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Por que os Dois Mercados Devem Ser Integrados?

A Integração dos Mercados de Energia Elétrica e Gás Natural

6.1. Por que os Dois Mercados Devem Ser Integrados?

De acordo com Jannuzzi e Swisher (1997), as fontes de energia são as formas em que a energia é encontrada na natureza. Estas fontes são, numa segunda etapa, processadas e convertidas em “vetores energéticos” que, por sua vez, são armazenados ou distribuídos para os consumidores finais. Dessa forma, do ponto de vista do planejamento energético, o gás natural é considerado uma fonte e a eletricidade é classificada como um “vetor” oriundo de uma conversão energética.

Nas últimas décadas a integração econômica e operacional entre os setores de energia elétrica e gás natural cresceu muito. Isso se deu, principalmente, devido às vantagens do gás natural em relação a outros combustíveis fósseis em aspectos como sua competitividade econômica e seus baixos impactos ambientais, o que favoreceu seu uso, de forma intensa, na geração de energia elétrica. Além disso, ocorreu um considerável avanço tecnológico com o surgimento de turbinas a ciclo combinado usadas na geração de eletricidade em usinas termelétricas a gás natural, as quais se caracterizam por apresentarem alta eficiência operacional, respostas rápidas e pequeno tempo de instalação. Uma outra importante variável no desenvolvimento da

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integração desses dois setores foi o grande número de fontes de gás natural descobertas em diversos países como, por exemplo, os Estados Unidos, a Europa, a Rússia e a própria América Latina. Esta “sobre-oferta” de gás natural emitiu os sinais econômicos necessários para o desenvolvimento de mercados e a utilização em massa desse produto.

Como discutido em Unsihuay-Vila, C. et al. (2009), esta integração, ou interdependência, entre os setores de gás natural e energia elétrica pode ser explicada e entendida nos âmbitos técnico e econômico.

Do ponto de vista técnico-operacional o despacho das usinas termelétricas afeta fortemente a demanda total e o fluxo de gás natural através dos gasodutos de transporte, caracterizando, assim, uma importante influência do setor elétrico no setor de gás. Por outro lado, o setor de gás natural também impõe uma série de limites e restrições ao setor elétrico, podendo, até mesmo comprometer a operação global de sistemas elétricos com alguma participação de gás natural em seu parque gerador. Abaixo seguem algumas dessas limitações acima mencionadas:

 Restrição de capacidade de injeção de gás natural;

 Contingências infra-estruturais, como a perda de pressão em gasodutos;

 A prioridade, em alguns países, da demanda residencial e comercial em detrimento da termelétrica;

 A limitada capacidade de transmissão das redes de gasodutos.

De forma a facilitar a compreensão do assunto, foi elaborada, por Unsihuay-Vila et al. (2009), uma comparação entre as principais características das cadeias de produção dos setores de energia elétrica e gás natural. A Tabela 6.1 apresenta esta comparação, com algumas adaptações do autor, com o intuito de se explicitar a similaridade destes dois setores em vários pontos de suas respectivas cadeias industriais.

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Tabela 6.1 – Características dos Setores de Energia Elétrica e Gás Natural.

Segmentos Gás Natural Energia Elétrica

Produção

-Poços de Exploração

-Terminais de regaseificação de GNL

-Reservatórios

-Geradores de Energia Elétrica (carvão, nuclear, hidráulica,

eólica, gás natural)

Transmissão -Redes de Alta Pressão -Redes de Alta Tensão

Distribuição -Redes de Média e Baixa

Pressão

-Redes de Média e Baixa Tensão

Consumo

-Pequenos Consumidores (comerciais e residenciais)

-Grandes Consumidores (UTEs, indústrias e estações

de liquefação)

-Pequenos Consumidores

-Grandes Consumidores

Fonte: Unsihuay-Vila et al. (2009) - Adaptação do Autor

Também são destacadas, em Unsihuay-Vila et al. (2009), algumas relevantes analogias físicas entre os setores de energia elétrica e gás natural a partir de uma análise operacional e tecnológica dos equipamentos utilizados em cada um deles. A Tabela 6.2, adaptada pelo autor, traz alguns desses dados comparativos reforçando a idéia de similaridade apresentada por cada uma daquelas indústrias.

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Tabela 6.2- Analogias Físicas Entre os Setores de Energia Elétrica e Gás Natural

Gás Natural Energia Elétrica

Fluxo de gás natural Fluxo de Potência

Diferença de pressão entre dois pontos do gasoduto viabilizando a

movimentação do gás

Diferença de potencial entre dois pontos em sistemas elétricos

Compressores (Pressão) Reguladores de tensão

Válvulas. Fusíveis, breakers

Fonte: Unsihuay-Vila et al. (2009) - Adaptação do Autor

Já do ponto de vista econômico, as empresas de geração termelétrica a gás natural podem e devem participar simultaneamente dos mercados de energia elétrica e gás natural. Em alguns mercados há diversas oportunidades de arbitragem de preços entre as duas commodities. Por exemplo, os agentes geradores termelétricos, de acordo com os preços de mercado do gás natural e da energia elétrica, podem decidir em comprar gás, gerar energia elétrica e vendê-la em seu respectivo mercado ou, se as condições convierem, podem ainda optar por não gerar eletricidade, comprá-la no mercado para suprir suas necessidades contratuais e, ainda, vender o gás excedente no mercado de gás natural. Então, é fácil perceber que, em mercados maduros e integrados, a interação dos preços de energia elétrica e gás natural é crescente, principalmente quando a precificação do gás natural não sofre qualquer indexação direta ao preço do petróleo.

O Gráfico 6.1 mostra a interação dos custos de energia elétrica (bloco em azul) e gás natural (linha escura), entre os anos de 2005 e 2008, no mercado atacadista do Operador Independente do Sistema Elétrico da Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos, ISO-NE (Independent System Operator – New England). Sua matriz de geração elétrica pode, também, ser observada no Gráfico 6.2.

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Gráfico 6.1- Interação entre os Custos de Energia Elétrica e Gás Natural no Mercado Atacadista do ISO-NE (EUA) durante os anos de 2005 a 2008.

Fonte: Annual Markets Report 2008 - Independent System Operator - ISO-NE (EUA)

Gráfico 6.2- Capacidade de Geração de Energia Elétrica do ISO-NE (EUA) por tipo de combustível.

Fonte: New England Electricity Scenario Analisys - Independent System Operator - ISO-NE (EUA)

Quando se analisa os Gráficos 6.1 e 6.2, observa-se uma grande participação do gás natural dentre os combustíveis disponíveis para geração de energia elétrica na Nova Inglaterra. Dessa forma se torna clara a influência do gás natural no custo verificado da energia elétrica naquele mercado, ou seja, quando o preço de mercado do gás natural atinge níveis mais elevados, naturalmente, em função do alto grau de interligação entre os dois mercados, o preço de mercado da energia elétrica também

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sofrerá uma elevação proporcional. Isso ocorre somente devido ao nível de maturidade em que se encontram ambos os mercados.

No Gráfico 6.3, observa-se mais um exemplo da forte correlação existente entre os preços de gás natural e energia elétrica. Dessa vez através dos mercados do Reino Unido.

Gráfico 6.3- Preços Médios Mensais do Gás Natural e da Energia Elétrica no Reino Unido de 2002-08

Fonte: Natural Gas Market Review (2008) – IEA - Adaptação do Autor

Existe uma fortíssima correlação entre estes mercados. Há um claro efeito gráfico de “ação e reação” entre os preços da energia elétrica e do gás natural, ou seja, os preços do primeiro reagem, com um pequeno atraso temporal, às variações do segundo. Com isso, é fácil concluir que esses mercados também possuem um elevado grau de integração e maturidade.

As cadeias de produção da energia elétrica e do gás natural têm como principal ponte integradora as usinas termelétricas movidas a gás natural, já que estas são importantes consumidoras de gás e produtoras de eletricidade. Além disso, ambos os setores, como visto anteriormente, possuem cadeias industriais muito semelhantes. Dessa forma, foi elaborado na Figura 6.1 um desenho esquemático simplificado ilustrando o importante papel integrador das usinas termelétricas no contexto físico e econômico desses dois setores.

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Figura 6.1- Interação esquemática dos sistemas de energia elétrica e gás natural

Fonte: Elaboração do Autor

Finalmente, além de toda a afinidade verificada entre as cadeias de energia elétrica e gás natural, também existem algumas características físicas, destacadas a seguir, que as diferenciam e acabam reforçando a característica de complementariedade verificada entre elas:

 O gás natural, ao contrário da energia elétrica, pode ser estocado, em grande escala, para consumo posterior.

 Enquanto a operação de sistemas elétricos requer um balanço instantâneo entre demanda e oferta de eletricidade, os reservatórios de gás natural são usados para o balanceamento de carga e oferta de gás natural, a qualquer tempo, mantendo seu fornecimento constante;

 Enquanto a energia elétrica se move na velocidade da luz, o gás natural viaja pelos gasodutos de transmissão a, no máximo, 30 quilômetros por hora.

Dessa forma, não é difícil vislumbrar que em ambientes integrados, o próprio mercado de gás natural pode funcionar como uma importante ferramenta de flexibilidade para a atuação no balanço energético de mercados de energia elétrica, enfatizando a grande sinergia física e econômica existente entre eles.

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6.2. Características Comuns ao Desenvolvimento de Mercados