favorecer a participação juvenil é uma estratégia eficaz de promoção da saúde. Seus benefícios são vários. O primeiro é a contribuição para a auto-estima do adolescente e do jovem, a sua assertividade e a formulação de um projeto de vida. Esses aprendizados constituem-se um elemento chave segundo a diretriz, de qualquer estratégia de prevenção à violência, bem como ao abuso de drogas à DTS/AIDS, nessa faixa etária. 92

Portanto, no nível individual, participação não é somente um enfoque para se obter uma adolescência e juventude socialmente mais responsável e mais cooperativa. É mais: é o caminho para o desenvolvimento de uma pessoa socialmente sã e, como segundo benefício, pressupões levar adolescentes e jovens a se tornaram participantes importantes das ações que buscam promover a cidadania e não apenas eventuais usuários de tais programas, que embora objetivem promover a cidadania, talvez os induzam à de tutela e subordinação social. O terceiro benefício, segundo ainda essas diretrizes, é acreditar que participação juvenil não é apenas uma maneira de trazer os jovens para boas ações, desviando-os dos maus caminhos, mas acreditar que os adolescentes e jovens são promotores de transformação social. O quarto benefício envolve a participação ativa e autônoma de jovens no planejamento, execução e avaliação das ações de saúde o que contribuirá decisivamente para a eficácia, a resolutividade e impacto social delas. Em síntese, tanto os adolescentes quanto o setor saúde são beneficiados por esse processo, além da comunidade local e da sociedade como um todo. Mas

91 BRASIL, 2010. Diretrizes nacionais para a atenção integral à saúde de adolescentes e jovens na

promoção, proteção e recuperação da saúde.

92 BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Normas de Atenção à Saúde Integral do

o que é visto na realidade é que uma pequena parcela da junventude brasileira participa como propõem as diretrizes. Grupos como culturais, desportivos, ONG’s, movimentos estudantis, ecológicos, sociais ou comunitários e serviços voluntários promovem alguma participação juvenil. Entretanto, nem todos esses grupos conseguem efetiva participação juvenil. Vários ainda se baseiam na concepção de algo que é feito para o adolescente e não de algo feito com o adolescente ou, o que seria melhor ainda, algo feito pelo próprio adolescente.

1.2.2 Equidade de gêneros e direitos sexuais e reprodutivos

A relação entre homens e mulheres ainda é caracterizada pela desigualdade e opressão. Esse padrão foi historicamente construído, pertencendo, portanto, ao âmbito da cultura e dos valores sociais, e não à dimensão biológica. A História tem descrito os processos de gênero93 como se estas posições normativas fossem produtos de consenso e não de um conflito na sociedade. Assim, para nós, a proposta relacional de gênero de Scott 94 aponta a rejeição da noção de determinismo biológico e, realçando o caráter relacional das definições de feminino-masculino, refere-se à organização social das relações entre os sexos, ou seja, o “gênero” sublinha o aspecto relacional entre as mulheres e os homens e, para compreender qualquer um dos dois pode é impossível os considerá-los totalmente em separado.95 Nessa perspectiva, estamos em consonância com os trabalhos de Maria Izilda96 e Sohiet,97 que propõem um debate mais voltado para pressupostos da história social que tem como eixo a investigação das relações de poder travadas entre os sujeitos. Essas autoras destacam a importância do trabalho com a categoria de gênero nos estudos referentes aos interesses de jogos de poder relativos às políticas de estado e demais instituições sociais. Porém a sua ênfase, como a deste trabalho, está na necessidade voltar-se para a história do cotidiano e das mulheres e homens, de forma a garantir maior visibilidade dos processos sociais em que estão vivendo “papeis informais, situações inéditas e atípicas”. Insistem, portanto, nos estudos de investigação das relações de gênero e de poder travadas pelos sujeitos sociais.

93 Segundo Scott conceito de gênero se alicerça em duas proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é um primeiro modo de dar significado às relações de poder. Sobre este conceito conferir: Scott (1990, 1992).

94 SCOTT, 1990.