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4 Descrição e análise dos dados

4.1 O subcampo do patrimônio ferroviário no Brasil e em Pernambuco

4.1.3 Possível estrutura social do campo

Nesta seção, intentou-se mapear a possível estrutura social do subcampo do patrimônio ferroviário no Brasil e em Pernambuco. Por isso, as duas seções anteriores tornaram-se necessárias para que a pesquisadora, a esta altura, apresentasse um esboço dessa estrutura já que a descrição da gênese de um campo, como o do patrimônio ferroviário, dar subsídios para analisar a fórmula geradora (disposição dos atores de que o campo apresente uma situação desejada) e a estrutura social (as determinações sociais que orientam os atores a agirem de forma já esperada) (BOURDIEU, 1996b).

O que a estrutura social do campo representa hoje é resultado da disposição dos agentes ao longo da história. Assim, em diferentes momentos, a estrutura social foi estabelecida pelos atores como também determinou as ações dos atores (BOURDIEU, 1996b). É algo dinâmico e relacional durante toda história do campo.

Captando a possível estrutura social do subcampo do patrimônio ferroviário, ficará mais fácil entender no último tópico desta análise o porquê dos agentes (principalmente, prefeitura e artistas) tomarem alguns posicionamentos que são também reflexos dessa estrutura social e outros que vão de encontro ao que esta estrutura “encaminha”, através das posições objetivas que eles ocupam.

Agentes como o Estado, o IPHAN, a RFFSA e a Fundarpe foram abordados no histórico porque são as relações objetivas entre esses atores institucionais que estabeleceram as regras do campo atualmente, encaminhando as ações dos agentes Prefeitura de Arcoverde e artistas no que diz respeito ao patrimônio ferroviário. Entretanto, estes dois últimos agentes encontraram, como será visto ao longo do trabalho, formas de desobedecer as regras determinadas por essas instituições e modificaram suas atuações no campo, ressaltando a capacidade criadora dos agentes de que o campo apresente uma nova configuração.

Como a gênese do subcampo do patrimônio ferroviário se situa no Brasil Imperial, é notável na reconstituição histórica desse campo como é decisiva a participação do Estado na delimitação de como os outros agentes devem proceder em relação ao patrimônio ferroviário no Brasil. Assim, do Governo Imperial ao Republicano percebe-se a imposição da visão do Estado atuando sobre essa questão.

Apesar de nas seções anteriores não ter se identificado com precisão os conflitos que existiram entre esses agentes, é possível inferir que muitas vezes o Estado impôs as regras do jogo. Algumas vezes ele também teve que mudar as regras, como quando o Padre Feijó,

regente do Império, trabalhou na lei de 1835 que concedia benefícios para a construção de ferrovias no Brasil e houve necessidade de mudanças nas condições que a lei impunha já que os benefícios não eram tão atrativos para os ingleses. Com isso, houve a ampliação de benefícios com a Lei Nº 641, de 1852. Nesta situação, ver-se o Estado determinando as regras do jogo, inclusive dizendo a palavra final, muito embora se perceba que a mudança existiu para atrair investimentos estrangeiros. Como explica Madeiro e Carvalho (2003), é o Estado que define parcialmente as regras do jogo, conferindo legalidade às ações do campo (grifo meu).

E parece ter sido assim ao longo de toda história do subcampo do patrimônio ferroviário no Brasil. Do Império à República são as leis, os decretos e as portarias que regulamentam como os agentes devem jogar o jogo, como ficou evidente na descrição do histórico do patrimônio ferroviário no Brasil e em Pernambuco. O Estado, enquanto detentor do monopólio do uso legítimo da violência física e simbólica sobre a população de um determinado território (BOURDIEU, 1996a) legitima as regras do jogo.

A presença de empresas estrangeiras parece ter assumido o comando do jogo, durante o tempo em que o Estado esteve mais ausente, ou seja, em alguns governos liberais, que não eram a favor da intervenção do Estado na Economia. Mas, mesmo com as negociações, com as regalias dessas empresas, quando o Estado quis, ele se posicionou mediante as situações. Em resumo: o Estado legitimou a inserção das ferrovias no Brasil; a concessão às empresas estrangeiras; o resgate dessas ferrovias; a inserção do modal rodoviário; a criação, extinção e liquidação da RFFSA; e a preservação da memória ferroviária, através da Lei 11.483/2007, outorgando ao IPHAN a responsabilidade pela administração dos conjuntos ferroviários que tivessem valor cultural.

Nas determinações das leis do campo, o Estado atua de forma decisiva sobre a questão da preservação e uso das estações através de vários órgãos, dentre os quais o IPHAN. E este, por sua vez, está sujeito na estrutura social aos ditames do Estado. Assim como também deveria acontecer com a Prefeitura e com os artistas, não fosse o desejo desses agentes de que a configuração do campo mudasse. De um lado, encontra-se o Estado e o IPHAN trabalhando na conservação das regras do campo. Do outro, dois extremos: a prefeitura de Arcoverde e os artistas da cidade. Enquanto aquela luta pela cessão da Estação de Arcoverde; estes, que já lutaram pela cessão da Estação e não conseguiram, agora almejam a continuidade do uso dos imóveis que já utilizam.

Além destes atores, ainda se vê a Fundarpe que parece ter recuado dessa luta em específico pela ausência de atuação, mas que legalmente se envolve por conta do tombamento

temático que, quer queria quer não, abre oportunidades para exigir um posicionamento dessa instituição pelos agentes.

Outros atores participam deste campo, mas para atender o objetivo geral da pesquisa, foram considerados o Estado, o IPHAN, a Prefeitura de Arcoverde, os Artistas e a Fundarpe. De um modo geral, o subcampo do patrimônio ferroviário sofreu diretamente com as pressões externas, revelando pouco grau de autonomia. As guerras mundiais, as mudanças políticas de governo e os investimentos estrangeiros foram pressões externas que se traduziram no campo.

A seguir, antes de entrar propriamente nas dinâmicas de poder que envolve a Estação de Arcoverde, será abordado um pouco sobre a história desse conjunto ferroviário.