• Nenhum resultado encontrado

1 DESAFIOS E POSSIBILIDADES DA EDUCAÇÃO NA ERA DA

1.7 Por uma Pedagogia complexa

Como pensar uma Pedagogia complexa na era da complexidade? Em primeiro lugar, acreditamos ser necessário perceber o estado atual das coisas do mundo contemporâneo. A compreensão desse estado de coisas nos pareceu o fundamental motivo pelo qual fizemos questão de, ao longo desse primeiro capítulo, situar os desafios e oportunidades da educação tendo em vista o que se denominou de era da complexidade. Tal era emerge primeiramente da Revolução Francesa (1789), no século XVIII (1701 a 1800), juntamente com o movimento filosófico denominado de Iluminismo, que afirmava a necessidade de a razão ser posta como algo que “analisa as ideias e as reduz todas às experiências” ou ainda, como afirmava Newton, que a razão deve partir da “experiência e em contínuo contato com a experiência”, procurar “as leis do seu fundamento e as submete(r) à prova” (Reale; Antisseri, 2007, p. 672). Todavia, o século XX, embora marcado por avanços tecnológicos e conquistas científicas, trouxe os maiores desafios que a humanidade enfrentou até então.

Denominada de era dos extremos por Hobsbawm, pôs-se em cheque o otimismo que veio da Razão Iluminista. As Grandes Guerras Mundiais incentivaram a crise da razão moderna, e sacudiu o mundo para a necessidade de repensar os paradigmas de ciência, cultura, economia, tecnologia, dentre outros elementos da civilização.

Como vimos tanto a física, quanto a sociedade do conhecimento, acrescentaram novas formas de pensar, pesquisar, produzir e atuar, sendo que o elemento da complexidade — que considera o universo epistêmico para além do certo-errado — passou a ser um componente fundamental da era da complexidade. Esses eventos transformadores alcançaram também a pedagogia, motivo pelo qual se justifica a necessidade de pensar uma Pedagogia complexa.

Demo (2011, p. 11) alerta para o fato de que a educação necessita levar em consideração o momento histórico no qual está inserida. O pensamento sistêmico e pertinente precisa abarcar o desenvolvimento humano pelo viés da complexidade, compreendendo e considerando o indivíduo como um ser social, levando em consideração suas relações estabelecidas com o mundo, não se baseando apenas na linearidade e na disjunção. O

indivíduo não pode ser visto como ser apenas individual na construção da sociedade, mas como parte transformadora dela. Essa é a consequência do pensamento complexo, que procura interligar o que está separado, formando um todo significativo, complementar e relacionável.

Martinazzo (2004, p. 78) ressalta que o conceito de complexidade, bem como seus princípios e objetivos, estão em estudo a mais de meio século, acumulando justificativas válidas acerca da necessidade de empregar, na pedagogia, saberes múltiplos. O que instiga a pensar que a Pedagogia complexa seja um novo paradigma educacional com potencial para empreender novos conhecimentos no século XXI, pois reconhece a hipercomplexidade do real e exige, assim, outra maneira de articular o conhecimento oriundo da multiplicidade dos saberes. A Pedagogia complexa se vale do pensamento abrangente em que a visão do todo é essencial para o estabelecimento de relações significativas e que levam em consideração a constituição do conhecimento. Consequentemente:

elimina-se toda a explicação linear, disjunta, redutiva; tudo é compreendido a partir dos princípios da dialogia, da recursividade e do holograma. Lê-se e interpreta-se a tradição, a cultura e as racionalizações do pensamento procurando nelas as relações complexas (Martinazzo, 2004, p, 50).

Se o mundo vive em constante mudança, transformação e reforma nas mais diferentes áreas, então o conhecimento está sempre em permanente transformação. Assim, é necessário incluir a pedagogia no fluxo do devir para pensar diferente. Morin (2000b) alerta para o fato de que é necessária uma reforma do pensamento. Isso porque é somente nele e através dele que os indivíduos serão capazes de compreender de forma mais eficaz e pertinente tudo aquilo que faz parte do mundo globalizado, analisando as situações de forma racional e reflexiva. Sabemos que este processo é longo visto que é necessária uma reformulação do pensamento simplificador que compõe as gerações e os sistemas educacionais vigentes.

Do ponto de vista da Pedagogia complexa, a disjunção possui conceitos pré- estabelecidos ao longo do espaço e tempo, que permitem compreender apenas um ponto de vista. Por isso Morin (2015) critica os modelos tradicionais de educação, pois é inconcebível desconsiderar o todo do mundo contemporâneo ou, nas nossas palavras, é um erro ignorar a

era da complexidade.

O conhecimento, do ponto de vista da complexidade, é algo renovável, com possibilidades dinâmicas e, cabe à Pedagogia complexa expressar essa realidade em sala de aula e também nos currículos. Através dela é possível empreender formas alternativas às abordagens tradicionais de transposição didática, superando uma perspectiva cartesiana e

linear, ainda presentes nas escolas, nas disciplinas e, até mesmo, nos sistemas de crenças dos pais e alunos.

A complexidade torna-se, então, não apenas uma alternativa, mas um caminho, uma nova oportunidade à transdisciplinaridade10, às estratégias de elaboração de aulas e, consequentemente, implica em nova forma de aprender. Se o aprender é complexo, o ensinar também o é.

A ideia acima vem ao encontro do que o MEC, através do Ensino Médio Inovador (2009) e os PCNs (200011) propõem. Ambos acreditam que a sociedade abarca uma nova conjuntura social, econômica e política, motivada pela globalização e pelo uso da tecnologia, tornando assim as relações entre os sujeitos mais complexas. Esse contexto leva em conta a importância das relações entre sujeito e sociedade relacionando-o com aprendizagem e a educação escolar, não como um desafio repleto de embaraços, mas uma oportunidade para empreender a educação em que motivada por métodos e instrumentos facilitadores para o desenvolvimento cognitivo desenvolve-se uma sociedade mais consciente da complexidade que a envolve. Segundo esta visão, o Ensino Médio é “ao longo da história da educação brasileira, [...] o nível de maior complexidade na estruturação de políticas públicas de enfrentamento aos desafios estabelecidos pela sociedade moderna” (MEC, 2009, p.3) o que,

10

A transdisciplinaridade leva em consideração o conhecimento e vai além das disciplinas, pois estimula uma nova compreensão da realidade, mediante teorias ou métodos que possam compreender a complexidade do mundo real em que se enfatiza uma abordagem global. O prefixo trans já nos remete a algo que vai além de, ou está entre ou através de algo (no caso as disciplinas), sendo assim pela abordagem transdisciplinar se acredita que o saber é mais importante do que partir de uma visão fragmentada ou sedimentada, a qual leva em consideração apenas as disciplinas. Em outras palavras, a transdisciplinaridade preocupa-se com a interação de todas as disciplinas e que a mesma ocorre de forma contínua e ininterrupta.

11

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) foram elaborados no ano de 2000, no entanto acreditamos que convém fazer referência aos mesmos, em virtude de que eles foram os primeiros documentos norteadores para a Educação Nacional Básica servindo como estímulo e apoio para refletir acerca da prática diária do profissional da educação, assim como no planejamento das aulas. Vieram, inclusive, a colaborar para o desenvolvimento dos currículos escolares e posteriormente desencadeou a elaboração (em nova proposta) do Ensino Médio Inovador. Os PCNs, ou ainda denominado PCNEM (Parâmetro Curricular Nacional do Ensino Médio) contribuíram para a atualização dos educadores e todos aquelesque estavam preocupados e engajados com a educação escolar e todo o processo de desenvolvimento dos indivíduos. Eles levam em conta a LDB (assim como a proposta do Ensino Médio Inovador) bem como a nova conjuntura atual que passa a se estabelecer levando em consideração as tecnologias e as mudanças sociais. Sendo assim, acreditamos ser de grande valia aproveitar os PCNs, visto que os mesmos passaram a conter teorias importantes para esta nova estrutura do ensino médio, os quais abordaremos no decorrer deste texto. Eles também foram elaborados levando em consideração o século XXI e o papel da educação escolar. Nessa perspectiva: “a) educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural; b) a educação deve ser estruturada em quatro alicerces: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser” (Brasil, 2000, p.14). O mesmo nos apresenta a importância de um conhecimento contínuo e abrangente levando em consideração a sociedade e a formação integral dos sujeitos em que “Alteram-se, portanto, os objetivos de formação no nível do Ensino Médio. Prioriza-se a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (Brasil, 2000, p.13). Sendo assim, os PCNs são de grande importância para o desenvolvimento teórico deste estudo.

também, excita o docente a buscar alternativas para desenvolver em seus educandos uma postura mais condizente com a sociedade atual.

As Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) permitem incorporar a

Pedagogia complexa. Este fato se deve ao fato de que a Pedagogia e sua teoria vão além da

transmissão de conhecimento, levam-se em consideração as habilidades e competências necessárias para que ocorra o desenvolvimento integral do educando mediante teoria e prática.

Assim, afirma Masetto (2000) que as TICs, ou tecnologias digitais não devem ser desconsideradas, o que acarretaria limitação pedagógica. Deve ser instigado o uso da informática, do computador, da internet, e outros recursos que possibilitem e agrega com conhecimentos, pois todos colaboram para tornar a Pedagogia mais eficiente. Assim descreve Masetto (2000) sobre as Tecnologias da Comunicação e Informação (TICs):

Por novas tecnologias em educação, estamos entendendo o uso da informática, do computador, da internet, do CD-ROM, da hipermídia, da multimídia, de ferramentas para educação a distância – como chats, grupos ou listas de discussão, correio eletrônico etc. – e de outros recursos de linguagens digitais de que atualmente dispomos e que podem colaborar significativamente para tornar o processo de educação mais eficiente e mais eficaz (Masetto, 2000, p. 152).

Nessa mesma perspectiva Lévy (1999) nos situa trazendo a importância de trabalharmos com as tecnologias, as quais perpassam a dedução lógica, o paradigma simplificador e auxiliam a construirmos outros conceitos de estudar, aprender e ensinar. Para o autor, o uso das tecnologias pode transformar o modo tecnicista e dedutivo de fazer a educação, transformando os sujeitos em seres pensantes, pois as mesmas favorecem novas formas de informação e conhecimento. Assim sendo, as

tecnologias [...] favorecem novas formas de acesso à informação, como: navegação hipertextual, caça de informações através de motores de procura, knowbots, agentes de software, exploração contextual por mapas dinâmicos de dados, novos estilos de raciocínio e conhecimento (Lévy, 1998, p.6).

Por isso acreditamos na importância das tecnologias e nessa como uma forma para pensar na realidade que conduz este princípio. O princípio do paradigma simplificador se contrapõe ao paradigma da complexidade. Valemo-nos da citação de Martinazzo (2004), o qual se refere à complexidade como um paradigma moderno, contrário ao pensamento simplificador, aquele que generaliza, abstrai, reduz, despreza as partes e separa sem contextualizar o global.

O pensamento da complexidade é um paradigma pós-cartesiano que encara os problemas sob outro referencial lógico-epistemológico e encaminha as soluções de forma não simplificadora: religa o que a análise separa, contextualiza o dissociado, reúne o disperso, complexifica o simplificado, historiciza o intemporal e considera o

sujeito pensante como produtor e produto de seu pensamento e suas construções (Martinazzo, 2004, p 45).

Acredita-se que a intrínseca relação entre educação e tecnologia articula novos saberes e, assim, potencializa a comunicação entre os atores da educação. Na atual conjuntura em que a pedagogia se encontra a educação ao mesmo tempo relaciona os sujeitos com a diversidade contida no todo (sociedade, informação, métodos, teorias), o que acrescenta elementos de compreensão à era da complexidade. Conforme Martinazzo (2014, p. 86),

Com as informações disponibilizadas pela tecnologia cabe à escola e aos professores auxiliar o aluno para que este aprenda a perceber a realidade, a processar as informações e a construir conhecimentos de forma pertinente. O conhecimento é produto da religação, da interdependência, da argumentação e da interlocução de saberes. Pressupõe que o aluno aprenda a compreender a complexidade dessa realidade interconectada com base em princípios básicos de um conhecimento complexo.

Assim, a Pedagogia permite incorporar a complexidade, por conta do seu próprio

modus operandi, supondo, em todas as suas ações e implicações, a conjuntura do mundo

atual, para além da disjunção binominal, promovendo assim uma ascendência pedagógica, que leve em consideração uma formação mais ampla, com extensiva consciência do estado

das coisas na atualidade. Não se trata de atividade simples, mas é por não ser simples que se

invoca a complexidade sem, contudo, estacionar na mentalidade daquilo que supostamente é dissociável.

Trata-se, portanto, de novo paradigma, que perfaz atual empreendimento educacional. O termo “paradigma” pode ter sentido amplo ou restrito. Num sentido mais restrito caracteriza-se por um conjunto de princípios ou referências do fazer científico, levando em consideração uma determinada área do conhecimento. Em sentido amplo, que é o que utilizaremos para a reflexão ao longo desse texto, refere-se a algo que restringe ou referencia um conhecimento o qual decorre de um tempo ou época histórica. Segundo Marques (1992, p. 547) o “paradigma é um modelo abstrato, noção fundamentalmente normativa que, ao ser introduzida na cultura contemporânea por Thomas Kuhn12, rompe com o conceito de linearidade cumulativa na evolução das ciências”.

12

Thomas Kuhn no ano de mil novecentos e sessenta e dois (1962) traz em seu livro A estrutura das relações

científicas o conceito de paradigmas. Para o autor “um paradigma é aquilo que membros de uma comunidade

científica partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em homens que partilham um paradigma” (Kuhn, 1962, p.219). Morin, porém, em seu livro Introdução ao pensamento complexo (1995), afirma que os paradigmas são pensamento que muitas vezes nos cegam de modo que os mesmos podem ser considerados como princípios e propósitos que nos fazem acreditar veementemente em algo, algo individual, construído muitas vezes de forma involuntária. Morin sustenta a ideia de que paradigmas são “princípios

Este empreendimento é percebido pelo uso pedagógico das novas linguagens e TICs que são viabilizadas pela sociedade da informação. Muito embora a globalização tenha revelado que a tecnologia esteja sendo usada em mais de um espaço e tempo, abrangendo interesses contraditórios e equivalentes ao mesmo tempo, a questão do uso da tecnologia é fator que está atrelado a interesses, modos de aplicação e quebra de paradigmas.

Conforme afirmamos antes, as condições de desenvolvimento da tecnologia se encontram além do elogio positivo e negativo, situando-se em nível de necessidade estrutural aos distintos sujeitos presentes na conjuntura do mundo contemporâneo. Estes sujeitos são os Estados, os governos, as empresas e, também, a sociedade civil. Dentro desta última, situa-se a educação, que frente à era da complexidade na sociedade da informação, obriga a pedagogia a novos empreendimentos educacionais, valendo-se dos aperfeiçoamentos nas linguagens e nas TICs.

Desta feita, a Pedagogia complexa adquire feições com o estado da arte atual na ciência e tecnologia. Ao mesmo tempo, mantém sua função essencial na sociedade, que é educar para libertar, educar para tornar os futuros cidadãos pessoas autônomas, aptos a viver na era da complexidade, usufruindo de seus benefícios e, ao mesmo tempo, exercendo a razão crítica sobre os eventos presentes na globalização.

Nesse contexto, a globalização e seus efeitos na sociedade contemporânea, passam a ser levados em consideração pela escola. Esta por sua vez compreende a realidade atual e inclui a utilização das NTICs não apenas como objeto de instrumentalização, mas também a assinala como um meio, a qual permite ressignificar o conhecimento, no sentido de incentivar a produção do conhecimento mais formativo e ético. Além disso, mediada pela linguagem — a qual revela nossos pensamentos e ideologias, pois nomeia a própria ação de produzir, conhecer e aprender — a escola reconstrói teorias e permite aos seus educandos o conhecimento e a aprendizagem. Sendo assim, o próximo capítulo levará em consideração estes aspectos, bem como a tarefa do professor como mediador do conhecimento, ou ainda, como Lévy (2011) escreve, um curador do saber, pois o profissional da educação possui a

supralógicos de organização do pensamento [...] princípios ocultos que governam a nossa visão das coisas e do mundo sem que disso tenhamos consciência” (Morin, 1995, p.15). O autor ainda complementa Kuhn (1962), pois escreve que “[...] um paradigma é constituído por certo tipo de relação lógica extremamente forte entre noções mestras, noções chave e princípios chave. Esta relação e estes princípios vão comandar todos os propósitos que obedecem inconscientemente ao seu império” (Morin, 1995, p. 85). Vemos que os autores em questão trazem conceitos complementares acerca do mesmo tema, o que nos leva a perceber a complexidade não apenas de defini-lo, como também de perceber que o mesmo está impregnado em nossas mentes e conduzem o nosso pensar e até mesmo o agir.

capacidade de explorar a comunicação fazendo com que o processo cognitivo esteja a serviço do desenvolvimento humano. Esta é a tarefa da escola, e dos professores que estão comprometidos com a sociedade atual, mas que também estão empenhados com a aprendizagem, com o desenvolvimento de saberes múltiplos e com o futuro de seus educandos.

Documentos relacionados