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Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO/InBIO), Universidade do Porto

A resposta é categórica: Não!

É verdade que por vezes nos deparamos com alusões a uma possível ligação entre o Nazismo e o Darwinismo, embora muitas destas tentativas de associação tenham origem em sectores anti-evolucionistas. Um dos argumentos frequentemente apresentados por estas correntes é que alguns dos conceitos centrais da teoria da selecção natural posposta por Charles Darwin, como a “luta pela existência” ou a “sobrevivência do mais apto”, estarão na base de alguns dos ideais mais atrozes do Nazismo. Entre estes, a eliminação de “raças humanas inferiores” e a guerra entre povos como um meio para eliminar os elementos menos aptos das “raças huma-nas superiores”, com o objectivo, segundo a ideologia nazi, de “aperfeiçoar a espécie humana”, acabariam por ter as consequências desastrosas que infelizmente todos conhecemos.

No entanto, estas acusações são largamente infundadas. Tal como defendido por Richard Dawkins, o ponto comum entre e o Nazismo e o Darwinismo é que ambos se baseiam no princípio de selecção artificial, nomeadamente nas práticas de selecção e melhoramento pra-ticadas por criadores de raças e variedades de animais e plantas domésticas. As diferenças começam quando Darwin aplicou esses princípios à Natureza, enquanto Hitler os aplicou à espécie humana. Esta é uma diferença fundamental. A selecção artificial em humanos é uma componente central da eugenia (ou da noção de que é possível melhorar ou aperfeiçoar o pa-trimónio genético humano), a qual foi levada a extremos pelo regime nazi, entre outros. “No entanto, é importante salientar que eugenia não é Darwinismo” (R. Dawkins). As

característi-cas que surgiram na espécie humana através da acção da selecção natural dificilmente seriam as mesmas se tivessem sido seleccionadas pelos próprios humanos e vice-versa. A selecção natural não nos leva necessariamente ao individualismo ou à guerra entre grupos étnicos.

Pelo contrário, segundo Dawkins, pode até estar na origem da cooperação entre indivíduos ou povos e até mesmo do altruísmo em humanos. Pelo mesmo princípio, não podemos usar o Darwinismo como uma base de apoio científico ao capitalismo.

Poder-se-ia argumentar que o Darwinismo, apesar de não ter sido a fonte de inspiração do Nazismo, foi usado como base científica para justificar as mais bárbaras práticas nazis. No entanto, não podemos confundir uma ideologia política (e social) com uma teoria científica.

O conhecimento científico em si não deve ser classificado como “bom” ou como “mau”. O que é bom ou mau é o uso que é dado a esse conhecimento. Neste aspecto, não existe nada tão prejudicial como usar o apoio de uma teoria científica, ainda que esse apoio seja infundado e inexistente, para dar credibilidade a uma ideia inicialmente nefasta à sociedade, como a da “supremacia de uma raça”. Em primeiro lugar, a corrente dominante há muitos anos em biologia evolutiva é que não existem fundamentos genéticos para classificar os indivíduos da nossa espécie nas diferentes raças tradicionalmente consideradas. Por exemplo, poderá haver mais diferenças genéticas entre dois indivíduos de uma “raça” do que entre dois indivíduos de “raças” diferentes. É aliás surpreendente que, apesar do grau de miscigenação existente actualmente no mundo, se continue a dar mais importância às diferenças do que ao gradiente de cor da pele em humanos. Em segundo lugar, grande parte dos cidadãos que defendem o Darwinismo (cientistas ou não) partilham valores como a bondade, amabilidade, empatia, união e cooperação entre povos, tal como a maior parte dos seres humanos. Logo, o Darwi-nismo não pode ser considerado uma má influência na construção de uma sociedade. O que aconteceu no passado foi que o Nazismo usou uma teoria científica (Darwinismo) para apoiar a sua doutrina, apesar das diferenças fundamentais entre estas. Defender o Nazismo não im-plica estar de acordo com a selecção natural, caso contrário deixar-se-ia a Natureza actuar como agente selectivo em vez do Homem; assim como defender Darwinismo está longe de significar apoiar o Nazismo, uma vez que, tal como acontece com outras espécies, a selecção natural terá sempre uma palavra a dizer no jogo da evolução humana.

É importante salientar que ameaças como a do Nazismo não desapareceram completamen-te da sociedade. Não só grupos nazis continuam a existir, como até mesmo a proliferar nal-gumas partes do mundo; como reminiscências da eugenia, espreitam por uma oportunidade a cada passo do desenvolvimento científico nas áreas de reprodução e engenharia genética.

A este nível, a possibilidade de pré-seleccionar características dos que vão nascer através de manipulação genética levanta enormes desafios éticos. Até que ponto será útil ou benéfico exercer este tipo de selecção artificial? A resposta normalmente varia conforme nos referimos a uma doença ou a uma característica (como, por exemplo, a cor dos olhos), assim como se os interlocutores são pais, médicos ou antropólogos. Os desafios éticos que nos esperam são enormes e os limites nem sempre serão fáceis de definir. Mas, tal como foi referido anterior-mente, não há bom nem mau conhecimento científico. O que estará sujeito a esta avaliação de valores será o uso que fizermos deste tipo de avanços tecnológicos. O mais importante é que a sociedade esteja preparada para reagir oportuna e proporcionalmente contra o tipo de

atrocidades como as que foram cometidas pelo Nazismo, se algum dia algo semelhante estiver prestes a acontecer, seja por motivos ideológicos, étnicos ou religiosos. Qualquer que seja o caminho delineado, a nossa espécie não conseguirá ludibriar incessantemente o poder da selecção natural.

parTe II

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