• Nenhum resultado encontrado

Material: os mesmos objetos utilizados com as “crianças principais”.

Criança 4 Sozinha [15’58”]

Como observado nas outras análises, ao chegar no ambiente, a criança inicialmente observa/analisa os brinquedos para somente depois manipulá-los, ou seja, procede de maneira semelhante independente da idade. Vale salientar que esta análise por parte da criança não parece um reconhecimento aleatório do ambiente ou dos brinquedos, pelo contrário, a criança parece fazer uma observação de forma a dar um sentido de conjunto aos brinquedos. A criança 4, por exemplo, aparentemente procura realizar algum tipo de classificação/organização para os brinquedos, possivelmente procurando definir uma forma de brincar com aqueles objetos. Esta postura relaciona-se às evidências encontradas na primeira parte, às quais demonstram que os artefatos participam da definição ou direção dada à atividade. [Características emergentes Percurso para a construção de significados e Artefatos

Exemplo 1

Cr4: Eu tenho três. (Mostra três dedos) E: Três anos?

Cr4: (Balança a cabeça que sim e volta a fazer a bicicleta andar. Pára, deixa a bicicleta no chão, olha para os outros brinquedos que estão do outro lado, põe a mão na boca, inclina-se e pega uma boneca comprida com capuz rosa (a boneca "mãe") [OBSERVA/EXPLORA/MANIPULA]. Volta a sentar com as pernas cruzadas no chão e agora com a boneca na mão, olha em volta [ANALISA/SELECIONA]. Mexe nos brinquedos que estão ao seu lado (não dá para ver quais porque está na frente deles). Faz um movimento como quem vai colocar a boneca junto dos brinquedos ao seu lado, mas se inclina e coloca onde estava antes . Pega algo, olha para ele e senta com o objeto na mão, inclina-se para o lado e coloca-o no outro grupo de brinquedos. [ORGANIZA/CLASSIFICA].

Observa-se então que a criança primeiro analisa, depois realiza uma espécie de classificação dos brinquedos que vai ficando cada vez mais clara no decorrer da observação.

A criança não verbaliza e parece está constantemente examinando os brinquedos à sua volta. Na análise da sua atividade vai ficando claro mais um possível nível do processo de construção de significados, um procedimento resultante da análise que a criança faz dos objetos disponíveis: organizar/classificar os brinquedos em diferentes grupos. Pode ser um procedimento de análise do percurso da construção de significados, não observado com clareza anteriormente. Pode ainda ser característico da faixa etária, por este motivo não observado na parte I com as ‘crianças principais’. E é possível ainda que a criança esteja construindo um enredo internamente, assim, estaria procurando classificar os brinquedos de acordo com a estória que estava criando, embora não a estivesse externalizando (como veremos em outro exemplo mais adiante). [Características identificadas Construção de

Narrativas e a possibilidade de um nível intermediário no Percurso da significação].

Relacionando tais evidências ao cotidiano escolar, estas remetem às escolhas das ferramentas a serem utilizadas com aprendentes em ambientes de aprendizagem e nos alertam sobre a necessidade destas escolhas não serem banalizadas ou aleatórias. Os critérios para estas seleções devem ser bem delineados e estreitamente relacionados ao conceito que se pretende abordar. Este cuidado deve ser tomado independente do nível de ensino. Embora

pode-se lembrar, considerando a faixa etária desta criança, que estas observações são ainda mais importantes quando nos referimos à educação infantil, cuja compreensão do indivíduo da sua inserção naquele espaço é limitada. Além de ser nesta fase que se estabelecem os primeiros vínculos ou tipo de relação que ele ou ela terá com a aquisição de conhecimentos.

Outra característica mais uma vez confirmada foi a aparente necessidade da criança de construir uma narrativa, um enredo relacionado à atividade que está engajada. Desta maneira, a importância de construir um sentido para a situação, lugar, material e pessoas envolvidas.

A alternativa levantada no item anterior – inicialização de um enredo – parece se confirmar na continuação da brincadeira da criança, ou seja, ela parecia está classificando os brinquedos de acordo com um enredo ou auxiliando, através desta classificação, o enredo que estava construindo internamente, vejamos o exemplo abaixo.

Exemplo 2

Cr4: [...] Inclina-se e pega o "chuveiro" azul, mexendo nele ainda inclinada. Toca um objeto, mas pega o microondas, larga no chão, pega o fogão e coloca perto do "chuveiro". Olha para o outro lado, põe a mão na boca e vem para o lado direito novamente onde estão o "chuveiro" e o fogão. Pega a boneca outra vez (“mãe”), olha para os pés dela, inclina-se, pega o sapato da boneca, olha em volta e coloca nos pés da boneca. Levanta o microondas. Quando vai colocar a boneca em pé, o sapato dela cai. [Parece está organizando as coisas de uma casa, a boneca poderia ser a dona desta ‘casa’]

[Características evidenciadas Construção de narrativas e Percurso da significação].

Essa possibilidade de construção de um enredo vai se confirmando durante toda a brincadeira ‘solitária’ desta criança, embora, como veremos, a construção continue mesmo depois da chegada da outra criança.

Exemplo 3

[...]

Olha para a boneca, dobra as pernas novamente e fica mexendo na roupinha dela enquanto também move a boca como se estivesse falando, mas sem emitir som. Coloca o capuz da boneca e o ajeita. Deixa a boneca ao seu lado no chão sem deixar de tocá-la e olha em volta para os brinquedos. Inclina-se, chega mais perto da casa e pega a moto, voltando à posição anterior, mas logo em seguida se inclina outra vez com a moto na mão e pega um boneco ("pai"), voltando a sentar. Deixa a moto deitada no chão na sua frente e segurando o "pai" de cabeça para baixo traz ele para a frente, pega a moto e tenta colocá-lo em cima da moto. A moto cai e a criança ajeita as pernas do boneco antes de levantar a moto. Larga o boneco no chão ao lado da "mãe". [Aparentemente, então, há uma continuidade nos movimentos da criança e que sugere a construção de uma narrativa; nestes movimentos a criança continua observando/explorando para depois selecionar, manipular/organizar, testar, analisar e assim por diante ao recomeçar um novo movimento dentro da mesma atividade].

[...]

Olha para o outro lado, aproxima-se da casa (caixa-casa), sentando-se sobre as pernas e fica olhando para a casa. Depois, vira-se, sentando de costas para a casa, ainda olhando em volta. Bate com a mão em alguns brinquedos, olha para eles e inclinando-se pega o "chuveiro", abre sua porta e mexe nele, movendo a boca como se estivesse falando. Larga o "chuveiro" no chão e pega uma cadeirinha, coloca-a no lugar e pega uma mesinha retangular botando-a ao lado de outra mesinha, pega-a novamente e coloca ao lado da outra mesinha. Pega outra cadeirinha e quando vai colocá-la junto da mesinha, bate e derruba a mesinha. Ainda está falando sem sair nenhum som. Ajeita as mesinhas e a cadeira. [Claramente observamos uma seqüencialidade nas escolhas e movimentos da criança com os brinquedos, ou seja, há uma correspondência entre suas ações].

Assim, a criança continua até a chegada do seu par, como se construísse um discurso (movendo os lábios), enquanto manipula brinquedos que parecem participar de uma estória, dada a correspondência entre os brinquedos que seleciona e manipula.

Isso parece confirmar também a necessidade da criança de ligar coerentemente os artefatos selecionados a um enredo. Esta necessidade de relacionar os objetos de forma a englobá-los em um enredo pode está refletida, pensando mais uma vez nas implicações para o contexto escolar, na freqüente falta de estímulo na escola. Isto porque as disciplinas e ou conteúdos de uma mesma disciplina muitas vezes são ‘trabalhados’ de maneira isolada. Este isolamento freqüentemente leva à uma não compreensão da sua relevância e, assim, ao desinteresse do/da aprendente.

Além do seu constante movimento nos lábios e a seqüencialidade na seleção dos brinquedos, as ações da criança na brincadeira, parecem confirmar a construção de um enredo. Tais ações, no entanto, podem parecer em uma primeira análise não relacionados, aleatórias, pois a criança pega e solta objetos várias vezes. Mas analisemos o recorte abaixo.

Exemplo 4

Ainda com a boneca no colo (bebê), olha em volta, toca em alguns brinquedos que estão a sua frente, toca na boneca e coloca-a na caixa, sempre mexendo a boca como se estivesse falando. Inclina-se e pega a geladeira vermelha . Abre e mexe dentro da geladeira, colocando-a, com a porta aberta, para baixo, depois fecha-a e bota no chão, em pé. Pega o "balcão" vermelho e mexe nas suas portas (do armário em baixo do balcão da cozinha) . Tenta abrí-lo. A porta do "balcão" faz barulho e a criança olha para o dedo. Deixa o "balcão" no chão, de cabeça para baixo. Pega uma chupeta e imediatamente larga no chão. Pega o "bebê" e a mamadeira e com o "bebê" apoiado no joelho, coloca a mamadeira na boca da boneca, dando de mamar – uma mão segura a cabeça da boneca e a outra segura a mamadeira. Depois, tira a mamadeira e coloca no chão, em pé. Pega a chupeta do chão e põe na boca da boneca, depois coloca o "bebê" novamente na caixa/cama e olha para trás.)

Veja que podemos inferir todo este movimento da criança como, ao contrário do que se vê numa primeira análise, totalmente correspondente. Observe que a criança está mexendo em móveis da cozinha, lugar onde geralmente se guarda e prepara comida, estreitamente relacionado ao que a criança faz logo depois: alimenta o bebê. Depois de ir à geladeira e ao balcão da cozinha, a criança pega uma mamadeira, como se a tivesse preparado naquele momento, e dá ao bebê. Posteriormente, a criança coloca o ‘bebê’ para dormir, procedimento comum após alimentar uma criança pequena.

Essa possibilidade reforça a afirmativa de que as ações das crianças, mesmo as crianças pequenas (lembrando que esta estava com três anos de idade), não são aleatórias e parecem encontrar-se em constante busca de construção de significados, ainda que isso não esteja ostensivamente delineado nos movimentos ou através de um discurso. [Identifico aqui a característica de Construção de Narrativas].

Mas foi somente depois de aproximadamente dez minutos que a criança começou a brincar que pude observar com clareza um movimento de ‘arrumação’ dos móveis em miniaturas (da casa) o que acontecia logo de início com as crianças mais velhas (crianças principais). No entanto, esta criança não fez menção a arrumar tais móveis dentro da casinha. Ela apenas ficou em frente à casinha, observando-a e logo depois classificou e arrumou os móveis da casa; porém, neste momento (de efetiva arrumação), a criança estava de costas para a casinha e ‘arrumava’ os móveis fora desta (como descrito na segunda parte do exemplo 3 acima). [ Característica Artefatos definem a atividade/brincadeira].