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JUSTIÇA SOB O ALICERCE NO AGIR COMUNICATIVO

3 A POSITIVAÇÃO DA IGUALDADE

A Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 5º dispõe que: “ Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”. Poder-se-ia imaginar de antemão que o principio da isonomia, por conseguinte deve e é observado por todos os indivíduos em sociedade, no entanto, a lembrança de Toulmin, bem definido por Jurgen Habermas em

Consciência Moral e Agir Comunicativo (1989) se faz presente.

Através de Toulmin, Habermas de forma até lúdica indica que por mais que um bastão pareça-se como tal, uma vez mergulhado na água faz com que este se apresente diferente daquele que se encontrava antes do contato com a água. Tal exemplo traz à baila a possibilidade de que nem sempre aquilo que se arquiteta e constrói, será sempre observado da mesma maneira por todos.

A discussão sobre a legitimidade das leis em prisma formal parece ultrapassada, pois não há dúvidas de que, em uma democracia representativa, os representantes do povo criaram determinada lei que deve ser observada por todos os seus concernidos. Tal lei é válida, no entanto precisa-se observar o que se entende por legitimidade em sentido estrito.

O processo legislativo tem demonstrado um déficit democrático na medida em que a participação popular, em linhas gerais, é interrompida pelo exercício do voto. Desta maneira, a lei se apresenta a partir de construção de um sistema específico de representantes do povo que nem sempre espelharão os anseios de todos os concernidos.

126 3.1 A VALIDADE DA NORMA JURÍDICA E SUA LEGITIMIDADE

A validade da norma é indiscutível, no entanto o ato de restringir o exercício da cidadania ao ato de votar parece demonstrar que ainda se encontra, a sociedade, em fase de

esclarecimento conforme alude Kant em Resposta a Pergunta: O que é o Esclarecimento?

Para Kant, o esclarecimento nada mais é do que a incapacidade do indivíduo alcançar sua autonomia justamente por sua culpa, por se contentar com a tutela de outrem por preguiça ou covardia.

Pode-se observar que os indivíduos ao exercer o direito ao voto, entendem que cumpriram com seu papel de cidadãos em um Estado Democrático de Direito, deixando a cargo de seus tutores o rumo de seus anseios e aspirações.

Desse modo, pode-se dizer que o processo legislativo brasileiro observa a legitimidade sob aspecto formal, no entanto está distante de observar a democracia em seu sentido mais amplo, posto que os representantes do povo assumem a posição de tutores e tomam as decisões em patamar diverso dos concernidos.

3.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO EXEMPLO DE DÉFICIT DEMOCRÁTICO

Tem-se uma cidadania passiva, carente de participação efetiva a nível legislativo e, conseqüentemente, após a elaboração da norma, esta se torna distante da fiscalização pelo concernido no mundo da vida.

Exemplo claro desse déficit democrático quanto ao processo legislativo se encontra no

texto O Código de Defesa do Consumidor Anotado pelos autores do Anteprojeto (2011) como

se verá adiante.

Conforme se observa o Código de Defesa do Consumidor é oriundo de um dos

momentos mais delicados da história do Brasil posto que se encontrava o país em meio a uma verdadeira crise de consumo. Há que se ressaltar que o primeiro governo civil após os anos de ditadura militar se passou por uma grave crise econômica o que fez com que protagonizasse uma série de planos econômicos dentre eles um que previa o congelamento de todos os preços. Em linhas gerais tal plano econômico não previu seus efeitos colaterais em relação aos índices de inflação e o custo de produção, levando o país a uma crise de abastecimento.

127 Conforme Belieiro Júnior (2014):

A economia e a sociedade brasileira viveram uma dramática experiência de inflação alta que perdurou por quase duas décadas. Desde o final do regime militar em 1979 até meados de 1994, o índice total de inflação havia atingido os impressionantes 13.342.346.717.617,70% colocando o país na pior crise econômica de sua história republicana. Os anos de inflação alta e descontrolada acompanharam todo o processo de redemocratização política, atingindo diretamente os governos democráticos: governo Sarney (1985-1990), governo Collor (1990-1992) e governo Itamar (1992-1994), mobilizando 13 diferentes ministros da fazenda, 6 diferentes moedas, 9 zeros cortados e finalmente, 5 planos de estabilização econômica tentados.

Segue o autor,

O primeiro governo civil da transição, o governo Sarney foi obrigado a adotar 3 diferentes planos de estabilização econômica. O primeiro foi o Plano Cruzado, lançado em fevereiro de 1986, seguido pelo Plano Bresser de junho de 1987 e o Plano Verão, lançado em janeiro de 1989. Todos os três planos de estabilização da economia fracassaram no objetivo de controlar a inflação e promover maior crescimento econômico e a política econômica do governo Sarney oscilou entre o experimentalismo heterodoxo do Plano Cruzado ao retorno ortodoxo do Plano Verão. Do ponto de vista político, a inflação adquiriu enorme importância nos governos dos anos 80 e 90. Toda a dinâmica da popularidade presidencial e o sucesso ou o insucesso político do governo em questão deveria passar obrigatoriamente pelo controle definitivo dos preços.

Com a população sofrendo no mercado de consumo, tem-se a Constituição Federal de 1988, onde em suas disposições transitórias previu-se a criação de um Código de Defesa do Consumidor.

A nomenclatura Código de Defesa do Consumidor ficou longe de sua realidade ao se observar que em 42 vetos ao texto original vários se deram em razão de lobbies que não beneficiavam o consumidor, muito pelo contrário.

O Projeto do Congresso Nacional sofreu nada menos do que 42 vetos. Alguns foram resultados de lobbies que não haviam conseguido sensibilizar a Comissão Mista e que, vencidos nas audiências públicas, voltaram à carga na instância governamental. Outros parecem trair a pouca familiaridade dos assessores com técnicas de proteção ao consumidor. Outros, ainda, recaíram em pontos verdadeiramente polêmicos, sendo até certo ponto justificáveis. (GRINOVER, Et all 2014, p. 2).

Seguem os autores,

Mas o que vale, salientar é que o balanço geral dos vetos aponta a existência de alguns verdadeiramente lamentáveis: por exemplo, aqueles que suprimiram todas as

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multas cíveis, criadas para compensar a suavidade das ações penais e universalmente reconhecidas como instrumento idôneo de punição no campo das relações de consumo. (idem, p. 3).

Por outro ângulo, não há que se discutir que uma lei deve ser genérica e abstrata, de modo que não se pode afirmar que possa beneficiar a “A” em detrimento de “B”. Assim pode-se pensar o Código de Defesa do Consumidor como um Estatuto Regulatório das Relações de Consumo.

O termo estatuto pode ser aplicado à lei em questão a partir da idéia de que um código versa sobre matéria especifica e o Código de Defesa do Consumidor por sua vez, versa sobre Direito Material Civil, Administrativo e Penal além do Direito Processual.

Conforme GRINOVER et all (2014. P. 6)

Ora, se a Constituição optou por um Código, é exatamente o que temos hoje. A dissimulação daquilo que era Código e lei foi meramente cosmética e circunstancial. É que na tramitação do Código, o lobby dos empresários, notadamente o da construção civil, dos consórcios e dos supermercados, prevendo sua derrota nos plenários das duas Casas, buscou, por meio de manobra procedimental, impedir a votação do texto ainda naquela legislatura, sob o argumento de se tratar de Código, necessário era respeitar um iter legislativo extremamente formal, o que, naquele caso, não tinha sido observado. A artimanha foi superada com o contra-argumento de que aquilo que a Constituição chamava de Código assim não o era.

Deve-se destacar que mais uma vez, ao discutir a terminologia “Código de Defesa do

Consumidor” os autores do anteprojeto se remetem a lobbies organizados por empresários no

intuito de tolher os direitos dos consumidores adequando os dispositivos legais ao seu interesse, denotando assim a racionalidade estratégica em detrimento do agir comunicativo. Nesse caso em especial, deve-se ainda observar que “artimanhas” para se utilizar o mesmo termo usado pelos autores do anteprojeto encontram menos objeções se não há participação popular efetiva.

3.3 CONSUMIDORES E FORNECEDORES: A BOA FÉ OBJETIVA

Conforme verificado o Código de Defesa do Consumidor deve assumir o escopo de não uma lei mais benéfica ao consumidor, mas sim de instrumento regulamentador das relações de consumo.

Retoma-se tal idéia, pois a Lei 8078/90 tem por escopo não beneficiar o consumidor mas sim resgular as relações jurídicas existentes entre consumidores e fornecedores, também resguardando a estes. Tem-se então que os prazos estabelecidos na citada lei, por exemplo,

129 indicam momentos derradeiros para o exercício dos direitos do consumidor, senão vejamos pois reza o artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor que: “ Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

O prazo prescricional no Código de Defesa do Consumidor estabelece em caso de responsabilidade civil a possibilidade que se requeira em juízo uma indenização em até cinco anos do dano sofrido. Observa-se que, caso o consumidor ingresse em juízo após o prazo estabelecido, pode o Juiz de ofício ou a requerimento do réu requerer a extinção do feito.

Deste modo pode-se verificar que a Lei 8078/90, estabelece direitos e deveres recíprocos e parte do pensamento ideal de que haverá isonomia entre as partes.