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POR UMA ABORDAGEM NÃO EVOLUCIONISTA E SUBSTITUTIVA DA

2. DIFERENTES ABORDAGENS DA HISTÓRIA DAS MÍDIAS,

2.1 POR UMA ABORDAGEM NÃO EVOLUCIONISTA E SUBSTITUTIVA DA

2.1.1 Técnica e Cultura

Essa rápida passagem por Anderson (2006) só ajuda a reforçar a ideia de que, como dito anteriormente, a história das mídias não pode ser contada de uma maneira linear e substitutiva, nem de mercado como pontuou o autor, nem em se tratando de formatos técnicos ou culturais.

Essa divisão entre os formatos já foi proposta de diferentes maneiras por autores importantes. No caso de Dantas (2005), essa separação seria entre suporte e formato, sendo o primeiro o disco de vinil ou CD, e o segundo, a ideia de álbum ou canção, por exemplo. Entretanto, para Théberger (2001), a separação ideal seria entre formato técnico e cultural. Destarte, todos serão chamados de formatos, sendo os técnicos os equipamentos de reprodução sonora (iPods, toca-discos etc.) e as tecnologias de armazenamento e circulação (mp3, disco de vinil, fita cassete etc.); enquanto os formatos culturais seriam álbum, canção, compilação, no caso da música; ou seriados de TV, longa metragem, por exemplo, no caso do audiovisual.

Thebergé observa que existe uma inter-relação econômica e criativa entre os formatos, na qual um vai influenciar o outro, e que mesmo que exista uma preconcepção dos usos estipulados pela indústria, muitas relações serão construídas na música popular de maneiras imprevisíveis. Pode-se notar isso com dois exemplos encontrados na cultura hip-hop: 1) os toca-discos passam a ser usados como um instrumento pelos DJs e 2) as boomboxes ou ghetto

blasters influenciam diretamente as práticas culturais do rap, sendo um forte componente

visual associado ao gênero musical e um agente nas “batalhas musicais” de rua, em que o grupo vencedor era o que tinha o aparelho mais potente para abafar a música do rival. Assim, no primeiro caso temos um exemplo de ressignificação de um formato técnico através de uma prática cultural, enquanto, no segundo, uma prática cultural sendo influenciada diretamente por um formato técnico.

Dada a importância do LP para a música massiva, a pesquisa o tomará como um formato cultural, sendo fundamental frisar que essa divisão serve apenas para fins didáticos, já que técnica, cultura e indústria são atividades que se entrecruzam e se complementam,

modificando um ao outro, como este trabalho vem tentando mostrar. Simone Sá, quando dialoga com Jonathan Sterne, deixa essa perspectiva muito clara:

Com seu argumento, Sterne descarta qualquer relação mecânica e determinista entre artefatos técnicos e a cultura mais ampla, sublinhando como tecnologias são cristalizações de processos culturais e relações sociais, que se tornam repetíveis a partir de certos mecanismos. São, portanto, “conhecimento social incorporado”, ou, dito de outra forma, artefatos que “ensinam o corpo a se comportar de certa maneira”. E que, uma vez estabelecidos na cultura, irão encorajar certas práticas e desencorajar outras tantas (SÁ, 2012, p. 275).

2.1.2 Cultura da Convergência

Uma teoria significativa que também vai de encontro aos que insistem em escrever a história das mídias de uma maneira evolutiva ao fazer previsões “certeiras” sobre o futuro delas é a Cultura da Convergência, de Henry Jenkins. Vários teóricos da era digital afirmaram o que Jenkins (2008) taxou como a “Falácia da Caixa Preta”, a qual pregava que todos os tipos de conteúdo seriam veiculados por um único aparelho — filmes, jogos, música, rádio, televisão etc — que “[...] reduz a transformação dos meios de comunicação a uma transformação tecnológica, e deixa de lado os níveis culturais [...]” (JENKINS, 2008, p.42).

O que existe é a complexificação de aparelhos, resultando numa convergência de várias funções, como os smartphones, onde você pode ler e-mails, ver filmes, ouvir música, navegar na internet, tirar fotos, gravar vídeos. Porém essa infinidade de tarefas também pode ser acessada por vários outros gadgets, como tablet ou notebook. Pode-se também pensar nos toca-discos atuais, que acumulam funções como rádio, CD-player, dock para ipod e entrada USB, mas que, ao mesmo tempo, convivem com aparelhos novos e antigos de função especializada, ou seja, que só tocam disco de vinil.

Como observa o autor, em uma casa média poderemos encontrar aparelho de som, TVs, videogames, conversor de TV a cabo, etc.; então o conteúdo converge, mas não o

hardware. Da mesma maneira que o tablet não substituiu o livro, o cinema não substituiu o

teatro, a televisão não substituiu o rádio e o mp3 não substituiu o LP. Pensar, por exemplo, que alguns filmes ainda são rodados em Super 8 em pleno desenvolvimento do cinema digital; ou, depois de a fotografia digital já estar estabelecida, observar o ressurgimento da prática da fotografia analógica com as câmeras Lomo, são sinais cada vez mais claros de que não se deve pesquisar uma prática cultural através de uma linha evolutiva da tecnologia. O que existe é uma reconfiguração do status e da apropriação cultural das mídias:

A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento (JENKINS, 2008, p. 43).

Pode-se, então, pensar na transformação que o LP sofreu ao longo dos anos: de produto hegemônico no contexto da indústria massiva a produto de nicho, agora não mais relacionado a um grande público e sim a um específico. Na maioria dos casos, lançamentos e relançamentos são ligados a gêneros pontuais, em que há uma identificação do artista e da sua audiência com o artefato. Uma breve pesquisa sobre os álbuns mais vendidos ou os estilos que mais se utilizam do suporte para lançamento pode encontrar com mais frequência: rock clássico, indie rock, rap, soul, eletrônica e MPB. Então, como conclui Jenkins: “Os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos. Mais propriamente, suas funções e status estão sendo transformados pela introdução de novas tecnologias” (2008, p. 41-42).

2.1.3 Remediação

Outra forma de entender essa convivência entre novas e velhas mídias pode ser a partir do conceito de remediação de Bolter e Grusin (1999), em que os autores afirmam que os novos meios de comunicação renovam (refashion) o conteúdo dos precedentes, porém sempre mantendo uma ligação, inclusive semântica, com os velhos meios — mesmo se o meio atual tentar negar radicalmente seu predecessor, tentando absorvê-lo em sua completude. Ou seja, as novas mídias sempre atuam em relação às suas antecessoras, criando uma lógica tanto de conservação como de ruptura. (CANAVILHAS, 2012; BUENO, 2013; SÁ, 2009). Como já citado, pode-se pensar os formatos culturais de álbum e canção, surgidos com a fonografia, que ainda estão presentes mesmo em lançamentos comercializados de maneira digital; ouo iPod, em que o usuário pode visualizar a capa do álbum que está sendo tocado no momento; ou ainda o programa de discotecagem digital VirtualDJ, que imita na sua interface dois decks de vinil, permitindo, inclusive, que se façam scratchs com o mouse.

A fabricação do vinil, atualmente, apesar de ser feita da mesma forma que no primeiro momento, tem apresentado novas características de gramatura. Hoje, seu peso vai de 130g a 200g, sendo os mais pesados vendidos como um LP ‘premium’, embora os próprios especialistas da área afirmem que o som não tem nenhuma diferença23

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e que é só uma questão tátil pelo fato de alguns consumidores darem mais valor por ele ser mais pesado, ser de melhor manuseio. Ao mesmo tempo os vinis coloridos estão cada vez mais acessíveis e

disponíveis, sendo em muitos casos o mesmo valor do disco padrão. Mesmo não constituindo uma novidade do mercado atual, percebe-se um interesse cada vez maior dos artistas em procurar essa customização para agregar valor ao seu produto. Pode-se até pensar como o LP vem reconfigurando o mercado atual de música, colocando novos parâmetros de consumo e despertando interesse inclusive de artistas independentes que gravam seus álbuns em estúdios caseiros, mas que procuram lançar os trabalhos também em vinil.

Todos esses exemplos acima podem ser importantes para mostrar que, mesmo com a chegada do mp3 e todas as suas qualidades — gratuidade, disponibilidade quase irrestrita, portabilidade e possibilidade de armazenamento beirando o infinito —, há um processo de trazer de volta certa experiência ligada ao consumo musical por meio dos artefatos palpáveis; talvez porque o ato de escutar música não pode ser dado como abstrato e independente de outros sentidos e práticas culturais. Desta forma, a ideia de materialidade da comunicação também oferece boas pistas para explicar o fenômeno de “retorno” dos discos de vinil.