• Nenhum resultado encontrado

Possíveis incongruências na construção de signos gráficos

CAPÍTULO 4: SISTEMAS AUMENTATIVOS E ALTERNATIVOS DE COMUNICAÇÃO

4.4. Incongruências culturais no sistema SPC

4.4.1. Possíveis incongruências na construção de signos gráficos

Os princípios de desenvolvimento de um signo gráfico são recursos que facilitam a sua construção e aplicação. Porém, a probabilidade de ocorrência de erros é grande. Segundo Mullet e Sano (op cit) os erros mais comuns têm a sua natureza na sintaxe inconsistente, na dominância de

elementos secundários, em conceitos demasiado complexos, na utilização de linguagem ou sugestões ofensiva e na dependência cultural. Ilustraremos estas incongruências com exemplos do sistema SPC, retirados do software Boardmaker que, a nosso ver, diminuem as suas

potencialidades enquanto sistema de comunicação.

4.4.1.1. Sintaxe inconsistente – Os elementos gráficos de um signo gráfico são a sua

estruturação visual; todas as relações evidenciadas entre os elementos formais devem reflectir a analogia entre o signo gráfico e seu significado.

Os exemplos “Hora”, “Abotoar” e “Ocupado” (fig. 63) correspondem a signos e em todos eles o elemento “seta” é comum. O elemento “seta” é um recurso bastante útil para evidenciar um determinado pormenor no signo, para indicar movimento ou direcção, ou para indicar uma

alteração no signo gráfico e pode ser entendido como uma chamada de atenção. Verificamos que no signo “Hora”, a direcção seta aponta para um dos ponteiros e encontra-se entre os dois

ponteiros que formam um ângulo recto; ou seja, evidencia o intervalo entre os ponteiros que corresponde a “15 minutos” ou “quarto de hora”. Visto que não existe diferença de tamanhos entre os ponteiros, poderíamos entender este signo como “quarto de hora” ou “15 minutos” e não “Hora”. No segundo exemplo, “Abotoar”, podemos constatar que a seta se encontra na direcção oposta, indicando “Desabotoar” e não “Abotoar”. No terceiro exemplo, “Ocupado”, a seta identifica movimento e percurso. Embora a metáfora utilizada não seja evidente, este signo talvez se adeqúe melhor ao conceito “Confuso” do que “Ocupado”, tendo em conta que os percursos delineados pelas setas induzem para o mesmo ponto de partida.

Hora Abotoar Ocupado

Fig.63:Exemplos de signos do SPC Fonte: Software Boardmaker (versão 5.2)

4.4.1.2. Dominância de elementos secundários – Os elementos secundários de uma imagem,

como o nome indica, são elementos de segundo plano e a sua função consiste em facilitar a contextualização e a evidência dos elementos principais. Quando tratados ao mesmo nível dos elementos principais, os elementos secundários ganham a mesma evidência destes, dificultando a leitura dos signos por parte dos utilizadores que poderão não conseguir discriminar correctamente os elementos-chave do signo. Segundo os exemplos (fig. 64), no signo “Salada de Fruta” o elemento da lata não acrescenta nenhum factor relevante ao conceito de “Salada de Fruta”, a não ser que esta seja enlatada, o que não se verifica. No segundo exemplo, o elemento “balão” evidencia-se pela cor e pelo tamanho, não se revelando essencial para o entendimento do

conceito de cartaz, tal como era pretendido. No terceiro exemplo, a existência de vários elementos ligados à categoria “comida” prejudicam a interpretação do signo “Esparguete” como “Esparguete”.

Salada de fruta Cartaz Esparguete

Fig.64:Exemplos de signos do SPC Fonte: Software Boardmaker (versão 5.2

4.4.1.3. Aplicação de conceitos demasiados complexos – Quanto maior for o nível de

abstracção do conceito, maior a dificuldade em representá-lo visualmente. Nestas situações a metáfora é um bom recurso para aplicar em conceitos abstractos, contudo apenas devem ser aplicadas metáforas que façam parte do universo conceptual dos utilizadores. Caso contrário a

imagem poderá não ser correctamente interpretada. A partir dos exemplos em baixo apresentados (fig. 65), verificamos que as imagens são demasiado complexas ou simplesmente complexas (exemplos 1 e 2, respectivamente, na figura), o que não permite que se entenda o seu propósito. No terceiro exemplo, no signo “Fácil”, a recorrência a conceitos matemáticos poderá não ser a melhor solução, tendo em conta que muitos utilizadores do sistema têm atrasos a nível cognitivo. Deverá ter-se em conta que aquilo que para muitos pode ser óbvio, para outros não o é.

Vocacional Coleccionar Fácil

Fig.65:Exemplos de signos do SPC Fonte: Software Boardmaker (versão 5.2)

4.4.1.4. Utilização de linguagem ou sugestões ofensivas – A representação visual de um signo

gráfico deve estar em consonância com o universo visual e conceptual dos seus utilizadores. Quando esta situação não se verifica podem surgir equívocos nas representações visuais que podem ser consideradas ofensivas. Por exemplo, um signo com o polegar para cima é, para a nossa cultura, sinónimo de “OK”. No entanto para os habitantes de um país como a Sicília o mesmo gesto corresponde a um insulto. No exemplo em baixo (fig. 66) verificamos que a palavra “mas” no software Boardmaker corresponde a uma imagem da parte traseira dos membros inferiores de uma pessoa. Pensamos que se trata de um erro de tradução da palavra “but” que em inglês designa “mas”, mas cujo som, em inglês, pode sugerir “rabo”/”nádega”.

Mas

Fig.66: Signo ”Mas”, sistema SPC Fonte: Software Boardmaker (versão 5.2)

4.4.1.5. Dependência cultural – As representações de um signo gráfico devem estar em sintonia

com o universo conceptual dos utilizadores. A utilização de conceitos (expressões, formas, etc.) que não estejam de acordo com o contexto cultural dos utilizadores comprometem a usabilidade do signo gráfico. Uma das desvantagens do sistema SPC deve-se ao facto de o seu vocabulário ser muito dependente de características da cultura americana. Como podemos constatar a partir dos exemplos em baixo ilustrados (fig. 67), a simbologia americana impede que os signos sejam interpretados correctamente pela cultura portuguesa. O primeiro signo representa uma expressão americana “See you later, Alligator!” que, adaptado para a língua portuguesa, corresponde à

expressão “Até à vista”. As expressões não são equivalentes pois a interpretação de “see you later Alligator” é de cariz cultural. O segundo e o terceiro exemplos representam conceitos que também não se inserem no universo conceptual português. Assim sendo, verificamos que a adaptação de um signo a um contexto cultural diferente do da sua origem não consiste apenas na sua tradução, mas na sua adequação formal; ou seja, no seu redesenho, de forma a inseri-lo no universo conceptual da cultura onde se irá inscrever.

Até à vista Esperto Quinta

Fig.67: Exemplos de signos do SPC Fonte: Software Boardmaker (versão 5.2)