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Princípios da Teoria da Atividade sobre ação mediada por ferramentas

CAPÍTULO 1 – PERSPECTIVA TEÓRICA

1.4 Princípios da Teoria da Atividade sobre ação mediada por ferramentas

O conceito de ação mediada por artefatos formulado por Vygostky (1960, 2009) foi essencial para os estudos socioculturais, visto que instaurou uma nova forma de compreender e analisar a interação entre sujeitos em contextos mediados por ferramentas. Principalmente, em contextos de ensino-aprendizagem, a partir da dialética entre mente e cultura. Suas ideias foram baseadas no materialismo dialético, em que os artefatos criados pelos coletivos humanos e as atividades sociais vinculadas a eles formam a cultura (campo sígnico) a qual permite que os sujeitos transitem em um mundo simbólico e semiótico dentro de um sistema que é psicológico (Vygotsky,1960, 2009; Pino, 1991).

Vygotsky relacionou os conceitos orientadores – instrumental, histórico e cultural –, com intuito de mostrar que a relação entre os indivíduos e o ambiente material sempre é mediada por uma estrutura tripartida: sujeito, meio mediacional (ferramenta ou signo) e objeto (motivo) (Vygotsky, 1978, 2009). Com esses elementos, buscou explicar a formação dos processos mentais e o comportamento consciente humano, a fim de descobrir as fontes que organizam a atividade psíquica e as formas de comportamento. Vygotsky (1978, 2009) concluiu que o aspecto ontológico é compreendido a partir do

coletivo (corpo social), considerando que as ações humanas se baseiam na função mediadora do uso de signos e ferramentas, em atividades orientadas para metas, sendo a própria conduta considerada um instrumento para mudar a atividade interior – processo de internalização e externalização. Isso implica a própria transformação pessoal do sujeito, de tal modo que há uma síntese entre o desenvolvimento humano e a sociogênese dos processos psíquicos.

Com base na proposição da ação mediada por ferramentas, Leontiev (1997/2009) fez aprofundamento teórico sobre atividade e consciência. Seu argumento é que as atividades são distinguidas pelos seus motivos, que são materiais, como as funções básicas de sobrevivência ou, ainda, as ideais, as que são culturalmente mediadas. De maneira geral, a atividade tem significado coletivo, sendo o principal pressuposto a tensão irredutível de agentes ativos, meios mediacionais – condições materiais e semióticas –, e metas, o que gera constantes transformações internas na atividade. Leontiev (1997/2009) assinala que ação e atividade são distintas, a primeira é finita, tem começo, meio e fim, refere-se às ações cotidianas, ao início da atividade. A segunda não é um processo aditivo, mas uma sequência de ações a qual inclui um objeto (motivo) em um sistema dinâmico que se inicia na atividade externa, na prática social. O que diferencia uma atividade da outra é seu objeto, o qual aparece na atividade, de duas formas: primeiramente, o objeto em si; secundariamente, “como imagem mental, ou seja, como um produto subjetivo da atividade, o qual registra, estabiliza e carrega em si o conteúdo objetivo da atividade” (Leontiev, 1997/2009, p. 4).

Leontiev (1997/2009) enfatiza que “as características psicológicas da consciência individual só podem ser compreendidas através de suas conexões com as relações sociais as quais o indivíduo envolve-se” (p. 13), ou seja, fora das relações humanas a atividade não existe. Quanto a essa asserção, Wertsch (1991) argumenta que “o objetivo básico da abordagem sociocultural da mente é criar uma descrição do processo mental humano que reconhece a relação essencial entre os processos e o contexto cultural, histórico e institucional” (p. 6). A tese dessa asserção é a de que o processo mental toma a forma da estrutura geral externa – de generalização do objeto na cultura –, a qual envolve objetos externos que são transformados, intercambiados e novamente internalizados (elemento histórico), em suma, os tipos de raciocínios são determinados pela atividade. Na Figura 1 a seguir, Engestrӧm (1978) elabora o sistema de atividade a partir das proposições de

A. N. Leontiev. Nela podemos observar que o reflexo psicológico é inseparável dos momentos que o causam e o mediam simbolicamente na construção da realidade, verifica-se que o mecanismo de novas atividades reside na contradição interna entre o motivo prévio à atividade e o motivo nas fases subsequentes. O desenvolvimento da atividade é definidopor Engestrӧm (1999) como expansão do objeto.

Figura 1. Modelo geral do sistema de atividade

Fonte: Engestrӧm, 1978 (apud Engestrӧm & Sannino, 2010, p. 6).

A evolução desse modelo triangular é reelaborada por Engestrӧm (1987, 2008) e Engestrӧm e Sannino (2010), cujo foco inclui, no mínimo, dois sistemas de atividade interagindo. Os autores destacam que o estudo dos artefatos na atividade são componentes integrados e inseparáveis dos outros elementos do sistema, contudo, ganham novo status ao longo do desenvolvimento da atividade. Para Engestrӧm (2008), o instrumento (objetos-orientadores ou motivos) não deve ser confundido com artefato, visto que este se refere ao que existe no mundo material e que se torna um instrumento somente por meio da atividade (instrumento-significação), portanto, a Teoria da Atividade é uma teoria orientada por objetos e assentada nos preceitos marxistas de produção do trabalho (Engestrӧm, 2008). A comparação entre sistemas de atividade pode ser interessante quando se busca confrontar os resultados de diferentes sistemas de forma mais abrangente, por exemplo, as políticas públicas para inserção das TIC indicadas pelo Ministério da Educação (MEC), em contraponto à perspectiva das secretarias de educação, escolas, professores e estudantes.

Figura 2. Dois sistemas de atividade e as potencialidades do objeto compartilhado

Fonte: Engestrӧm (2008, p. 4).

Engestrӧm (2008) ainda destaca que objetos que se movem e que transitam (runaway-objects) são objetos contestados, os quais geram oposições e controvérsias, mas que podem ser objetos emancipatórios quando se abrem radicalmente para novas possibilidades de desenvolvimento ou novos sistemas, sendo a contradição uma posição inerente à atividade da comunidade, a qual é instituída por regras, divisão do trabalho e domínio de um campo de significação. O autor defende que o sistema pode abarcar infinitos sistemas que compartilham – parcialmente – o mesmo objeto, como mostrado na figura a seguir, que poderia, por sua vez, ser composta por sistemas similares ou completamente distintos, fazendo emergir pontos de divergência e convergência e/ou movimentos dentre as dimensões micro, meso e macro.

Figura 3. Runaway-objects em um amplo sistema de atividade

Sobre as questões relacionadas à aprendizagem e mediação por objetos, Engeström (1987) argumenta que a aprendizagem expansiva deve ser compreendida como um sistema distribuído onde os indivíduos deliberam e transformam os objetos de sua atenção, tais como conteúdo, prática, produto, assunto etc., em uma nova forma. Nesse sentido, é uma forma de distribuir a responsabilidade entre o grupo, considerando as diferentes vivências e expertises que são compartilhadas e negociadas. Diante disso, a transformação da aprendizagem ocorre por meio de ciclos expansivos que envolvem contradições internas (nós) que provocam mudanças e, nas fases sucessivas, os eventos primários são abandonados e um novo produto “algo que não estava presente é criado” (Engeström & Sannino, 2010, p. 2). A Figura 4 mostra os sete passos pelos quais Engeström (2010) descreve os ciclos expansivos, organizados em espiral. Como podemos observar, em cada ciclo são geradas contradições internas, as quais promovem novas transformações do objeto até que se chegue à consolidação, onde é gerada uma nova aprendizagem, prática ou produto.

Figura 4. Ciclos expansivos de aprendizagem (learning expansive cycles)

Fonte: Engestrӧm e Sannino (2010, p. 8).

A abordagem dialógica permite uma perspectiva complementar ao senso de que a aprendizagem ou prática gerada em corregulação é entendida como relação entre self- outro-objeto (Ego-Alter-Object, vide Markovà, 2013), uma exploração perceptual, comunicativa e cognitiva do meio material e semiótico. Ambas as vertentes são importantes, considerando que podemos ter entendimento mais amplo quando juntamos os discursos e a situcionalidade da ação mediada entre os indivíduos, ou seja, como

transformam o objeto de seu interesse. Desse modo, a descrição das ações e a mediação por objetos nos ajudaram a entender de forma mais complexa como as duplas de estudantes configuraram o espaço simbólico. Por exemplo, quando compartilhavam objetos, dividiam o espaço, manipulavam o espaço usando objetos, na localização espacial, no uso instrumental (comandos, tracks, códigos), na ancoragem no material durante a resolução das tarefas.

Neste primeiro capítulo, apresentamos estudos que nos apoiaram na delimitação do conceito de intersubjetividade e buscamos articulação entre a dialética defendida por Vygotsky e o dialogismo de Bakhtin, considerando que ambos teorizavam a partir de conceitos em psicologia e cultura, em que a cognição, o pensamento, a linguagem e o outro no desenvolvimento da ação mediada são centrais na compreensão dos fenômenos humanos (Wertsch, 1991, 1998). Em suma, consideramos que ao observar os elementos relacionados ao discurso, à cognição e à ação mediada por ferramentas, podemos fazer uma melhor contextualização do campo de estudo, além disso o uso de métodos mistos permite a coleta de diferentes dados que são confrontados nas diversas etapas de coleta, análise, comparações, novas teorizações, em que o tema se torna cada vez mais complexo, gerando uma narrativa, em que podemos compreender o enunciado como um todo (único e indiviso) em dado cronotopo.

CAPÍTULO 2 – DINÂMICAS DE INTERSUBJETIVIDADE EM PROCESSOS