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2.4. ELEMENTOS DA ECONOMIA DOS TRANSPORTES APLICADOS AOS TRANSPORTES

2.4.1. Fundamentos da Teoria da Regulação Econômica

2.4.2.2. Por que Licitar?

De início, salienta-se que o racional subjacente às discussões conduzidas nesta subseção foca o caso das aquisições públicas, porquanto o TPUO, objeto desta Tese, é considerado serviço público no Brasil.

Uma licitação não deveria ser realizada apenas para o atendimento a uma formalidade jurídica, mas sim, e talvez essa seja uma das principais razões de ser de uma licitação, para que se escolha uma empresa produtora que apresente eficiência interna, ou seja, uma empresa produtora que tenha eficiência produtiva (KENNEDY, 1996a). Nesse sentido, Domberger et

al. (1986) citam que a competitividade inerente a procedimentos de competitive tendering

resulta em ganhos de eficiência interna. Por conta disso, convém salientar que os motivos econômicos para a condução de licitações são tão ou mais importantes que os motivos jurídicos, estes de alguma forma derivando daqueles.

Destaque-se que uma empresa tem eficiência interna (ou produtiva) se produz determinado produto utilizando uma combinação de insumos que tenham os menores custos possíveis para determinado padrão do produto. Assim, através da licitação, de um processo que se supõe competitivo, se busca contratar uma empresa produtora que apresente menor custo de produção para determinado nível de serviço especificado no edital da licitação (KENNEDY, 1996a; HENSHER, 2007). Caso essa não fosse a principal razão de uma licitação, todo o procedimento licitatório não passaria de um exercício de cosmetologia, para puro atendimento formal a uma exigência legal.

Kennedy (1996a) apresenta um resumo de como se processam os leilões (i.e. licitações) públicos. O primeiro passo em um processo licitatório é o desenvolvimento, por parte da Administração Pública, do edital (ou termos) da licitação, que conterá definição de especificações que indiquem quantidades e qualidade do produto/serviço a ser fornecido pela empresa vencedora da licitação. O edital também deverá conter o critério definidor do

vencedor da licitação. Usualmente as empresas que disputam uma licitação apresentam suas propostas em envelopes fechados, a serem abertos em uma data previamente agendada no edital da licitação. Após abertas as propostas, é escolhido o vencedor da licitação, que assinará um contrato com a Administração Pública.

Kennedy (1996a) diz que as preocupações da Administração Pública com o provimento dos serviços não devem se extinguir com a conclusão da licitação, e adiciona que durante a execução dos contratos é necessário que a Administração Pública monitore o vencedor da licitação, a fim de fazer com que o vencedor produza as quantidades do produto licitado com a qualidade especificada no edital da licitação. Esse enforcement por parte da Administração Pública é essencial para que a finalidade da licitação, de estimular a eficiência interna da empresa produtora, seja atingido, pois na ausência dessa atitude da Administração Pública a empresa sempre procurará aumentar seu lucro através do não provimento do produto nos níveis de qualidade especificados em edital.

McAfee e McMillan (1987) respondem o porque de realizar leilões analisando a questão a partir do problema da assimetria de informações que, em concordância com Hayek (1945), afirmam estar sempre presentes em quaisquer atividades econômicas. Hayek (1945) dizia, ao discutir a natureza do problema econômico enfrentado pela sociedade, qual seja, a maneira de fazer melhor uso dos meios disponíveis, que a assimetria de informações é uma característica peculiar do problema econômico, e que a assimetria decorre do fato de que o conhecimento das circunstâncias para a solução de determinado problema econômico nunca existe de forma concentrada ou integrada, mas sim através de fragmentos de informação dispersos, incompletos e frequentemente contraditórios, que cada indivíduo, separadamente, possui. Por conta disso, dizia Hayek (1945) que o "problema econômico da sociedade não é meramente um problema de como alocar determinados recursos (...) mas sim um problema de como garantir, para a sociedade como um todo, o melhor uso de recursos conhecidos apenas por alguns membros da sociedade, para propósitos cuja importância relativa apenas esses membros conhecem" (HAYEK, 1945, p. 519-520, tradução nossa).

Assim, McAfee e McMillan (1987), ao dizerem que as assimetrias de informação têm influência determinante no sistema de formação preços, afirmam que o estudo dos leilões provê uma maneira de atacar o problema da formação de preços, de descobrir como os preços são formados e estabelecidos, e de modelar o comportamento estratégico dos agentes

envolvidos nessa formação quando se encontram diante de informação incompleta. Krishna (2010) diz que leilões são empregados precisamente porque o procurer não tem certeza sobre os valores que os licitantes atribuem ao objeto que está sendo vendido (ou comprado), ou seja, o máximo valor que cada licitante deseja pagar (ou cobrar) pelo objeto. Assim, o estudo dos leilões (a Auction Theory) procura contornar as incertezas inerentes à formação de preços em ambientes naturalmente caracterizados por assimetria de informação, incertezas que se traduzem no receio de vendedores de se depararem com curvas de demanda descendentes e de compradores de se depararem com curvas de oferta crescentes. Dito de outra forma, leilões são mecanismos para estabelecer preços de produtos e serviços cuja formação de preços contém incertezas, seja no lado da oferta, seja no lado da demanda, em um determinado momento.

Hensher (2007) menciona que, entre diferentes práticas públicas desenvolvidas a fim de aumentar a competitividade em contratações no setor de transportes, licitações públicas têm sido uma política de intervenção muito difundida. Todavia, Hensher (2007) diz que licitações não conseguem inserir nas contratações delas decorrentes adequados níveis de qualidade de serviços, razão pela qual sugere preferir outra forma de contratação, os PBCs.

Bajari e Tadelis (2011) citam como razões para a adoção de licitações: estimulo e promoção da competitividade; possibilidade de participação de licitantes de diversos lugares; possibilidade de atingimento do verdadeiro valor de mercado do objeto em disputa; possibilidade de transparência processual, o que pode prevenir a corrupção; isonomia e iguais chances de participação a interessados qualificados para a contratação que se pretende realizar. Bajari e Tadelis (2011) dizem que esses fatores são, inclusive, um dos motivos de o porque nos EUA a Federal Acquisition Regulations (FAR) defender o emprego de CT nas aquisições do setor público norte-americano.

Por sua vez, Chong et al. (2014) citam como razões para preferências da realização de leilões sobre negociações: a assunção de que leilões permitem descobrir fornecedores com o menor preço a um nível de qualidade predeterminado; leilões são vistos como uma maneira de evitar favorecimento e garantir igual oportunidade a potenciais fornecedores; prevenir práticas colusivas e corrupção.

Bajari e Tadelis (2011) dizem que a adoção ou não de procedimentos de CT se enquadra no que se denomina de problema da aquisição (procurement problem). Explicam os autores que mercadorias manufaturadas, tais como computadores, automóveis, entre outras, têm características padronizadas e tipicamente são adquiridas por meio de preços que se podem previamente definir. Outros produtos, como serviços de consultoria, serviços em geral, softwares, entre outros, são desenvolvidos para atingir uma especificação pré- determinada/solicitada pelo procurer, são produtos feitos por encomenda, portanto, para os quais não se tem, a priori, um preço/valor de mercado. Bajari e Tadelis (2011) dizem que é exatamente nessa segunda situação que surge o que denominam de problema da aquisição (procurement problem), que corresponde ao impasse que o procurer enfrenta em face do objeto que deseja adquirir: qual tipo de mecanismo de aquisição adotar? Bajari e Tadelis (2011) dizem que muitos casos têm sido solucionados por meio de procedimentos de CT, todavia mencionam que certas situações não apresentam resultados satisfatórios se contratados por meio de CT, pois nessas situações procedimentos de CT levariam a perdas de eficiência. Por conta disso, Bajari e Tadelis (2011) dizem que, nesses casos, a solução seria a adoção de negociações.

Com a ressalva de que mecanismos de aquisição por meio de negotiations fogem ao escopo desta Tese, convém dizer que, de alguma forma, Bajari e Tadelis (2011), que focam

procurements de um prisma genérico, alinham-se a Hensher (2007), que advoga o emprego de

PBCs para os processos de procurement quando da contratação de serviços de TPUO. Na verdade, Bajari e Tadelis (2011) entendem que a solução para o procurement problem, ou seja, a escolha do mecanismo de aquisição, passa pela definição do mecanismo de pagamento e da forma de contrato a adotar, se contrato de preço máximo (fixed-price contract) ou se contrato com remuneração do custo de produção (cost-plus contract).

Nesse sentido, Bajari e Tadelis (2011) defendem que se se está diante de objetos em que a possibilidade de alterações contratuais ex post processo de aquisição (quer por motivos de erros de projeto básico, quer por condições imprevistas, quer por alteração de requerimentos regulatórios) é pequena, dever-se-ia adotar fixed-price contracts, para os quais procurements do tipo CT seriam mais adequados. São situações em que se depara com o que os autores chamam de objetos simples, fáceis de projetar, em relação aos quais se tem poucas dúvidas do que se precisa produzir e que, por isso, devem ser desenvolvidos projetos com elevado nível de completude, a fim de evitar necessidade de alterações contratuais ex post processo de

aquisição. Para o caso oposto, em que são enfrentados objetos com elevadas possibilidades de alterações contratuais ex post processo de aquisição, dever-se-iam adotar cost-plus contracts, para os quais procurements do tipo negotiations, com proponentes qualificados e de boa reputação, seriam mais adequados. São situações em que se depara com o que Bajari e Tadelis (2011) chamam de objetos complexos, difíceis de projetar, na medida em que apresentam escopo elevado para surpresas durante a execução contratual. Chong et al. (2014) também entendem que leilões seriam mais indicados para objetos simples, enquanto objetos mais complexos seriam mais adequadamente contratados por meio de negociações.

Hensher (2007) salienta que, porque aquisições por meio de CT procuram selecionar o menor preço possível dentre os licitantes, um de seus efeitos colaterais é a potencial perda de qualidade no provimento dos serviços, porquanto os contratados procurarão reduzir seus custos operacionais para obterem lucro, inclusive por meio de descumprimento contratual dos padrões de qualidade contratados.

Boitani e Cambini (2006), após analisarem resultados de procedimentos licitatórios para a contratação de serviços de transportes urbanos por ônibus em algumas cidades italianas, e diante da pouca quantidade de participantes, da vitória quase frequente dos incumbentes nas licitações, advogam que se condições políticas em favor de procedimentos licitatórios mais efetivos não forem estabelecidas, dever-se-iam considerar outras formas de contratação dos serviços.

Yvrande-Billon (2005), ao analisar a experiência francesa de contratação de transportes urbanos por ônibus, relata fracassos nos resultados obtidos, que não conduziram a melhor

performance dos operadores, e atribui esse fracasso à falta de expertise das autoridades

públicas e práticas colusivas entre os incumbentes.

Saliente-se, todavia, que Boitani e Cambini (2006) concordam com Yvrande-Billon (2005) quando afirmam que experiências negativas não necessariamente devem levar à conclusão de que procedimentos licitatórios não são mecanismos adequados para a contratação de serviços de transportes urbanos por ônibus, pois os resultados negativos podem ser decorrentes de falta de aderência a determinadas condições.

Por sua vez, Domberger et al. (1986, 1987) referiram experiências em que procedimentos de

competitive tendering conseguiram reduzir custos sem provocarem sacrifícios na qualidade de

serviço. Em adição, Domberger et al. (1995) citam casos em que procedimentos de

competitive tendering não apenas reduziram custos, como também aumentaram níveis de

qualidade de serviço. É verdade que Domberger et al. (1986, 1987, 1995) não analisaram procedimentos de competitive tendering de serviços de transporte coletivos por ônibus, e sim serviços de coleta de lixo, de coleta de resíduos hospitalares, e de limpeza, mas seus achados não podem ser negligenciados.

Em relação a sistemas de transporte urbano de passageiros por ônibus em duas cidades polonesas, Wolanski (2013) cita que a introdução de mecanismos de competitive tendering para a delegação dos serviços aumentou a percepção, por parte dos usuários, da qualidade dos serviços, e que essa percepção é tão maior quanto maior o enforcement (fiscalização) exercido pelo Poder Público. Nesse mesmo sentido, Beck (2009) diz que, por conta do estabelecimento de requerimentos de qualidade cada vez mais exigentes, os procedimentos de competitive

tendering realizados para a contratação de serviços de transporte urbano de passageiros por

ônibus em diversas cidades da Alemanha têm aumentado consideravelmente a qualidade dos serviços, inclusive com aderência a requisitos ambientais sustentáveis.

A esse respeito, ainda que sem relacionar o fato ao mecanismo de aquisição, Kennedy (1996a) menciona, ao apresentar motivos para a adoção de mecanismos de competitive tendering, que uma eventual queda da qualidade dos níveis de serviço pode mais sugerir falta de monitoramento e enforcement por parte do Poder Público, bem como falta de execução de penalidades contratuais às empresas prestadoras de serviços por conta de inadimplemento contratual. Assim, Kennedy (1996a) indica que, tomados os adequados procedimentos, procedimentos de competitive tendering não conduzem à redução de qualidade na prestação de serviços.

Assim, neste Tese se alinha com o entendimento de que procedimentos de competitive

tendering podem conduzir a contratações que apresentem maior eficiência interna, desde que

o Poder Público seja capaz de adequadamente especificar e monitorar os serviços providos pelas empresas particulares vencedoras das disputas licitatórias, bem como coloque em prática instrumentos para coibir arranjos colusivos entre os interessados nos leilões, desde adequada modelagem dos leilões a politicas antitruste.