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CAPÍTULO 2 – DINÂMICAS DE INTERSUBJETIVIDADE EM PROCESSOS DE NEGOCIAÇÃO E PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS

2.3 Posicionamentos do self nas dinâmicas de intersubjetividade

No item 2.2, buscamos definir o conceito de cronotopo nas dinâmicas de intersubjetividade, o que nos leva refletir sobre os posicionamentos do self e como os sujeitos se constituem na/pela cultura. Hermans (2001) propõe a mútua inclusão entre self e cultura, a fim de evitar que o sujeito seja visto de forma individualizada e autossuficiente ou que a cultura seja entendida como um conceito abstrato. Self e cultura complementam- se como sendo um espaço no qual as relações dialógicas podem se desenvolver e no qual os sujeitos podem assumir múltiplas posições, sejam elas microtemporalidades do cotidiano ou transições de desenvolvimento ao longo da vida. Em concordância, Zittoun e Grossen (2013) alegam que é no espaço do self e cultura que o sujeito toma consciência de si-mesmo e dos outros e onde os artefatos materiais também contribuem para a construção do senso de continuidade e integridade do Eu. É um mundo interpretado e simbólico, em que os indivíduos se representam a si próprios como grupos sociais e culturais em dada materialidade histórica e em processos de identificação e identidade (Ligorio, 2010).

Hermans (2001) intitulou de self dialógico a combinação dos aspectos sociais do self individualizado, do diálogo interno e senso de continuidade do Eu, ou seja, a pessoa constrói uma identidade estável, como um todo coeso que dá forma às suas atuações e representações das experiências vividas (Rosa & Blanco, 2007). A narrativa é, então, uma forma de pensamento pela qual o indivíduo organiza a experiência socialmente construída, comporta uma trama, um arranjo temático causal e temporal, em que o sujeito pode contar o que se passou e como compreendeu dada realidade (Bruner, 2002). Já o self

do discurso inclui formas mais complexas da narrativa, visto que outras vozes discursivas, presentes em outras temporalidades e eventos, influenciam e integram nas escolhas e decisões do aqui-e-agora. O self do discurso tem base no conceito de construção polifônica em termos de multiplicidade de posicionamentos relativamente autônomos, com maior tendência à descontinuidade (Bakthin, 2010b).

Rosa, González e Barbato (2009) definem dois tipos de narrações do self: as do gênero primário, que mantêm vínculo estreito com o acontecimento vivido, neste caso, o narrador enumera cronologicamente os fatos ocorridos, faz referências explícitas às pessoas e descreve pontualmente as intervenções na trama. O segundo tipo refere-se ao gênero secundário, em que o narrador estabelece domínio discursivo mais complexo, narra de forma mais distante e elaborada o fato. Apresenta explicações causais, faz retomadas para justificar algo, expõe motivos que interconectam o enredo no desenrolar dos acontecimentos, ou seja, nós criamos narrativas para nós mesmos – e também para os outros – sobre nossas próprias ações passadas, a fim de fazer sentido do que fazemos e de quem somos (Polkinghorne, 1991).

Rosa e Blanco (2007) defendem que o senso de identidade do Eu (I) e do Mim (Me) é garantido pelas atuações, como atos de identificação conectados entre si, esquemas intencionais nos quais se estrutura o diálogo como “signos que são coerentes com o uso de outros signos em um mesmo jogo de linguagem” (p. 6). Para os autores “ações e atuações são o primeiro meio mediacional para a identificação de regularidades e diferenças para se entender e fazer sentido sobre o mundo, bem como para influenciar o comportamento dos outros” (idem, p. 7). Ações e atuações são explicadas de forma contextualizada e situada no/pelo discurso, o Self (I, Me, Mine) ou o Nós são dêiticos que podem indicar atuações discursivas as quais contribuem na identificação da agencialidade, identidade pessoal, self-conceito etc. Nesse sentido, verifica-se que o self pode tomar posições relativamente autônomas, em um espaço imaginário o qual é interligado ao espaço físico, em que o sujeito pode ir de um posicionamento a outro e ser posicionado, criando campos de negociação com o outro, considerando, ainda, que as dinâmicas entre sujeitos sempre envolvem um contexto moral e ações intencionais (Hermans, Kemper & van Loon, 1992; Harré & van Langenhove, 1999).

O conceito de posicionamento proposto por Davies e Harré (1990) tem sido usado para definir a inter-relação entre o posicionamento do self em relação a outros sujeitos no

discurso, observando-se que o ato ilocucionário traz em si uma proposição, a intencionalidade que atua na orientação do outro e na antecipação de possível resposta ou ação. Os autores notam que o papel dominante de um dos interlocutores na conversação pode forçar o outro a tomar um posicionamento que talvez não teria voluntariamente, isso pode estar relacionado a uma questão moral ou ao estabelecimento de polaridades – poder/falta de poder, dominância/submissão, vulnerável/vítima etc. Contudo, a pessoa posicionada pode se reposicionar refutando ou reprovando tal posição, o que gera o caráter dinâmico dos posicionamentos e a possibilidade de agencialidade (Davies & Harré, 1990; Harré & van Langenhove, 1999). No caso de coalisão de posicionamentos, pode ocorrer uma mudança do repertório pessoal (Hermans & Hermans-Konopka, 2010), o que leva a novas categorias de pensamento que geram mudanças pessoais, benéficas ou negativas. Nessa dialética entre sujeitos, as palavras transitam na interlocução, o que pode potencializar o espaço intersubjetivo onde as pessoas significam, ordenam a experiência e constroem a realidade (Bruner, 1986, 1990).

Nessa compreensão, nossa quinta categoria de análise focalizou diferentes posicionamentos discursivos, a saber: posição exotópica, apropriação de outras vozes, apropriação recíproca de posicionamento e posição discursiva. Na comunicação dialógica, os posicionamentos envolvem a proximidade e o distanciamento entre os interlocutores, a situação sociocomunicativa e a sequência na alternância dos turnos de fala, a transferência de poder (ou não) entre eles e a tessitura de diferentes vozes no cronotopo, em interações concretas e em relações de alteridade nos ajuda observar como o discurso transita entre os sujeitos e o como esses se reportam às outras vozes presentes na comunicação.

CAPÍTULO 3 – FORMAS DE EXPRESSÃO DA CULTURA JUVENIL NO