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2. ANÁLISE QUANTITATIVA DA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU DE

3.3 O processo do mestrado

3.3.1 Por que mestrado?

Suprir deficiências da graduação

O principal motivo destacado pelos mestrandos e pelos orientadores para cursar o mestrado foi suprir deficiências da graduação, relato mais evidente na fala dos mestrandos de Engenharia Civil e Direito:

ECH3: procurei isto, a arte de química, por exemplo, nas disciplinas, foi um grande complemento ao meu curso. ECH Or.: são, em geral, alunos muito mal preparados em nível de graduação.

ECM1: no meu caso existia uma deficiência da graduação, conceitos que eu vi pela primeira vez, ... tem coisas que você percebe que já deveriam estar fixadas e que você está vendo pela primeira vez.

ECM2: Eu acho que foi insuficiente porque eu busquei uma área que era muito superficial dentro da nossa área, como eu não pude fazer engenharia de materiais, vou me especializar na área de materiais de construção, que a parte de geologia, você vê alguma coisa na parte de concreto, mas aula assim não dá para falar que viu, dá para falar que viu mas nada muito, é deficiente, eu não tive uma disciplina de geologia de concretos, geologia de argamassa, e o pessoal de materiais tem geologia.

ECM3: quando eu me formei … achei que a graduação não era suficiente.

DH3: supre de alguma forma sim, na graduação e a abordagem é mais superficial, na graduação tem só uma disciplina nessa área, ... a gente também não discute dessa forma, eu acho que para mim e a militância foi suprindo muitas deficiências da graduação e a pós vem suprir algo da militância, com a graduação para mim não tem uma relação direta, teve um caminho aí no meio, entre a graduação e a pós-graduação que aí me levou a ver que tem muito mais lacunas na graduação e que tem lacunas na pós-graduação também.

DEF 1: é impossível obter em 5 anos o aprofundamento na área que você deseja e o que eu percebi, fui sentindo que o conhecimento acumulado durante a graduação não me satisfaziam. Eu me julgava incapaz de responder certas perguntas na minha área de atuação, perguntas que surgiam no cotidiano profissional e as nem isto, às vezes uma inquietação pessoal, e eu fiz dois cursos de especialização antes de fazer o mestrado, mas achei que, eu percebia que os profissionais, sendo advogados ou não, que haviam feito o mestrado ou doutorado e não seguido a carreira acadêmica me pareciam muito melhor preparados do ponto de vista teórico do que os demais, ... alguma formação teórica muito mais sólida e aí comecei a querer isto para mim.

DEF2: Sim, principalmente no embasamento filosófico. DEF3: é um aprofundamento que você não consegue ter na graduação, ... é um tipo de pensamento que você tem numa pós-graduação que você nunca vai ter numa graduação porque você não está pronto para ter essa profundidade de pensamento de direito ... só depois que você enfrentou várias vezes os problemas , você teve aquela vivência, aí que sim você vai começar a fazer as grandes questões, aí você vai procurar afirmar sua posição em relação às questões mais filosóficas ou mais formativas, aí você já está na pós, se você se questionou

aí você vai procurar a pós, tem gente que não questiona, tem gente que se satisfaz se tem uma solução lá que funciona vai fazer a vida inteira assim.

Somente um mestrando de Medicina apontou este motivo:

MDIP1: a idéia da pós é você se preparar com algumas ferramentas que eu não tive possibilidade durante a graduação, na residência a gente não teve este preparo, então agregar algumas ferramentas que podem ser utilizadas em pesquisa em assistência.

Os mestrandos de Clínica Médica (Oliven, Neves, 2002), Engenharia Civil (Sampaio, Velloso, 2002) e Direito (Martins, Carvalho, 2003), da década de 1990, não buscaram o mestrado para suprir deficiências da graduação, ao contrário dos mestrandos de Direito e Engenharia Civil entrevistados na presente pesquisa, e os pós-graduandos de Psicologia da década de 1990 (Sanchez, 1992).

Para Buarque (1994), referindo-se à universidade dos anos de 1980 e 1990, a pós-graduação que seria o melhor espaço da universidade para a reflexão de novas idéias, o centro privilegiado da produção de pesquisas, sofreu no Brasil o desvio de se transformar em um programa formal de ensino para compensar as deficiências da graduação, parecendo mais um curso de terceiro grau do que um centro de avanço do conhecimento e de produção de pensamento. No entanto, a preocupação com as deficiências do nível de graduação do ensino superior é anterior a essa época, anterior

ainda ao processo de expansão acelerada das instituições privadas da década de 1970.

Cunha (1983) referia que, já na década de 1950, havia um esforço na montagem de um aparelho extra-universitário de pesquisa científica e tecnológica na tentativa de suprir as deficiências das universidades, reconhecidas como o lugar próprio onde a pesquisa deveria ser realizada. O próprio CNPq proclamava em seus relatórios a necessidade da modernização do ensino superior no Brasil – sem a qual não haveria pesquisadores –, para a dinamização do ensino superior pela pesquisa científica e tecnológica, praticamente inexistente nas escolas e faculdades da época.

Florestan Fernandes (1979), analisando o ensino superior da década de 1970, aponta que o padrão brasileiro de escola superior pressupunha um ingrediente externo, especificamente político, relacionado ao sistema de poder de uma sociedade de estrutura oligárquica. As inconsistências e deficiências crônicas da escola superior brasileira eram ao mesmo tempo estruturais e dinâmicas, pois nunca chegou a contar com recursos materiais e humanos adequados, uma vez que era vista à luz do uso que a sociedade fazia dos seus graduados e dela própria, sendo que os recursos materiais e humanos colocados à sua disposição implicavam em dois tipos de efeitos

sociopáticos: a falta de condições para gerar o seu crescimento como um

processo institucional propriamente dito e a incapacidade de resguardar os seus dinamismos educacionais ou culturais, convertendo-se em uma

instituição carente de autopropulsão. As deficiências favoreceram o atrofiamento de duas de suas funções específicas que eram exercidas de fato: a transmissão dogmática de conhecimentos e a preparação de profissionais liberais. Impossibilitaram, ainda, a aquisição de duas das funções específicas que não se atualizaram: a produção de conhecimento original, principalmente através da expansão da pesquisa, e a formação de um horizonte intelectual crítico, dirigido para a análise da sociedade brasileira, da situação da civilização ocidental moderna e das grandes opções históricas com que se defronta a humanidade daquela época. Essa inconsistência, para Florestan Fernandes, era decorrente da ausência de uma mentalidade universitária adequada à concepção do mundo na era da ciência, da tecnologia científica e do planejamento em escala social bem como a influência das elites no poder que encaravam a escola superior como um símbolo de "civilidade" e de progresso social, que trouxe conseqüências negativas como a especialização, o isolamento e a incapacidade de autocrescimento, tornando-se a escola superior uma instituição condenada ao definhamento e à apatia relativa. Estabeleceu-se, portanto, um ponto morto de equilíbrio, que imprimiu ao padrão brasileiro de escola superior um profundo caráter sociopático, justificado em termos da

razão, do progresso e da alta cultura, mas que não trabalhava nessa

direção, pois aderia, estrutural e funcionalmente, à concepção conservadora do mundo e às suas implicações educacionais, culturais e políticas.

Portanto, suprir as deficiências do ensino de graduação bem como buscar uma formação de qualidade ainda são um desafio a ser enfrentado,

tanto pelas universidades que desenvolvem pesquisa conjuntamente com o ensino e a extensão quanto pelas demais instituições de ensino superior voltadas prioritariamente ao ensino.

Desenvolver raciocínio analítico

Desenvolver o raciocínio analítico é um aspecto que está relacionado ao anterior de suprir deficiências da graduação, já que uma boa formação pressupõe o desenvolvimento de raciocínio crítico. Este relato também foi mais freqüente no relato dos mestrandos de Engenharia Civil e Direito do que de Medicina:

ECH3: primeiro porque eu gosto de estudar, praticamente eu nunca parei de estudar ..., estudava por minha conta até coisas que não interessava muito, então o prazer, a vontade de aprender, a recompensa por ter aprendido.

ECM3: sempre gostei de analisar criticamente as coisas, e a graduação não te possibilita isso, … não tem aquele foco de despertar a consciência, o senso critico, … o mestrado era uma forma de te despertar através de uma pesquisa, analisar criticamente, entender as coisas. ECM Or.: uma expectativa de muitos mestrandos em se especializarem em uma área, e o esforço que eu trabalho é de ensinar, não é especializá-los num assunto que é uma coisa insignificante, é capacitá-los a pensar e a enfrentar qualquer assunto, capacitar eles a realizar medidas, a enfrentar , discutir as coisa de frente com uma pessoa que não vai gostar de ouvir o resultado dele porque implica custo para a fábrica, são experiências,

capacitar ele a escrever um artigo com rigor científico, isto ele vai usar, serve para qualquer assunto.

MDIP2: porque eu acho que é uma forma de te obrigar a estudar e a aprender, eu sempre tive vontade, não é recente, só foi adiada.

DH1: eu sempre tive esse instinto acadêmico, de investigação científica, de procurar saber do porquê das coisas e não só me limitar às normas.

DH2: eu percebi que eu quero aprofundar mais... desperta outras possibilidades de estudo de abordagem e aí quando estava fazendo a monografia, queria estudar melhor isso aí foi, ah vou fazer mestrado.

DH Or.: a procura é mesmo para aprofundamento de conhecimento teórico de alguns conceitos.

DEF1: eu perseguia a possibilidade de deixar de ser na minha área um mero seguidor do que se lê nos periódicos para poder de alguma maneira ser um formador de opinião. Com o mestrado eu achei que era uma maneira de fazer isto.

Para Florestan Fernandes (1979), o treinamento em pesquisa não deve apenas introduzir o aluno nos rudimentos da investigação e da lógica do raciocínio científico, mas deve conferir-lhe condições para alcançar o maior domínio possível sobre determinadas teorias e as técnicas de investigação que elas pressupõem. Para tanto, propõe que o aluno estude em tempo integral, sob a supervisão e o aconselhamento de pesquisadores experimentados, uma vez que a universidade precisa formar um padrão de homem, adaptando sua inteligência criadora à natureza de suas funções na civilização baseada na ciência e na tecnologia científica.

Nesse sentido, é fundamental o papel do orientador como facilitador, para que o orientando desenvolva suas potencialidades autônoma e

criativamente o que certamente é mais trabalhoso, porém mais interessante. (Cavalheiro, Neves, 1998).

Seguir a carreira acadêmica X aproximação com a universidade

Seguir a carreira acadêmica é um motivo mais freqüente relatado pelos mestrandos de Direito, e apenas um dos mestrandos de Engenharia Civil, sendo que nenhum de Medicina apontou esse motivo:

ECH2: e eu sempre gostei de dar aula, dava aula particular ao longo da faculdade, e era uma, e ser professor não era uma opção que eu descartava para atuação futura.

MD1: eu sempre quis desenvolver atividade acadêmica, eu gosto muito de dar aula, de ler, de estudar, e fiquei um tempo, até por contingência profissional sem poder fazer esta atividade, continuar esta atividade depois da residência, que eu consegui o titulo de especialista, e depois de uma certa estabilidade financeira.

DH2: uma possibilidade de poder dar aula, que é também é um sonho, porque meus pais eram professores, e eu sempre tive essa atração pelo magistério.

DH Or.: para dar aulas, assim para se habilitar para a docência.

DEF3: um objetivo acadêmico novo que até o terceiro ano eu não tinha nenhum interesse, a partir daí foi uma coisa crescente até que chegou no estágio atual, decidi fazer mestrado, dar aula é uma coisa que me desperta interesse.

A proximidade com a universidade como motivo para cursar o mestrado não explicitado como anseio de seguir a academia foi mais freqüente no relato dos mestrandos de Medicina, sendo este o motivo para um dos mestrandos de Engenharia Civil:

MD2: aqui no HC quando você termina a residência... comecei a ter contatos com atividades acadêmicas, de aula, de auxílio na parte acadêmica de aula, de contato com residente, e como eu fui gostando disso decidi continuar nesse caminho.

MD3: estava levando minha vida normalmente nesta área até que surgiu a oportunidade de trabalhar na equipe da [Universidade] ficar com residentes, discutir casos, fazer trabalhos científicos, publicar, fui voltando para as atividades acadêmicas e foi o que me trouxe de volta para cá para fazer a pós-graduação.

MDIP3: fiz um estágio opcional no HC, ... naturalmente conheci minha orientadora e as coisas foram acontecendo.

ECH1: eu já vinha fazendo um projeto ... quando eu me formei, já me chamaram para trabalhar lá já com uma bolsa de mestrado.

Spagnolo e Günther (1986) que analisaram a resposta de mestres e doutores de diversas áreas de conhecimento, encontraram que o principal motivo apontado para a realização da pós-graduação foi o interesse pela pesquisa, no entanto a maioria lecionava em nível de graduação (85,4%) e menos da metade na pós-graduação (42,8%), relatando os entraves burocráticos que os impediam de realizar pesquisas.

Para os egressos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo até 1991 (Cohn, et al., 1994), o principal motivo para a realização da pós-graduação foi para aperfeiçoar a carreira de docente (85%), sendo que

75% exerciam esta atividade, no entanto 29,7% dos concluintes de mestrado não se dedicavam à pesquisa. Há de se destacar que boa parte também exercia atividades concomitantes em consultório e trabalhava em hospital.

Para os egressos de mestrado em Dermatologia da UFMG entre 1980 e 1995 (Silva et al., 2000), o principal motivo para a realização da pós- graduação foi a aprimoramento em metodologia científica (86,1%) seguido de aperfeiçoamento da carreira docente (80,6%), no entanto, após a conclusão do curso, a maioria trabalhava em consultório (94,4%), apesar de uma grande parte também exercer atividades de ensino (77,8%).

Na pesquisa organizada por Velloso (2002,2003), foi maior o percentual de pós-graduandos de Clínica Médica (90%) (Oliven, Neves, 2002) que buscaram o curso para aprimorar a carreira acadêmica, que de Direito (70%) (Martins, Carvalho, 2003) e de Engenharia Civil (43,4%) (Sampaio, Velloso, 2003). No entanto, esses egressos apresentam como rumo dominante o mercado e não a academia.

Tanto na presente pesquisa quanto nas demais pesquisas analisadas, o que se observa é uma constante tensão entre o mercado de trabalho e a carreira acadêmica.