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1 CONTEXTO POLÍTICO, ECONÔMICO E SOCIAL NO BRASIL E EM PORTUGAL

1.3 A POSIÇÃO DE VARGAS E DE SALAZAR NA 2ª GUERRA MUNDIAL

A 2ª Guerra Mundial (1939-1945) foi desencadeada por três fatores. O primeiro deles é com relação ao desejo de Adolf Hitler dominar territórios para expandir seu domínio nazifascista e superar a derrota sofrida com o Tratado de Versalhes, quando perdeu algumas áreas na 1ª Guerra Mundial. A segunda causa foi a crise econômica dos Estados Unidos em 1929, cuja quebra da Bolsa de Nova Iorque provocou também a quebra das bolsas de Berlim e de Londres, gerando uma crise mundial que atingiu diversos países, entre eles, o Brasil. A terceira causa foi o fortalecimento dos movimentos nacionalistas na Alemanha, na Itália, na Espanha, na França, em Portugal e no Brasil.

De acordo com Leitão236, quando a Alemanha desrespeitou o Tratado de

Versalhes, o 3º Reich de Hitler “reorganizou as forças armadas para iniciar uma política de expansão territorial. Tomou a Áustria e a Tchecoslováquia. Em 1939, a Alemanha formou com a Itália e o Japão, o chamado Eixo237”. Com a omissão da

Liga das Nações, a Itália conquistou a Albânia e a Etiópia e o Japão invadiu a Manchúria e mais algumas regiões da China. Hitler sabia que os países ainda estavam se organizando por causa da 1ª Guerra e se aproveitou dessa situação para também se fortalecer belicamente.

Quando a 2ª Guerra Mundial iniciou, os Estados Unidos, em crise interna econômica, ficaram neutros. Somente com o fim da Lei da Neutralidade, que começou a vigorar em 1938, e com o ataque aéreo japonês a Pearl Harbor, é que os Estados Unidos entraram no confronto mundial.

A Espanha, que neste período era governada pelo ditador general Francisco Franco (1936-1947), era contra os anarquistas e os comunistas, e favorável a Hitler, observa Leitão. A Itália, que vivia sob o jugo do sargento Benito Mussolini (1922-1943), fundador do Partido Nacional Fascista, dentro de um regime fascista, aliou-se à Alemanha em 1935 e, em 1936, fez aliança com o Japão, configurando- se assim o Pacto Tripartite, que formalizava um acordo político e militar entre os três países.

Salazar tentou proteger a aliança que Portugal mantinha com a Grã- Bretanha e deu continuidade à política de exportações acertada com a Alemanha. Por causa dessa situação, o governo britânico impôs limites e organizou uma guerra econômica, controlando, por exemplo, a exportação de bens importados e de produtos fabricados em Portugal. As restrições comerciais geraram uma crise de racionamento, resolvida, em 1942, com um acordo comercial de guerra com a Grã-Bretanha, assinado em 28 de novembro.

Analisando a situação econômica e voltando-se para a política internacional durante a 2ª Guerra Mundial, verifica-se que Portugal procurou manter a neutralidade tanto com a Grã-Bretanha como com a Espanha. Ribeiro salienta que quando a Espanha passou para as mãos de Franco, “muitos exilados da direita

236 LEITÃO, Bárbara Julia Menezello. Bibliotecas públicas, bibliotecários e censura na Era

Vargas e regime militar. Rio de Janeiro: Interciência; Niterói: Intertexto, 2011.

espanhola238” escolheram Portugal para se refugiar. Para completar, “Portugal

tornou-se o principal ponto de escala para os aviões de combate e de transporte de material de guerra239”. Essa situação fez com que em agosto de 1936 Salazar

aderisse a um acordo com a França e a Grã-Bretanha de não intervenção na Guerra Civil Espanhola. A neutralidade durou até o final do conflito, mas quando o exército invadiu Madri, Portugal utilizou a Emissora Nacional para falar sobre a sua simpatia com o novo poder instituído no país vizinho.

A neutralidade de Portugal também tinha o objetivo de preservar a aliança que mantinha com a Grã-Bretanha. Apesar da Alemanha fazer propaganda internamente em Portugal, também Londres estava numa situação confortável. Afinal, antes do início do conflito, a Emissora Nacional tinha transmitido depoimentos de três políticos britânicos que fizeram elogios a Salazar e a Portugal. Ao mesmo tempo e na mesma rádio, cita Ribeiro, os ouvintes também acompanharam a descrição, por meio de crônicas, das cidades alemãs sob o regime de Hitler. “[...] os meses que antecederam o início das hostilidades ficaram marcados por uma verdadeira concorrência propagandista entre a Alemanha e a Grã-Bretanha240”.

Quando a França foi invadida, em 1940, surgiu o temor de que Portugal também poderia ser ocupada pela Alemanha. “A partir de 1941, os serviços de Operações Especiais britânicos chegam mesmo a montar uma rede clandestina em Portugal, com o objetivo de difundir propaganda e de resistir a uma eventual invasão alemã241”, enfatiza Ribeiro. Salazar, preocupado com a circunstância em

que Portugal se encontrava, determinou uma censura mais forte a fim de impedir a “publicação de notícias que contivessem qualquer propaganda inglesa242”.

A pressão econômica e política da Grã-Bretanha quase pôs fim ao salazarismo, entre 1943 e 1944. No entanto, em junho de 1944, explica Ribeiro, Salazar conseguiu

negociar com os aliados a sua manutenção no poder, afastando a hipótese de uma intervenção externa destinada à substituição do Governo. Na verdade, Oliveira Salazar conseguiria aproximar-se

238 Op. Cit. RIBEIRO, Nelson. p. 87 239 Idem. p. 87

240 Idem. p. 89 241 Idem. p. 89 242 Idem. p. 89

dos Aliados ainda a tempo de assegurar a subsistência do seu regime no pós-guerra, quando o panorama político ficara dominado por regimes democráticos e bolchevistas243.

O Brasil, no entanto, no início do conflito, a exemplo dos Estados Unidos, procurou ficar neutro. Klöckner244 destaca que

em 1940, o presidente Getúlio Vargas percebeu que Hitler e Mussolini estavam consolidando um novo modo de governar. No dia 11 de junho, proferiu um discurso a bordo do navio de guerra Minas Gerais, em que ‘considerava necessária uma nova ordem no mundo’, manifestando-se partidário das mudanças sociais, econômicas e políticas245.

Segundo Klöckner, a “mensagem foi interpretada como advertência aos aliados e uma aproximação com os países do Eixo246”. Ainda em 28 de agosto de

1941, às 12h55, o programa Repórter Esso, patrocinado pela Esso Brasileiro de Petróleo, produzido pela agência United Press International, entrou no ar. O noticiário que teve grande importância durante a 2ª Guerra Mundial, contribuiu para aproximar os Estados Unidos do Brasil. Num formato diferente e com textos objetivos, o informativo conquistou a credibilidade dos ouvintes e foi o porta-voz das notícias do front tendo como fonte principal a versão dos Aliados.

Além dessa relação mantida pelo meio radiofônico, os Estados Unidos procuraram evitar que os países alinhados no Eixo tivessem influência na América. Haussen247 ressalta que quando a guerra começou “o governo brasileiro declarou-

se neutro, enquanto os Estados Unidos iniciavam uma forte ação no sentido de eliminar a influência do Eixo no continente americano248”.

O Brasil estava numa posição estratégica. Possuia recursos naturais e influenciava a política na América do Sul e, por isso, complementa Haussen,

243 Op. Cit. RIBEIRO, Nelson.. p. 90

244 KLÖCKNER, Luciano. O noticiário radiofônico como política de guerra e a edição brasileira

de O Repórter Esso. In: ABREU, João Batista de.; GOLIN, Cida. (Orgs). Batalha Sonora: o rádio e

a Segunda Guerra Mundial. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. 245 Idem. p. 50

246 Idem. p. 51

247 HAUSSEN, Doris Fagundes. Rádio e Política – tempos de Vargas e Perón. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.

“adquiriu grande importância nesse esforço do governo do presidente Roosevelt. E Vargas aproveitou essas circunstâncias para obter benefícios econômicos, militares e políticos para o país249”. A política de boa vizinhança entre os dois países

representou para o Brasil a adoção do estilo de vida dos norte-americanos, caracterizado pelo consumo da Coca-Cola e pela leitura de revistas em quadrinhos como Pato Donald.

Além disso, compara Klöckner, o Brasil “abrigava colônias de imigrantes italianos, alemães e japoneses250” e empresas americanas:

A Standard Oil Company, General Eletric e RCA Victor passaram a distribuir os seus produtos no mercado nacional e junto chegaram as grande agências de publicidade: J.W. Thompson e McCann- Erickson, entre outras, lançando as bases da globalização na comunicação brasileira e da América Latina251.

Ao mesmo tempo, entre 1933 e 1938, o Brasil mantinha relações comerciais fortes com os Estados Unidos e com a Alemanha. Exportou para os países americanos, por ordem, de acordo com Seiteifus, 46,7% (1933), 38,9% (1936) e 34,3% (1938)252. Para a Alemanha, exportou: 8,1% (1933), 13,2% (1936) e 19,1%

(1938). As importações dos Estados Unidos ficaram na média de 22% e da Alemanha aumentou de 12% (1933) para 25% (1938), ultrapassando os Estados Unidos.

Jambeiro lembra que quando a Alemanha invadiu a França, Vargas demonstrou simpatia aos ideais nazi-fascistas e o DIP proibiu “a exibição de filmes que de alguma forma falassem bem do regime liberal-democrata, proibindo o uso da palavra democracia em qualquer lugar253”. Nesse mesmo ano, Vargas também

passou a perseguir os comunistas e seus aliados, principalmente os ligados ao Partido Comunista.

Mas, enfatiza Fausto254, Vargas teve que fazer uma escolha. Mesmo tendo

afinidade com a Alemanha, “acabou pendendo para as forças democráticas, por

249 Op. Cit. HAUSSEN, Doris Fagundes. p. 22 250 Idem. p. 53

251 Idem. p. 53

252 Op. Cit. SEITENFUS, Ricardo. p. 44 253 Op. Cit. JAMBEIRO, Othon. p. 99

254 FAUSTO, Boris. História do Brasil. Brasília. Ministério da Comunicação, Secretaria de Educação a distância, 2002

razões de ordem prática255”. Caso não apoiasse os Estados Unidos, Vargas

poderia tomar uma posição arriscada e colocar em perigo a troca comercial existente entre os dois países e alguns investimentos previstos pelos americanos no Brasil.

D’Araujo256 relata que num discurso que pronunciou em junho de 1940 a

bordo do encouraçado Minas Gerais, Vargas criticou o liberalismo e mencionando a necessidade de “compreender a nossa época e remover o entulho das ideias mortas e dos ideais estéreis257”, que foi

interpretado por alguns como uma declaração de que o Brasil estaria se aproximando dos países do Eixo; para outros, teria sido uma forma de pressionar os Estados Unidos a conceder o financiamento necessário para a implantação da indústria siderúrgica, objetivo de fato alcançado258.

Em janeiro de 1942, em solidariedade aos Estados Unidos, Vargas anuncia em um discurso o rompimento com os países do Eixo. Meses depois, por causa dos ataques aos navios brasileiros por submarinos alemães, o presidente Vargas declara estado de guerra à Alemanha, Itália e Japão, em 31 de agosto. Em seguida enviou o primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB), com 25 mil soldados, para combater na Itália.

Com essa decisão de aderir aos países Aliados, o Brasil priorizou os interesses comerciais com os Estados Unidos a fim de receber “investimentos no setor siderúrgico brasileiro259”, o que possibilitou o surgimento da Companhia

Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda.

A partir desse posicionamento ao lado das nações democráticas, o Estado Novo entrou em declínio e, em outubro “começou a circular o Manifesto dos Mineiros, assinado por 76 personalidades pedindo a redemocratização do país260”.

Para Vargas, o mais importante naquele momento era a “emancipação econômica

255 Op. Cit. FAUSTO, Boris. p. 69

256 D’ARAUJO, Maria Celina (Org.). Getúlio Vargas – Perfis Parlamentares. Nº 62. Câmara dos Deputados. Brasília: Edições Câmara, 2011.

257 Discurso de Getúlio Vargas em 11 de junho de 1940. In: Getúlio Vargas – Perfis Parlamentares. Nº 62. p. 34

258 Idem. p. 34

259 Op. Cit. KLÖCKNER, Luciano. p. 53

260 Discurso de Getúlio Vargas em 2 de março de 1945. In: In: Getúlio Vargas – Perfis Parlamentares. Nº 62. p. 35

do país e do trabalhador garantida pela implantação de indústrias de base, fabricantes de máquinas produtoras de máquinas261”. Com o término do conflito, o

governante reconheceu que era “o momento propício e indicado para convocarmos a nação a fim de pronunciar-se e escolher os seus dirigentes262”.

Skidmore salienta que o governo americano, com o presidente Roosevelt, estava ansioso para ajudar o Brasil no desenvolvimento econômico e também porque precisava se expandir comercialmente. O primeiro grande negócio foi um empréstimo de 20 milhões de dólares para a nova Companhia Siderúrgica Nacional. O que, completa o autor,

demonstrava que o governo americano dava uma substância econômica à política da Boa Vizinhança e era uma tentativa de uma maior penetração comercial na América Latina. O governo americano tinha boa vontade porque sabia que Vargas havia negociado com a Alemanha nazista que estava trabalhando na montagem siderúrgica263.

De acordo com Skidmore, “a participação americana no desenvolvimento econômico brasileiro tornou-se maior ainda, quando a administração Roosevelt enviou uma missão técnica para ajudar a planejar a mobilização do Brasil264”, ainda

em 1942. Esse foi o “primeiro levantamento sistemático dos recursos brasileiros. Vargas, é claro, ficou satisfeito com o esforço do país vizinho porque pode “elaborar uma política de industrialização, objetivo para o qual se encaminhava desde 1937265”.

Ao mesmo tempo que aconteceu a consolidação da cooperação comercial entre os Estados Unidos e Brasil, a “presença dos soldados brasileiros entre as tropas aliadas que combatiam a Alemanha e a Itália foi um fator importante para a redemocratização do Brasil, após o término do conflito266”.

261 Op. Cit. Discurso de Getúlio Vargas em 2 de março de 1945. p. 35 262 Idem. p. 35

263 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Tradução: Ismênia Tunes Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 68

264 Idem. p. 68 265 Idem. p. 68

Segundo Jambeiro, “a participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial aprofundou a contradição entre democracia e autoritarismo, apressando o final do Estado Novo e a queda de Vargas267”.