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Por que é Relevante Estudar o Processo de Significação?

Capítulo 3 – A indeterminação, multidimensionalidade e relevância do estudo do processo de construção de significados

3.2. Por que é Relevante Estudar o Processo de Significação?

As discussões sobre o processo de construção de significados apresentadas até agora de certa maneira já vêm evidenciando a relevância deste tema para a Psicologia Cognitiva e,

4 Agentes Intencionais são seres animados que têm objetivos e fazem escolhas ativas entre meios

neste sentido, para o corpo de conhecimentos ainda em construção a respeito da mente humana e da sua constituição social. Alguns exemplos e argumentos demonstram a fecundidade do tema em questão para a Psicologia Cognitiva, a despeito da sua complexidade e dificuldade de acesso. As pessoas usam diferentes códigos e registros nos diversos contextos de discurso, por exemplo, fala de escola, fala de playground entre outros (Amsel e Byrnes, 1996); evidenciando uma versatilidade e uma fantástica complexidade no processo de construção de significados que precisam ser melhor investigadas e pedem uma delimitação mais cuidadosa do fenômeno.

Se a cognição diz respeito a todos os fenômenos vinculados à produção e ao processamento do conhecimento em suas variadas formas, então, o fenômeno da significação diz respeito à Psicologia Cognitiva. Entre as principais teses da semântica cognitiva encontramos a significação (meaning), estudada como uma parte própria da cognição humana e não como uma parte de uma estrutura lingüística autônoma (Marcuschi, in press; pp. 14-18). Inúmeros teóricos têm requisitado esta direção, da significação, para estudos em Psicologia Cognitiva. Walkerdine (1988), por exemplo, afirma que os aspectos psicológicos do engajamento de pessoas na produção de signos não têm sido diretamente discutidos pela Psicologia do desenvolvimento. Simon e Kaplan (1989) referendam esta idéia, afirmando que a Psicologia Cognitiva é o estudo do pensamento humano, ou seja, dos mecanismos pelos quais as pessoas agrupam (gather), processam, estocam e utilizam conhecimentos. As três maiores questões que delimitam o campo da Psicologia Cognitiva são: (a) qual é a arquitetura do sistema cognitivo? (b) Em quais formas de representação a informação é codificada? (c) E por quais tipos de processos essa informação é tratada? Certamente o processo de construção de significados vai se adequar tanto àquela definição como pelo menos parte das respostas a estas questões.

Percy (1994), por sua vez, reivindica o foco das investigações na construção de significados, criticando, ao mesmo tempo, a direção clássica dos estudos em Psicologia, cujo foco tem sido primeiro sobre o comportamento e depois sobre o processamento de informações, mais do que sobre a construção de significados (meaning-making). Reivindica ainda, como Bruner, o estudo do processo de significação pela Psicologia, afirmando que deve haver um esforço para eleger o significado como conceito central da Psicologia e uma busca para descobrir e descrever os significados que os indivíduos criam na interação com o mundo, assim como propostas específicas sobre o processo de construção de significado (meaning-making).

Searle (2000) é mais um dos estudiosos que, pode-se dizer, vem perseguindo as questões relacionadas ao processo de construção de significados, ilustrando suas próprias indagações através de questões como esta: “Como pode esse estado [uma crença, por exemplo, que Clinton era presidente dos USA] do meu cérebro – que consiste em coisas como configurações de neurônios e conexões sinápticas, ativadas por neurotransmissores – ‘significar’ alguma coisa?” (p. 87). Questões que para ele não poderiam ficar sem resposta. Estas são, claro, indagações que não serão respondidas por alguns poucos anos de investigações.

De acordo com Vygotsky, quando refletia sobre a gênese dos processos de pensamento e linguagem discutindo os experimentos de Köhler com chimpanzés, o ponto central que inclusive nos diferencia dos outros animais, até daqueles mais semelhantes, seria o emprego funcional dos signos, ou seja, a nossa capacidade de construir significados e que precisa ser melhor compreendida. Ainda de acordo com Vygotsky e também com Bakhtin, discutidos em Freitas (1996), a relação da Psicologia com a construção de significados é muito clara, uma vez que o signo é um produto social cuja função é gerar e organizar processos psicológicos, realizando a mediação do indivíduo com os outros e com ele mesmo,

torna-se a forma mais adequada para a investigação da consciência humana. Se conseguirmos acompanhar ao menos parte ou mesmo apenas hipotetizar os movimentos contidos neste processo, possivelmente derivaremos daí informações relevantes. Supondo que esclarecimentos a respeito deste processo indubitavelmente trará significativas contribuições para estudos cujo objeto relaciona-se ou depende também dos achados de investigações em Psicologia Cognitiva, especialmente para as relações entre a Psicologia e a Educação. Em suma, o respaldo para tomar tal processo como relevante objeto de estudo da Psicologia Cognitiva, no meu entendimento, é fornecido por vários estudiosos.

Como afirmei anteriormente, verificamos uma escassez de estudos empíricos mais diretamente relacionados a este processo e isto se torna bastante incomodo quando se refere a processos considerados essenciais para a cognição humana. Na realidade, parece que continuamos nos esquivando de alguns problemas, como se estivéssemos apenas maquiando a superficialidade da Psicologia clássica que nós mesmos denunciamos. Há mais de meio século, a chamada “revolução cognitiva” protestou contra a superficialidade das investigações psicológicas e, essencialmente, contra a recusa em se trabalhar processos ditos subjetivos – entendidos como aqueles que não eram diretamente observáveis – e ainda contra a invalidação ou desvalorização de pesquisas que abordassem tais temas. A transformação da Psicologia aparentemente ainda não aconteceu totalmente, por este motivo alguns estudiosos sugerem que tomemos tais temas como objeto de estudo, pois os “problemas fáceis foram resolvidos. Agora nos atracamos [devemos] com os que são mais difíceis.” (Kandel, 1995; apud Horgan, 2002, p. 60). Nos é lembrado também que as “explicações [são] apenas parciais para os ‘mistérios da significação´, ou para o processo de aquisição da linguagem, ou ainda para a organização e a constituição dos processos cognitivos e seus transtornos [...].” (Morato, 1996, grifo nosso, p. 13).

O fato das atuais análises e discussões sobre o tema apresentarem-se de forma essencialmente teórica não deve significar inviabilidade ou inacessibilidade empírica. Pelo contrário, como afirma Maturana (2001), em princípio não existem restrições quanto ao tipo de fenômeno que pode ser abordado e explicado cientificamente, mesmo que sejam considerados muito abstratos. Enfim, observo que o incômodo com a falta de clareza, em relação a alguns conceitos centrais para a Psicologia cognitiva, é declarado por diferentes vozes. Tentar esclarecer a dinâmica deste processo, na minha compreensão, deve ser uma tarefa levada a cabo também ou principalmente pela Psicologia Cognitiva, embora com o suporte e cumplicidade de várias outras disciplinas cujo objeto relaciona-se da mesma maneira à importância da construção de significados para as funções psicológicas superiores, especificamente humanas. Reforço que tentar demonstrar a construção deste processo, pode nos trazer tanto novas e relevantes questões como contribuições para ambientes cujo objetivo é colocar este processo em andamento, a exemplo da Educação.

Dessa maneira, acredito que um estudo, ainda que exploratório e restrito ao contexto da brincadeira infantil, poderá trazer esclarecimentos sobre o processo de construção de significados e, neste sentido, significativas contribuições para a Psicologia Cognitiva e ciências que de alguma maneira dependem também dos avanços desta para o seu próprio progresso.

Na próxima sessão, apresento mais diretamente os objetivos deste estudo, assim como discuto o contexto empírico no qual esta investigação foi realizada.