• Nenhum resultado encontrado

AS RELAÇÕES CONTRATUAIS E A BOA-FÉ

JUSTIÇA SOB O ALICERCE NO AGIR COMUNICATIVO

5 AS RELAÇÕES CONTRATUAIS E A BOA-FÉ

Mister então ressaltar que no que pese a boa-fé objetiva estabelecida no Código de Defesa do Consumidor, importante se faz que haja, efetivamente, horizontalidade entre os atores das relações de consumo, posto que direitos como da informação, da educação e da transparência se encontram alicerçados em uma ética discursiva, de origem moral, que devem ou deveriam transpassar toda e qualquer relação jurídica.

Há que se destacar que, em âmbito jurídico, os contratos via de regra se dão por adesão, de modo que a bilateralidade esperada se encontra mitigada e restrita a aceitação dos termos estabelecidos unilateralmente por uma das partes. Tal procedimento, por si só transparece mais uma vez que a simetria prevista no Código de Defesa do Consumidor se encontra longe da práxis e presente formalmente, o que denota mais uma vez a tensão entre facticidade e validade.

Se alicerçados na boa-fé, os demais princípios inerentes as relações de consumo e, por conseguinte, previstos na Lei 8078/90, dos quais se destacou: informação, educação e transparência, traduzem a idéia de confiança recíproca que deve existir nas relações consumeristas de modo que o consumidor leigo busque informações tais que possam dirimir toda e qualquer dúvida que venha a possuir a respeito do serviço ou produto a ser adquirido.

Ocorre que para tal, necessário se faz que as normas de conduta esperadas, à luz de Habermas, entre os falantes que se encontram em simetria possam se façam presentes. Ao vendedor não é lícito contradizer-se e qualquer contradição performativa deve ser observada.

Importante destacar que, por se tratar o Código de Defesa do Consumidor de um instrumento imparcial que regula as relações entre consumidores e fornecedores, observando-se ainda o elemento moral que deveria observando-ser intrínobservando-seco aos atores das relações de consumo, não positiva a boa-fé apenas para que seja cumprida pelos fornecedores, mas por se tratar de um

136

standard jurídico todos, consumidores e fornecedores a ela devem se ater pois a expectativa de sinceridade esperada nas relações consumeritas é recíproca.

6 CONCLUSÃO

Não se pretende com o presente texto esgotar o tema mas sim fomentar a discussão e identificar a facticidade e validade presente entre o ordenamento jurídico brasileiro, em especial, o Código de Defesa do Consumidor e as relações intersubjetivas que permeiam o mundo da vida.

Assim, pode-se verificar que princípios como o da isonomia, o que à luz de Habermas pode-se chamar de simetria, se encontra positivado no texto legal, no entanto distante de sua essência no mundo da vida.

A falta de simetria entre os falantes parece clara na medida em que a racionalidade estratégica tende a preponderar sobre o agir comunicativo, ou seja, a individualidade, o egoísmo e a falta de reconhecimento mútuo, em uma sociedade capitalista de consumo.

A boa-fé e a confiança são elementos intrínsecos a qualquer relação intersubjetiva e como tal não podem se afastar das relações jurídicas. O Direto não é um sistema isolado no mundo da vida, mas por ele perpassam elementos morais presentes na legislação.

Ocorre, todavia, que se pode notar um verdadeiro déficit moral na atual sociedade se for considerada a hipótese de se transformar aspectos morais em lei pura e simplesmente, ou seja, a moral é anterior a lei.

Por outro lado, deve-se observar que a aplicação da norma ao caso concreto revela uma tensão entre facticidade e validade, pois apesar de válida a legislação esta não foi constituída legitimamente, a partir da participação dos concernidos e do consenso e sim legitimada através da democracia participativa onde, em muitos casos, a democracia fica estagnada a indicação dos representantes do povo.

Verificou-se por fim, que a positivação de tais preceitos morais, em especial em sede de Código de Defesa do Consumidor não se restringe a empoderar o consumidor em detrimento do fornecedor, mas sim fomentar um patamar lingüístico ideal no mundo da vida. Desse modo regulando direitos e deveres mútuos entre fornecedores e consumidores.

O espírito da boa-fé não atende unicamente a ser seguida pelos fornecedores, mas por

se tratar de um standard jurídico, também pelos consumidores. O rompimento da expectativa

137 intersubjetivas no mundo da vida se encontram tão distantes da horizontalidade desejada que tais conflitos convergem em sua maioria ao Poder Judiciário, em especial aos Juizados Especiais Cíveis.

Deve-se observar que o ardor moral não se extingue pelo pedido de desculpas e, nem sempre existe tal pedido, mas sim na concepção judicializante de que apenas o Juiz é legitimado a dizer o direito no caso concreto. Nesse mesmo diapasão, deve-se observar que o Superior Tribunal de Justiça não tem fixado entendimento de que a quebra de confiança e conseqüentemente o ardor moral derivado de tal ato é indenizável por si só.

Sim, no mundo da vida, em especial em sede de Poder Judiciário o ardor moral adquire contornos de instituto jurídico, o Dano Moral, e com tal é indenizável. O STJ, por sua vez, vem solidificando entendimento de que o mero descumprimento de um contrato, por mais que resulte em quebra de confiança e tenha como conseqüência o ardor moral não é indenizável. Percebe-se que o Tribunal em questão tem observado os limites, potencialidades e repercussões do dano para que possa ou não fixar a indenização.

REFERÊNCIAS

BALIEIRO JUNIOR, José Carlos Martines. Inflação e Política no Brasil Contemporâneo:

A Experiência dos Governos FHC e Lula. Disponível em <

http://www.encontroabcp2014.cienciapolitica.org.br/resources/anais/14/1403548829_ARQUI VO_Artigo.ABCP.2014.pdf> acesso 5/7/2015

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva 2008

BRASIL, Lei n.9099, de 26 de setembro de 1995, disponível em

<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L9099.htm> acesso em 15/5/2008

CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio

Fabris Editor, 1988.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo. Ed. Atlas.

2º Edição, 2010.

GIDDENS, Anthony. As Consequencias da Modernidade. São Paulo: Ed. UNESP, 1991

GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor –

138

HABERMAS, Jurgen. Consciência Moral e Agir Comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo

Brasileiro, 1989

____________. Direito e Democracia: Entre Facticidade e Validade. Rio de Janeiro,

Ed.Tempo Brasileiro, 1997.

____________. A Inclusão do Outro: Estudos de Teoria Política.1ª Ed. Edições Loyola,

2002

HANSEN, Gilvan Luiz. Modernidade, Utopia e Trabalho. 1. ed. Londrina: Edições CEFIL,

1999

KANT, Immanuel. Crítica a Razão Pratica. Digitalização da edição em papel da

Edições e Publicações Brasil Editora S.A., São Paulo, 1959, E-Books Brasil, 2004

__________. Crítica a Razão Pura. E-BookLibris, 2007

__________. Resposta a Pergunta: O que é o Esclarecimento? Disponível em <

http://ensinarfilosofia.com.br/__pdfs/e_livors/47.pdf> acesso em 10/3/2011

LUHMANN, Nicklas. Introdução à teoria dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 2009.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. Saraiva, 6ª Edição,

139 A PRIORIDADE DO JUSTO SOBRE O BOM NA ÉTICA DISCURSIVA DE JÜRGEN

HABERMAS

Gilcelene de Brito Ribeiro

Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – IFPI. Mestra em Ética e Epistemologia pela UFPI.

gilcelene@ifpi.edu.br

Resumo: Trata-se neste artigo da prioridade do Justo sobre o Bom estabelecido pela Ética do Discurso de Jürgen Habermas em questões de avaliação de normas morais. O texto analisa a fundamentação da ética discursiva por meio de um princípio de argumentação moral, o Princípio de Universalização (U). Estabelecido esse princípio, parte-se para a distinção entre as questões éticas, relativas ao bem viver, e as questões morais, relativas à justiça, distinção que leva ao estudo da prioridade do justo sobre o bom como critérios a serem usados para a avaliação das normas morais que devem regular a ação entre os indivíduos de uma sociedade. Objetiva-se, dessa forma, apontar elementos para esclarecer melhor um aspecto problemático da ética discursiva de Habermas, a relação entre o caráter formal de sua ética e as dificuldades levantadas por sua aplicação a situações concretas de avaliação moral.

Palavras-chave: Ética. Justo. Bom. Prioridade.

1 INTRODUÇÃO

Tendo como um dos seus objetivos a reabilitação da filosofia prática como campo filosófico merecedor do mesmo rigor dispensado à Epistemologia, por exemplo, a ética discursiva assume de modo muito claro seu lugar no debate moral contemporâneo ao empreender a busca pela validade universal das normas morais. Sustentando o universalismo e o formalismo contra as concepções emotivistas de que os juízos morais nada mais seriam do que expressões de nossas vontades subjetivas, Habermas acredita, assim como Kant, que os critérios de avaliação moral devem ter um caráter universal, independente das preferências subjetivas e das formas de vida específicas desenvolvidas historicamente. Neste sentido,

Habermas é um defensor da prioridade do critério do justo sobre o critério do bom quando se

trata da avaliação de normas e ações morais, pois em sua definição o critério do bom se refere

140 intersubjetivamente, mas restritas a uma forma de vida específica, enquanto o critério do justo se preocupa em avaliar o que é igualmente do interesse de todos os concernidos pelas normas, resultado de um discurso livre e independentemente das concepções de bem ou felicidade que dão sentido às existências individuais ou coletivas. Estando Habermas convencido da necessidade de tratar imparcialmente as questões morais, é um desafio legítimo à ética do discurso defender a prioridade da justiça sobre o bem como a melhor maneira de responder às questões de conflito, por exemplo, entre moralidades distintas. Essa defesa exige a explicação, também, de como as motivações dos agentes em seu comportamento em relação aos outros não estão, ou pelo menos não deveriam estar, em conflito com as ações baseadas em normas estabelecidas socialmente por meio de um processo discursivo.

A fundamentação do Princípio de Universalização permite à ética do discurso defender a universalidade de normas estabelecidas segundo procedimentos de argumentação nos quais os falantes erguem pretensões de validade universal. Partindo deste ponto, estudaremos a filosofia moral de Habermas caracterizando-a, em primeiro lugar, como cognitivista, formalista e universalista, aspectos que vinculam a ética do discurso às éticas deontológicas; essa caracterização ajudará a compreender a explicação do ponto de vista moral, a partir do qual se podem avaliar as questões práticas de modo imparcial. Os diferentes usos da razão prática serão objeto do estudo subsequente, dada a importância de compreender como o uso pragmático, ético e moral determinam maneiras distintas de se responder à pergunta clássica “o que devo fazer?” Por fim, chegamos à distinção entre as questões éticas e as questões morais, fundamental para compreendermos que a prioridade do justo sobre o bom consiste numa relação essencial para assegurar a validade das normas e sua universalidade diante de formas de vida particulares.

2 TRÊS ASPECTOS DA ÉTICA DISCURSIVA: COGNITIVISMO, FORMALISMO E