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Os avanços científicos, os riscos associados a tais avanços (dentre os quais os danos ao meio ambiente e o esgotamento de recursos naturais), as pressões do consumismo e a explosão do acesso às informações abrem campo para o surgimento de uma série de novos direitos que passa a ser discutida com vistas a sua positivação. Bobbio interpreta tais direitos em função dos de terceira geração, que ainda não foram absolutamente estabelecidos em todas as sociedades:

“ Os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata (...) Já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo.”

(BOBBIO, 1992, p.6)

O campo para discutir um novo entendimento da identidade humana, seus direitos, a posição do ser humano em relação a outros componentes (a natureza, outros seres vivos e as relações com o tempo – gerações futuras) é nublado pela premência da tomada de decisões para implementação de leis muitas vezes impostas com o uso de argumentos frágeis. É o caso da aprovação das leis de biossegurança, os plebiscitos já mencionados ou de outras decisões específicas sobre pesquisa (especialmente células tronco) e rotulagem de produtos. Tais decisões legais refletem uma postura histórica e um valor que, na verdade, não é universal:

“ Não esqueçamos que sob a capa dos valores universais autorizados pela razão foi de facto imposta a razão de uma raça, de um sexo e de uma classe social.”

(SANTOS, 2001, p. 30)

Assim, a emergência da quarta geração de direitos se estabelece sem que uma verdadeira crítica ao paradigma sobre o qual ela se assenta tenha sido realizada e amplamente debatida. Uma nova variável surge no contexto histórico vivido pela humanidade, o contexto do risco:

“ O contexto atual e o da maximização e a máxima indeterminação do risco. Vivemos numa sociedade de riscos individuais e coletivos inseguráveis.”

(SANTOS, 2001, p. 35)

É claro que Santos não coloca por terra os avanços científicos, mas ele problematiza o postulado e inserção, sem crítica, de tais avanços, incorporando também, na discussão, a questão dos déficits e dos prejuízos provocados por tal avanço, tentando evitar a simplificação dualista do bem x mal, avanço x retrocesso, espírito x matéria, etc. Assim, diz ele “ o que está em jogo não é uma decisão sobre a validade das novas

recolocando a discussão sobre as biotecnologias e seu impacto em um campo onde não se opõem religião a ciência. Pondera o autor que restringir a discussão dos direitos, limites e abrangência dos impactos das biotecnologias na sociedade em função da oposição espírito x matéria é ignorar que existem outros ângulos a serem abordados.

A proposta que surge destas críticas é a construção de uma ordem social para além da ciência, uma retomada de aspectos de subjetividade e o entendimento de que a universalização é apenas aparente, particular e circunscrita ao momento histórico.

A análise da 4ª. geração de direitos aponta para a necessidade de se construir uma matriz que dê conta de ultrapassar os conflitos colocados por estes diversos autores, sinalizando como vencer o momento de impasse em que se encontra a sociedade. A elaboração e constante atualização dos Indicadores de Desenvolvimento Humano, por exemplo, é uma das tentativas de incorporar tais aspectos.

O relatório de 1999 tem como foco a globalização com face humana (PEREIRA, 2000), o que demonstra a preocupação de integrar os aspectos relacionados com o imbricamento de blocos econômicos e o impacto das empresas transnacionais na vida das sociedades. É importante salientar que tanto autores de esquerda quanto de direita estão discutindo o assunto – a diferença está na abordagem que cada linha de pensamento adota, o percurso que realiza e as soluções que indica. Santos (2000) sintetiza as diferentes abordagens e propõe um modelo que inclui um des-pensar o direito, com reestruturação da articulação dos poderes (em que são valorizados o pluralismo jurídico e a participação social). Outros, como Willis Harman, concordam com a crítica de Santos:

“ [the free-market capitalism] seems unable to achieve a distribution of wealth, income, and power that will be perceived generally as equitable, acceptable, and necessary for the functioning of a truly democratic society.”43

(HARMAN, 1973, p. 51).

43[o capitalismo de mercado livre] parece incapaz de alcançar uma distribuição da riqueza, dos ganhos e do poder que seja percebida em geral como eqüitativa, aceitável e necessária para o funcionamento de uma sociedade verdadeiramente democrática.

Mas Harman coloca que é possível construir um “ capitalismo humanístico”

(humanistic capitalism), e aplica tal conceito para discutir desemprego, regulação e

distribuição de recursos – tese com a qual Santos e outros discordam.

Os novos humanistas (BROCKMAN, 2003) discutem o pessimismo cultural em confronto com o otimismo científico – paradoxo cada vez mais visível nas sociedades contemporâneas – e buscam uma síntese para estas duas abordagens. Haverá sinais de sucesso no horizonte para esta empreitada?

A resposta está longe de ser alcançada:

“ In our society there’ s a tremendous belief in the benefits of continued economic and technological advance. Still, it does raise the question of the dangers of these technologies. I do agree that we need to focus our attention on dealing specifically with these scenarios of danger. It is, in my view, the primary challenge of the twenty first century. Another aspect of all these changes is that they force us to reevalute our concept of what it means to be human.”44

(KURZWEIL, 2003, p. 229)

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