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Populações indígenas municipais, Terras Indígenas e Unidades de Conservação Ambiental no Brasil –

CAPS III – municípios com população acima de 200.000 habitantes

Mapa 10: Populações indígenas municipais, Terras Indígenas e Unidades de Conservação Ambiental no Brasil –

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Os municípios que contabilizaram três ou mais suicídios indígenas, no triênio 2009 a 2011, são 21 no país (Tabela 6). Dentre estes, dezoito tiveram um crescimento maior que 20% na população indígena em uma década (2000 a 2010), dos quais cinco apresentaram aumento maior que 100% da população indígena, todos os municípios situados no ASI na Amazônia Ocidental (Santa Isabel do Rio Negro, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença e Tabatinga, no Amazonas, e Cantá, em Roraima). Dos 21 municípios com 3 ou mais suicídios indígenas, 11 apresentaram crescimento maior que 10% da população não indígena (Cantá, Boa Vista, Rio Brilhante, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga, Benjamin Constant, Amaturá, Dourados, Caarapó, Amambai e Laguna Carapã), dos quais os seis primeiros tiveram acréscimo maior que 20% da população não indígena, isto é, um forte impacto sociocultural nas populações indígenas.

O crescimento ou o decréscimo populacional em apenas uma década com variação superior a 50% denota um forte processo de migração, como se observa na população indígena e não indígena entre 2000 e 2010 (Mapa 11). Os municípios com altas taxas de crescimento da população indígena no ASI da Amazônia Ocidental são os municípios que contabilizam as maiores proporções e taxas por suicídio, o que pode ser consequência da tensão entre etnias. A compreensão dos principais motivadores para migração dos povos indígenas pode contribuir sobremaneira para análise do suicídio no país, o que merece novos estudos pela complexidade da temática e por prescindir a abordagem metodológica qualitativa.

No início da década de 1990, impactos culturais do “branco” sobre os povos indígenas em Mato Grosso do Sul instigaram historiadores e antropólogos a estudarem os povos Guarani Mbyá e Kaiowá, situados no arco de suicídio indígena nas “fronteiras” do Sudoeste da unidade federativa. Os trabalhos do médico Morgado (1991) e do historiador Brand (1993; 1997) foram pioneiros na discussão

dos impactos da “civilização ocidental” na dignidade humana dos povos indígenas e

sobre a perda da terra e o confinamento destes povos. Brand e Vietta (2001) quantificaram o suicídio dos Kaiowá e Guarani Mbyá de Mato Grosso do Sul, para o período de 1981 a 2000, e realizou entrevista com lideranças indígenas política e religiosa, que relataram suas compreensões sobre o suicídio, apontada pelo primeiro pela desintegração social, dinamizada pelas questões socioeconômicas como fator predisponente e o alcoolismo como fator precipitante. A liderança religiosa apontou

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como principal fator a questão cultural, ao ignorarem as crenças do povo indígena e se corromperem com os costumes do “branco”.

Tabela 6: Dinâmica demográfica indígena e não indígena entre 2000 e 2010 nos municípios com 3 ou mais suicídios indígenas

Suicídios População não indígena População Indígena

Indígenas Crescimento Crescimento

(2009- Populacional Populacional

Municípios 2011) 2000 2010 (2000-2010) 2000 2010 (2000-2010)

São Gabriel Cachoeira - AM 43 7094 8739 23,19 22853 29157 27,58

Tabatinga - AM 37 30662 37298 21,64 7255 14974 106,40 Amambai - MS 20 24087 27479 14,08 5396 7252 34,40 Dourados - MS 17 159759 189404 18,56 5189 6631 27,79 Paranhos - MS 15 7712 7935 2,89 2503 4415 76,39 Coronel Sapucaia - MS 14 10653 11328 6,34 2157 2736 26,84 Japorã - MS 9 3731 3899 4,50 2409 3831 59,03 Tacuru - MS 9 6480 6623 2,21 2237 3592 60,57 Benjamin Constant - AM 8 19518 23665 21,25 3701 9746 163,33 Caarapó - MS 8 18084 21347 18,04 2621 4420 68,64

São Paulo de Olivença - AM 8 16479 16355 - 0,75 6634 15067 127,12

Santa Isabel R. Negro - AM 6 6892 6086 - 11,69 3670 12060 228,61

Bela Vista - MS 6 21368 22735 6,40 397 447 12,59 Cantá - RR 5 7683 12119 57,74 889 1783 100,56 Boa Vista - RR 4 194416 275569 41,74 6150 8744 42,18 Rio Brilhante - MS 3 22490 30542 35,80 149 121 - 18,79 Laguna Carapã - MS 3 4979 5552 11,51 552 939 70,11 Amaturá - AM 3 5552 6132 10,45 1756 3336 89,98 Itacajá - TO 3 6187 6113 - 1,20 628 992 57,96 Sete Quedas - MS 3 10815 10630 - 1,71 121 149 23,14 Eldorado - MS 3 10625 11190 5,32 435 503 15,63

Fonte dos dados: IBGE, 2012b (Censos 2000 e 2010); BRASIL, 2013 (MS/SIM). Elaboração: Adeir Archanjo da Mota, 2013.

Lideranças católicas vinculadas ao Conselho Indigenista Missionário (CIMI,

2011, p. 8) em visita ‘in loco’ no início de 2010, relataram a situação dos povos indígenas em Mato Grosso do Sul:

Percebemos o desespero, o abandono, a insegurança, a dor de indígenas expulsos de suas terras ancestrais, condenados a morrer antes do tempo, sem nenhum aceno da parte do governo de mudar esta situação aviltante num futuro próximo. As enormes fazendas que hoje se perdem no horizonte simplesmente engoliram as aldeias.

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Na última década, estudos geográficos contribuem com a discussão dos processos de re-des-territorialização dos povos indígenas. Estas pesquisas evidenciaram o suicídio como impacto social de maior visibilidade e crueldade, relacionado de forma direta a questão da terra em Mato Grosso do Sul (AVELINO JUNIOR, 2004; MOTA, 2011). A violência ao outro e o suicídio são frutos destes processos, como evidenciou o estudo de Juliana Mota (2011), ao analisar as tensões geradas pelo processo de territorialização precária na Reserva Indígena de Dourados (RID) e a consequente multiterritorialidade. Um mapa do adensamento populacional na RID, onde convivem os povos Guarani Mbyá, Kaiowá e Terena, contribui para elucidar as dificuldades vivenciadas no cotidiano destes indígenas (Mapa 12).

A mesma autora sintetiza que o suicídio de Guarani Mbyá e Kaiowá na RID pode ser compreendido como um ato precipitador dos fatores culturais associados aos

impactos do processo de “[...]submissão a uma re-territorialização precária na reserva,

nos desajustamentos dos preceitos corretos de viver, tendo como base o modo de

viver dos antigos – Tekoyma, sendo este o Teko Porã” (MOTA, 2011, p. 207).

Um fato marcante na fase final de redação deste estudo é a luta dos guarani- kaiowá pela reterritorialização da terra denominada Yvy Katu, na região de Japorã, na qual esperam há mais de dez anos pela demarcação de suas terras. Após a quarta ordem de despejo em dezembro de 2013, expedida pela Justiça Federal, todos os indígenas acampados iniciaram um raro ritual de preparação para deixar a

vida. Em carta divulgada pelo Conselho Aty Guassu, formado por lideranças,

professores e rezadores, os guarani-kaiowá comunicaram que resistirão, mesmo que resultar em morte coletiva, expressando a indignação com as decisões favoráveis aos ruralistas sul-mato-grossenses e cobrando a responsabilidade do governo federal para dar assistência às crianças, mulheres e idosos que sobreviverem à resistência.

Esta ação evidencia como os povos indígenas lutam com o “branco”, se utilizam da única arma que dispõem, a própria vida. O “branco”, na maioria das vezes, ignora até situações de confinamento em pequenas extensões territoriais e age como no poema “a cor do invisível”, de Mario Quintana: “E das cartas que me escreves. Faço barcos de papel!”.

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Mapa 12: Adensamento populacional na Reserva Indígena de Dourados – MS, 2010

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No ASI das “fronteiras” da Amazônia Ocidental, os conflitos socioculturais

entre as etnias indígenas e entre estas etnias e o “branco” criam tensões sociais que

engendram desfechos fatais, como o suicídio. Tais fenômenos se dinamizaram no final da década de 1990 e despertaram estudiosos das ciências humanas e sociais para pesquisarem a temática.

Neste arco, as terras indígenas associados aos parques nacionais garantem os territórios indígenas, com eventuais conflitos com garimpeiros, madeireiros e grileiros. Os conflitos se relacionam mais com as territorialidades imateriais, conforme Macedo (1996) e Erthal (1998) destacaram ao analisarem o suicídio de Ticunas na região do Alto Solimões; Dal Poz (2000) evidenciou no trabalho sobre o suicídio dos Sorowaha; Tardivo (2007) discutiu a respeiro dos impactos do processo de desenraizamento da população indígena de São Gabriel da Cachoeira; Souza e

Santos (2009) ao estudarem a prática sociocultural “morte ritual” do povo Suruwaha;

e, Mota e Guimarães (2013), ao analisarem a espacialidade do suicídio e a capacidade de resposta dos serviços de saúde mental no estado do Amazonas.

Estas pesquisas, de forma geral, buscaram compreender o suicídio em uma reserva indígena, em um ou dois povos indígenas ou em determinado território político administrativo. Estas delimitações metodológicas contribuíram para enriquecer a discussão sobre os impactos da integração e as crenças relacionadas aos processos de adoecer-curar de cada povo.

Contudo, estas delimitações não dimensionaram o problema na escala nacional. Esta análise é necessária para sensibilizar a sociedade civil e os governantes da urgência e relevância da questão do suicídio indígena, de forma restrita, e da questão indígena, de forma geral. Como medidas mitigadoras para esta questão se deve elaborar programas de intervenção ou viabilizar a proposta de Chico de Oliveira, citada neste subitem, que o próprio autor caracterizou como uma revolução de alto nível.

Novos estudos são necessários sobre o suicídio indígena nas escalas local ,regional, nacional e latino-americana, que permitam comparar as interações espaciais e os processos socioeconômicos e político culturais relacionados às territorialidades dos povos indígenas, bem como um levantamento das políticas públicas de saúde indígena e de prevenção de suicídio em minorias étnicas ou estigmatizadas.

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CAPÍTULO 3

O SUICÍDIO ENDÊMICO NA