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2. A ALIANÇA ATLÂNTICA E A UNIÃO EUROPEIA

2.2. A União Europeia

2.2.3. A Posição da Rússia

Após o fim da Guerra Fria, e com a dissolução da União Soviética, a Rússia encontrava-se fraca, e atrasada em termos políticos e económicos. Para se desenvolver e para recuperar poder e influência, necessitaria do auxílio europeu. Assim, a UE definiu uma estratégia cujos principais objectivos seriam a democratização da Rússia e a sua integração numa ordem comum europeia. Em 1994 foi concluído o Acordo de Parceria e Cooperação (APC) entre a Rússia e a UE, entrando apenas em vigor em 199759. Segundo João Almeida “a análise da natureza da expansão europeia…

projectou as percepções europeias para a Rússia” (Almeida, 2008:19). Estava aberta a possibilidade da Rússia poder vir a integrar a UE.

57 DEUS, Ruth da Costa. Cooperação Internacional: Da Teoria ao Caso Prático das relações UE – Países Terceiros

Mediterrânicos, Ed. do Autor, Policopiado, Lisboa, 2008 [Tese de Doutoramento, ISCSP-UTL], p.297.

58 Ibidem, p.21.

59 O APC só entrou em vigor e foi ratificado em 1997, como forma de protesto contra o excessivo e desproporcionado uso da

Os europeus acreditaram que a Rússia compreendia e aceitava as boas intenções da UE. Mas esta situação não se verificou, “as elites russas não partilham as mesmas percepções e consideram… que a ordem europeia resultante do alargamento da UE não corresponde necessariamente aos interesses russos” (Almeida, 2008:19).

Esta tentativa da UE para projectar os valores europeus, transformar a Rússia e integrá-la numa nova ordem europeia foi apenas aceite pela Rússia porque esta não tinha outra opção. João Almeida refere “mais do que uma opção estratégica, foi a fraqueza pós-soviética que obrigou a Rússia a aceitar o paradigma do «pós-Guerra Fria»”. (Almeida, 2008:20).

No ano de 2004 ocorreu o grande alargamento da UE, com a inclusão de dez novos Estados- membros, três deles, antigas repúblicas da União Soviética (as repúblicas bálticas) e quatro antigos membros do Pacto de Varsóvia (os quatro países Visegrado). Como referiu João Almeida “este alargamento teve… um duplo efeito negativo para a Rússia. Por um lado, dificultou as exportações da Rússia para os novos Estados-membros. As exigências de qualidade tornaram-se mais rigorosas e mais severas, o que produziu um grande efeito, principalmente nas exportações dos produtos agrícolas” (Almeida, 2008:20). Este alargamento teve ainda impacto na liberdade de circulação dos cidadãos russos visto passar a ser necessário obter vistos para viajar para as repúblicas bálticas60 ou para a Polónia. A entrada destes países no Espaço Schengen aumentou ainda mais as dificuldades dos russos, e toda esta situação provocou um enorme ressentimento e irritação nos russos ao ponto de levar os dirigentes russos a referirem-se ao “Muro de Schengen”, como o “novo muro que divide a Europa”61.

Efectivamente, depois do alargamento de 2004, a atitude da Rússia alterou-se. A situação de resignação vivida no pós Guerra-Fria, transformou-se numa “ «democracia soberana»: uma democracia ao serviço dos interesses nacionais e da expansão do poder da Rússia” (Almeida, 2008:20).

Com a Revolução Laranja na Ucrânia, as forças pró-democráticas e pró-ocidentais, apoiadas pela UE e pelos Estados Unidos, derrubaram o Governo apoiado pela Rússia e chegaram ao poder. Este episódio levou os russos a pensar seriamente na possibilidade da Ucrânia reforçar a sua independência em relação à Rússia, tornando-se um país europeu ocidental, o que não agrada de todo á Rússia. A Rússia vê a Ucrânia e a Bielorrússia “não como aquisições imperiais mas como terras russas” (Almeida, 2008:21). No Inverno de 2006, a Rússia diminuiu de forma drástica o

60 Chamavam-se repúblicas bálticas as três repúblicas soviéticas da Lituânia, Letônia e Estônia durante o período em que

pertenceram à União Soviética.

61 LIGHT, Margot, “Russian political engagement with the European Union”, p. 51. Apud Almeida, João Marques de, 2008, “A

União Europeia e a Rússia após a crise da Geórgia o fim do paradigma do «pós-Guerra Fria»”. Relações Internacionais. Dez. 2008, p.21.

fornecimento de gás à Ucrânia, o que acabou também por ter impacto nos países da UE. A Rússia tudo fará para evitar a ocidentalização da Ucrânia e para reforçar a dependência do “país” em relação à Rússia. Recentemente, como resultado das eleições realizadas na Ucrânia no passado mês de Fevereiro, Viktor Yanukovych (candidato pró russo) que havia sido derrubado da Presidência em 2004 durante referida Revolução Laranja, chegou de novo ao poder, colocando de novo a Ucrânia sob a alçada de Moscovo.

A questão da energia, a crise da Geórgia e o ressurgimento de uma Rússia agressiva e expansionista revelam que, a UE terá de gerir com grande perícia as relações com a Rússia. Para a UE, as relações com a Rússia constituem uma prioridade estratégica porque é o vizinho mais importante com quem tem fronteiras. No plano económico, a UE é o maior parceiro comercial da Rússia. No domínio da energia, a Rússia constitui o primeiro fornecedor de gás para a Europa, e os Estados-membros da União são os principais compradores da energia russa.

Quando a Rússia reduziu o fornecimento de gás à Ucrânia, a UE finalmente consciencializou- se de que está dependente da energia russa, principalmente do gás, e percebeu que Moscovo não hesita em usar a energia como arma política. Se se verificar um agravamento das relações entre a Rússia e a UE ou a Ucrânia, a Europa terá sérias dificuldades no abastecimento de energia. Por tudo isto, era importante que a UE reforçasse a cooperação entre os Estados-Membros, e construísse um mercado comum e uma política externa comum na área da energia.

Quanto ao conflito armado na Geórgia, é a posição da Rússia que nos interessa aprofundar. Na noite de 7 de Agosto as forças da Geórgia usaram a força militar como resposta a ataques dos ossetas. Tendo em conta a presença militar das forças russas no território da Ossétia do Sul, seria de esperar uma resposta militar á intervenção da Geórgia. Isto, no entanto, não se verificou. As forças russas não se limitaram a defender o território da Ossétia do Sul: entraram na Geórgia, chegando mesmo até cerca de 40 quilómetros da capital, ocupando Gori e o porto georgiano de Poti no mar Negro. Com tais acções não podemos afirmar que a Rússia teve uma posição meramente defensiva. Como refere João Almeida “há uma esfera de influência russa junto das suas fronteiras, onde Moscovo faz o que for necessário para defender os seus interesses e de um modo unilateral” (Almeida, 2008:23). Um país que faz uso da força militar contra um vizinho seu, para mostrar o seu novo equilíbrio de poder regional, desafiando a lógica da paz perpétua de Kant presente nos fundamentos da política da vizinha Europa, mostra-nos uma Rússia agressiva com quem é preciso, cada vez mais, reforçar a cooperação.

Se as relações entre a UE e a Rússia se agravarem, será necessário um maior entendimento entre os Estados-Membros, ou a Rússia conseguirá “dividir os Estados-Membros e desvalorizar a importância da EU” (Almeida, 2008:28), “reforçando as relações bilaterais com os diferentes países europeus” (Almeida, 2008:27).