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2 Referencial Teórico

2.1 A teoria dos campos sociais

2.1.4 Posições e capitais

As posições dos agentes no campo resultam da história das posições objetivas e das disposições. As posições objetivas estão imersas na estrutura e orientam, mesmo que seja negativamente, o que os agentes podem fazer, ou seja, suas tomadas de posição. Já as disposições resultam da capacidade de agir do agente (BOURDIEU, 2004), como fica claro a seguir:

Os agentes sociais estão inseridos na estrutura e em posições que dependem do seu capital e desenvolvem estratégias que dependem, elas próprias, em grande parte, dessas posições, nos limites de suas disposições. Essas estratégias orientam-se seja para a conservação da estrutura seja para a sua transformação, e pode-se genericamente verificar que quanto mais as pessoas ocupam uma posição favorecida na estrutura, mais elas tendem a conservar ao mesmo tempo a estrutura e sua posição, nos limites, no entanto, de suas disposições (isto é, de sua trajetória social, de sua origem social) que são mais ou menos apropriadas à sua posição (BOURDIEU, 2004, p.29).

A relação entre posição e tomada de posição não é determinada mecanicamente. O agente utiliza sua percepção, advinda do seu habitus, sobre as possibilidades disponíveis, podendo acolher ou recusar um desses possíveis de acordo com o interesse que tem em jogo. A sua trajetória também influencia nessa escolha. Por trajetória entende-se o conjunto de posições que foram ocupadas sucessivamente pelo agente ao longo da sua vida (BOURDIEU, 1996a).

Para determinadas posições são esperadas práticas, valores e capitais que justifiquem sua ocupação (MADEIRO; CARVALHO, 2003). Assumir posições contrárias é correr o risco de jogar nos contrários, também chamado de jogo duplo. Um agente em posição dupla está condenado à ruína, pois não deveria jogar em polos diferentes “sob pena de perder tudo querendo ganhar tudo” (BOURDIEU, 1996b, p. 28). Bourdieu (1996b, p. 36) explica que quando isso ocorre tem-se uma “colisão imprevista de possíveis socialmente exclusivos”.

Em contrapartida, ocupar posições semelhantes não significa propriamente a formação de um grupo, mas que os atores se aproximam ou por suas tomadas de posição ou por sua trajetória pessoal ou por relações de amizade etc (BOURDIEU, 1996b). A posição do agente em um campo tem a ver com a quantidade e os tipos de capitais de que ele dispõe. Os capitais podem ser de diferentes espécies.

As espécies de capital, à maneira dos trunfos num jogo, são os poderes que definem as probabilidades de ganho num campo determinado (de facto, a cada campo ou

subcampo corresponde uma espécie de capital particular, que ocorre, como poder e como coisa em jogo, neste campo). Por exemplo, o volume de capital cultural (o mesmo valeria, mutatis mutandis, para o capital econômico) determina as probabilidades agregadas de ganho em todos os jogos em que o capital cultural é eficiente, contribuindo deste modo para determinar a posição no espaço social (na medida em que esta posição é determinada pelo sucesso no campo cultural) (BOURDIEU, 2009a, p. 134).

O capital social engloba todas as relações sociais. Com isso, o agente ao participar de um grupo, pode apropriar-se dos benefícios materiais ou simbólicos que circulam entre os seus membros (BONAMINO et al., 2010). O capital econômico compreende o conjunto de recursos materiais e financeiros acumulados pelos agentes. Bonamino et al. (2010) destacam que esse capital pode aparecer na forma de fatores de produção (terras, ferramentas, fábricas, trabalho etc.) ou de bens econômicos (dinheiro, patrimônio etc.), compreendendo todos os recursos materiais que possam ser valorizados do ponto de vista econômico.

O capital cultural tanto é repassado pelas instituições escolares como pela família. Ele reúne os conhecimentos, as informações e as habilidades adquiridas pelos agentes e pode ser encontrado em três estados: o incorporado, o objetivado e o legitimado. O capital incorporado não pode ser herdado, diferentemente do capital econômico. Trata-se de um conhecimento aprendido geralmente pela transmissão, internalizado pelo agente no decorrer da vida. O estado objetivado ocorre quando o capital se encontra de forma materializada, como os livros e os quadros; e o estado legitimado relaciona-se ao reconhecimento institucional do capital cultural e pode ser representado a partir de certificados e títulos escolares (BOURDIEU, 1979).

Sobre o capital simbólico, Bourdieu (1996a) explica que é necessário que os agentes percebam, reconheçam e deem valor a um capital qualquer (econômico, social, cultural etc.). Ele cita um exemplo que demonstra que o capital simbólico só existe se for reconhecido pelos agentes do campo.

Um exemplo: a honra nas sociedades mediterrâneas é uma forma típica de capital simbólico que só existe pela reputação, isto é, pela representação que os outros se fazem dela, na medida em que compartilham um conjunto de crenças apropriadas a fazer com que percebam e apreciem certas propriedades e certas condutas como honrosas ou desonrosas (BOURDIEU, 1996a, p. 107).

A luta que ocorre dentro do campo de poder permite ver qual capital é mais importante, ou seja, o princípio de hierarquização do campo. Na sociedade atual, o capital econômico é um princípio dominante quando comparado ao capital cultural (CARVALHO;

VIEIRA, 2007; VANDENBERGHE, 2010). Segundo Bourdieu (2009, p. 12), “a classe dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização [...].” As frações dominantes e as frações dominadas estão em constante luta para impor a legitimidade de sua dominação. O poder das frações dominantes reside no capital econômico definindo o mundo social a partir da sua importância. Já nas frações dominadas, onde se pode incluir os intelectuais na sociedade atual, tendem a querer colocar o capital cultural no topo da hierarquia.

Para estar apto a jogar o jogo, ou em outras palavras, se tornar um jogador legítimo no campo, o indivíduo deve possuir a quantidade mínima necessária de capitais valorizados dentro de uma determinada estrutura (CARVALHO; VIEIRA, 2007).

[...] os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume do seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço. Mas, contrariamente, cada agente age sob a pressão da estrutura do espaço que se impõe a ele tanto mais brutalmente quanto seu peso relativo seja mais frágil. Essa pressão estrutural não assume, necessariamente, a forma de uma imposição direta que se exerceria na interação (ordem, “influência” etc) (BOURDIEU, 2004, p.24).

Uma característica importante no campo é a forma como um tipo de capital pode se converter em outro tipo de capital, o que pode ser denominado de estratégias de reconversão. O agente, unidade caracterizada por uma determinada prática social dentro do campo, converte um tipo de capital em outro que lhe traga mais poder. Isso não é tão simplório quanto parece, pois envolve toda a estrutura do campo e a disposição do ator (DARBILLY; KNOPP; VIEIRA, 2009).

A posse de qualquer capital que seja devidamente reconhecido pelos agentes no campo fornece poder simbólico ao agente que o detém. Sobre o poder simbólico, a próxima seção explica-o.