4. Análise Jurisprudencial Da Premissa Estabelecida No Julgamento No Caso
4.2. Posições contrárias a sua admissibilidade
É pacífico na jurisprudência pátria que as exceções à independência entre as
esferas penal e administrativa estão pautadas, principalmente, em duas possibilidades,
quais sejam, a negativa de existência do fato e a negativa de autoria.
Ademais, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu que, mesmo
nas hipóteses de negativa de materialidade ou de autoria, não se pode suspender os
processos administrativos disciplinares enquanto tramitarem ações penais relativas aos
mesmos fatos:
EMENTA: PROCESSO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. SUSPENSÃO EM FACE DE AÇÃO PENAL EM CURSO. INOCORRÊNCIA. - A restrita hipótese de exceção à independência entre as esferas administrativa e penal (absolvição criminal que negue a existência do fato ou a sua autoria) não justifica, por si só, a suspensão de processos-administrativos disciplinares enquanto tramitarem ações penais relativas aos mesmos fatos. Inteligência dos artigos 28, 125 e 126 da Lei n.º 8.112/90. - Apelação provida em parte, apenas para o fim de, com base no art. 20, § 4º, do CPC, dada a relativa ausência de complexidade da causa, fixar os honorários advocatícios em R$ 500,00. (TRF4, AC 2005.72.00.003126-8, Quarta Turma, Relator Edgard Antônio Lippmann Júnior, D.E. 26/11/2007)
Conclui-se que, mesmo nas hipóteses de exceção à autonomia das
instâncias, respeita-se o trâmite das ações, para, assim, chegar-se à vinculação das
esferas. Isto ocorre porque, como já exposto, o Direito Administrativo Brasileiro já
internalizou a autonomia das instâncias, funcionando esta como regra geral.
Contudo, há de se ressaltar a conclusão, na via administrativa, pela licitude
da conduta imputada, como forma de flexibilizar-se este princípio. Em julgado do STJ,
foi reconhecida a ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal, tendo
em vista o Banco Central ter descaracterizado a irregularidade apurada. O Conselho de
Recursos do Sistema Financeiro Nacional arquivou o processo, concluindo pela licitude
da conduta. Desta forma, as práticas que ensejaram a representação administrativa e a
posterior ação criminal foram reconhecidas como não sendo condutas delitivas. O STJ
posicionou-se, assim, pelo arquivamento da ação penal.
71Conforme observa-se neste julgado, foi reconhecida a vinculação de
instâncias, o que nos leva a crer que não há, de fato, uma autonomia plena e
indiscriminada, devendo o operador do direito agir com cautela para identificar as
circunstâncias que autorizam a influência de uma esfera em outra.
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Neste sentido, observar: HABEAS CORPUS. GESTÃO TEMERÁRIA. AÇÃO PENAL INTENTADA EXCLUSIVAMENTE COM BASE EM REPRESENTAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. POSTERIOR DESCARACTERIZAÇÃO DA ILICITUDE DOS FATOS PELO CONSELHO DE RECURSOS DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DO STF E STJ. ORDEM CONCEDIDA. 1. A lesão que se pretende evitar com o presente mandamus diz respeito ao conceito de probidade indispensável ao exercício da atividade profissional ligada ao Sistema Financeiro Nacional. Não se deve restringir o meio de defesa daquele que se vê injustamente processado por crime considerado grave, com implicações severas na vida profissional, postergando a análise de questão que pode conduzir ao completo esvaziamento da persecução criminal, sobre o singelo argumento de que a matéria será apreciada no recurso de Apelação ou de que não houve pena privativa de liberdade.
2. Desnecessário o exame aprofundado de provas, no caso concreto, bastando cotejar os fatos que deram suporte à denúncia (fundada exclusivamente em representação do Banco Central) com aqueles mencionados no acórdão do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, que inocentou o paciente da acusação de gestão temerária, determinando o arquivamento da representação, restando evidente a correspondência entre eles.
3. Tendo o órgão estatal responsável pela fiscalização do Sistema Financeiro Nacional, após regular e amplo procedimento administrativo, concluído que as práticas que motivaram a representação administrativa e, posteriormente, a investigação criminal, não caracterizaram gestão temerária, evidente a atipicidade da conduta, a conduzir ao trancamento da Ação Penal por falta de justa causa. Precedentes do STF e do STF (RHC 12.192/RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJU 10.03.03 e HC 83.674/SP, Rel. CARLOS VELLOSO, DJU 16.04.04).
4. No Estado Democrático de Direito, o devido (justo) processo legal impõe a temperança do princípio da independência das esferas administrativa e penal, vedando-se ao julgador a faculdade discricionária de, abstraindo as conclusões dos órgãos fiscalizadores estatais sobre a inexistência de fato definido como ilícito, por ausência de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade, alcançar penalmente o cidadão com a aplicação de sanção limitadora de sua liberdade de ir e vir.
5. É certo que esta independência também funciona como uma garantia de que as infrações às normas serão apuradas e julgadas pelo poder competente, com a indispensável liberdade; entretanto, tal autonomia não deve erigir-se em dogma, sob pena de engessar o intérprete e aplicador da lei, afastando-o da verdade real almejada, porquanto não são poucas as situações em que os fatos permeiam todos os ramos do direito.
6. Ordem concedida, para trancar a Ação Penal a que responde o paciente por infração ao art. 4o., parág. único da Lei 7.492/86, anulando-se a sentença condenatória, nesse ponto, em consonância com o parecer ministerial. (STJ - HC: 77228 RS 2007/0034711-6, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 13/11/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 07.02.2008 p. 1)
Reconhece-se o caráter de ultima ratio do direito penal, no sentido de que,
constatada a licitude da conduta na esfera administrativa, deve-se ater ao princípio da
presunção de inocência, para que não se prive o processado de liberdades individuais de
forma indiscriminada, conforme se extrai do voto do Ministro Relator do processo,
Napoleão Nunes Maia Filho:
Muito se propagou sobre a independência absoluta entre esses dois ramos do Direito Público, o Administrativo e o Penal; entretanto, com a constitucionalização do Estado Democrático de Direito e do seu consectário lógico, o devido (justo) processo legal, que abarca o contraditório e a ampla defesa, ao julgador não se pode conferir a faculdade discricionária de - abstraindo as conclusões dos órgãos administrativos fiscalizadores (estatais) sobre a inexistência do fato definido como ilícito administrativo e penal, por ausência de tipicidade, ilicitude ou culpabilidade - alcançar a esfera penal do indivíduo com a aplicação de sanção limitadora da liberdade de ir e vir
.
72Observa-se um posicionamento favorável a reconhecer que a ausência de
quaisquer dos elementos do crime, numa perspectiva tripartite, quais sejam, atipicidade,
antijuridicidade e culpabilidade, não pode ensejar o processamento na via criminal, por
mais que esta conclusão tenha sido alcançada pelo órgão da Administração. Entende
desta forma por encontrar, na sanção penal, um extremo, uma verdadeira privação de
liberdades individuais, que só poderia ser exercida diante da certeza da conduta delitiva.
Está-se diante de uma expansão do princípio da presunção de inocência.
Eis um claro contraponto à premissa em estudo, por reconhecer na
Administração um parecer criminal que influi diretamente na ação judicial, sem que esta
sequer tenha sido iniciada.
No tocante a sentença absolutória, o TRF da 3ª Região entendeu pela
desnecessidade de inquérito policial para a validação da denúncia, reconhecendo a
pertinência das informações prestadas pelo Banco Central para concluir pela prática
delitiva imputada:
APELAÇÃO CRIMINAL - PROCESSUAL PENAL - ARTIGO 4º, CAPUT, LEI Nº 7.492/86 - PRELIMINARES - CERCEAMENTO DE DEFESA - INÉPCIA DA DENÚNCIA - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - REJEIÇÃO - NÃO CONFIGURADO REQUISITO DA FRAUDE - REFORMA DA SENTENÇA PARA ABSOLVER RÉU CONDENADO - MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO DE CO-RÉU- RECURSO DA
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ACUSAÇÃO IMPROVIDO - RECURSO DA DEFESA PROVIDO. [...]4. Regular o indeferimento de expedição de ofícios ao Banco Central para apuração do resultado do processo administrativo instaurado em face da "INTRA", tanto por não interferir no deslinde deste feito, dada a independência das esferas administrativa e penal, quanto porque a própria parte poderia, e de fato o fez, trazer aos autos a documentação requerida por sua própria conta. 5. Inocorre falha ou obscuridade na denúncia, por estar lastreada com informações suficientes à caracterização da materialidade e autoria delitivas, atendendo ao artigo 41 do C.P.P. 6. Desnecessidade de instauração de inquérito policial para que se valide o oferecimento da denúncia, pois constata-se que as informações do Banco Central são suficientes para, em uma primeira análise, se concluir pela prática delitiva imputada. 7.[...] 14. Não demonstrada, portanto, uma das circunstâncias elementares do tipo e, não sendo a hipótese de aplicação do artigo 384 do C.P.P., resta ser absolvido João Augusto Pereira de Queiroz. 15. Prejudicada a análise das demais questões invocadas, como a responsabilidade do co-réu Benjamin e do alegado bis in idem, este na hipótese de condenação.
(TRF-3 - ACR: 110790 SP 1999.03.99.110790-6, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SUZANA CAMARGO, Data de Julgamento: 03/09/2002, QUINTA TURMA)