• Nenhum resultado encontrado

2. DIFERENTES ABORDAGENS DA HISTÓRIA DAS MÍDIAS,

2.3 CIRCULARIDADE

2.3.2 Vida e morte dos objetos

Além do ciclo de vida, os objetos também apresentam um ciclo de valor comercial. No primeiro, desde sua produção, o objeto terá uma vida útil até sua total destruição, tirando os casos em que podem ser reparados e ainda obter uma sobrevida. No segundo, diferentemente,

37 “[…] the sedimented thickness of urban life is not just a function of the city’s density and multi-

levelled accumulation; it is the result as well of the city’s circuitousness, of the innumerable destinations and itineraries it offers to the object as it ages.”

38 Do original: “We may characterize various parts of the city in terms of their role in these processes of

accumulation. Urban spaces may be differentiated according to the extent to which they enhance the mobility of things (heightening the velocity of their circulation, for example) or may serve to render them static and immobile (by retaining them within spaces wherein their appeal is diminished or from which their removal is slowed). These processes contribute to those broader patterns of what Parkes and Thrift (following Jean-Luc Nancy) have called the ‘spacing of time’”: the organization of temporal processes as spatial differences or itineraries (1975, 653). A rhythmanalysis of the city is, in this sense, “‘topics’” of urban space – a study of the ways in which “‘temporal qualities [are] inscribed in spaces’” (Lefebvre 1996, 173).”

a situação pode ser totalmente imprevisível, já que a questão do valor pode variar muito. O artefato cultural pode experimentar bastante tempo de inércia e desinteresse, principalmente quando é comum, como pode se tornar raro e colecionável, tornando-se assim caro e disputado.

Um exemplo bem claro é o primeiro e único disco do pernambucano Di Melo, gravado em 1975 e lançado pela gravadora Odeon. O disco, na época, não foi bem divulgado e acabou sobrando aos montes nas lojas do setor, o que logo o levou para a sobrevida no comércio de segunda mão. No documentário Di Melo – O imorrível, Luiz Calanca, proprietário da famosa loja Baratos Afins, localizada na Galeria do Rock em São Paulo, afirmou: “Este disco teve uma época que tinha aos montes por aí. A gente vendia bem baratinho, mesmo, porque era fácil de se conseguir. Dava ‘cria’ [...]”. Hoje em dia, esse disco é raríssimo e bastante disputado no mercado das coleções; o próprio Luiz afirma que já ouviu falar que o disco era vendido na Alemanha e Holanda por valores entre €500 e €70039

No mesmo filme, o proprietário da loja Disco 7, também em São Paulo, Ocimar, diz que esse vinil foi sendo levado aos poucos por “DJs americanos, japoneses e europeus [...]. Então eles começaram a levar embora os discos. E a gente começou a sentir falta desse disco”. Esse dado é interessante, pois mostra uma sobrevida do objeto acumulado e depois descartado, atravessando fronteiras internacionais, se revalorizando em outras culturas e, um tempo depois, forçando sua revalorização no local de origem.

.

Straw (2009) recorre a Kevin Heatherington para explicar o processo de dois “sepultamentos” por que as mercadorias passam antes de serem descartadas:

Condutas de eliminação têm frequentemente este processo de "conservação" de dois estágios pelo qual os objetos de consumo passam antes de se tornarem resíduos. A estante, a lixeira de um computador, a garagem, o galpão de armazenamento de ferramentas de jardinagem, a geladeira, o guarda-roupa, mesmo o lixo, muitas vezes são constituídos mais como lugares de primeiro enterro em vez do segundo sepultamento. Itens são mantidos neles, por um período de tempo, enquanto seu estado de valor incerto é endereçado (uso, troca ou valor sentimental), antes de serem removidos para o exterior representacional, onde eles passam o seu segundo sepultamento no incinerador, no aterro sanitário, ou infelizmente, às vezes apenas descartados sem preocupação numa estrada... Se o valor intrínseco de uma pessoa é tido como a sua alma, o valor intrínseco de um artefato é o seu valor - valor de uso e valor sentimental, tanto quanto o valor de troca ou simbólico. Somente quando todas as formas de valor forem esgotadas ou traduzidas e, assim, estabilizadas, será permitido ao objeto passar por seu segundo sepultamento40

39

Uma rápida pesquisa no site Mercado Livre mostra dois vendedores ofertando o disco (original da época) por R$500 e R$ 730.

(HEATHERINGTON

apud STRAW, 2009, p. 201).

40 Do original: “Conduits of disposal often have this two-stage “holding” process through which

consumer objects pass before becoming waste. The bookcase, the recycle bin on a computer, the garage, the potting shed, the fridge, the wardrobe, even the bin, are often constituted more as sites of first burial rather than

Apesar de o objeto passar por esses processos de esgotamento do valor, ser escanteado antes mesmo de ser jogado fora, é interessante observar outro ponto para o qual Straw chama a atenção no mesmo texto: a questão de como descartar os bens culturais. Para a maioria das pessoas existe um incômodo em apenas jogar fora um livro ou um disco, por exemplo; se não se vender ou for presentear alguém, geralmente, esse tipo de mercadoria é doado e isso proporciona complexos itinerários dos artefatos na cidade.

Poder-se-á enxergar os sebos e feiras de vinil como lugares com qualidades museológicas, em que se caracteriza um espaço de acúmulo de objetos que diz muito sobre a cultura local: discos de artistas locais ou nacionais que não deram certo ou que saíram de moda; discos que vieram de outros países mostrando as diferentes trocas comerciais e o que chegava para a cidade numa dada época, podendo, inclusive, terem servido de influência para pastiches, como, por exemplo, a Jovem Guarda foi dos Beatles.

Quando esse tipo de lugar comercial fornece material para os DJs tocarem nas festas, em muitos momentos, há uma ressignificação e revalorização da mercadoria. Em uma das festas observadas, a Terça do Vinil — no momento, acontecendo no bar Casa da Moeda, no Recife Antigo — o DJ 440, alcunha para Juniani Marzani, se utiliza bastante do apelo visual das capas dos LPs, tanto que o disco que está sendo tocado no momento é exposto: o DJ levanta a capa, deixando-a em destaque entre os outros que estão no engradado. As pessoas, quando se interessam pela música, se levantam, pegam no disco e conversam com o DJ.

of second burial. Items are held in them for a period of time while their uncertain value state is addressed (use, exchange, or sentimental value) before being removed into the representational outside where they undergo their second burial in the incinerator, the landfill, or unfortunately sometimes just fly-tipped onto the side of the road … If the intrinsic worth of a person is assumed to be their soul, the intrinsic worth of an artefact is its value – use value and sentimental value as much as exchange or sign value. Only when all forms of value have been exhausted or translated and thereby stabilized will the object be permitted to undergo its second burial.”

3. CONCEITOS-CHAVE PARA SE PENSAR A PERMANÊNCIA DO LP: CENAS,