• Nenhum resultado encontrado

A EQUOTERAPIA DITA E VISTA

4) O QUE O CAVALO OFERECE AO PRATICANTE NESTE CONTATO; 5) O PAPEL QUE O CAVALO MANIFESTA NESTES ACONTECIMENTOS.

2.7. Possíveis Interlocuções

Antes de passarmos ao próximo capítulo, farei algumas considerações acerca da posição de intérprete que os terapeutas se colocam e, na medida em que leituras interpretativas são lançadas tanto para movimentos e ações de cavalos como de praticantes, interpretando seus estados internos, esta discussão já nos prepara para apontamentos que virão futuramente.

Na introdução da dissertação, detalhamos a sessão da praticante Jéssica e o modo como o grupo desenvolveu modos de interagir entre si. Quando a garota batia nos outros, no entendimento da terapeuta, ela não o fazia por mal, mas era a maneira com que podia se comunicar com os outros. Este tipo de interpretação corporal era bastante recorrente na relação terapeuta-praticante. Numa outra sessão, quando o praticante, montado, bateu com a mão na parte posterior da manta, a terapeuta disse: “Você sabe o que ele está falando? Que ele quer se deitar para trás. Ele adora isso”. Ou, caso o praticante movimente seu quadril para frente e para trás, pode ser que ele esteja pedindo para continuar o trote. Tal como ocorre com a gramática corporal dos cavalos, os movimentos de praticantes eram tomados como expressão de seus estados internos (vontades, sensações e intenções).

Noutras circunstâncias, ao voltar da sessão ao redor da pista de areia, e encontrar os pais da praticante no galpão, a terapeuta disse que a garota havia falado bastante, mas que não sabia se ela estava conversando ou resmungando. Noutra ocasião, a terapeuta afirmou que os sons que os autistas fazem com a boca (por exemplo, imitando o ritmo do cavalo) não se devem à agressividade e nem ao descontrole, mas são esforços de comunicação da parte dos praticantes. Assim, dependendo do sorriso, barulhos e balanços do corpo, o praticante pode sinalizar que está alegre,

confiante e pedindo mais. Por outro lado, ele pode não ver muita graça; ou então, estar sentindo dor, sono ou preguiça; pode também não querer montar o cavalo, resistir, chorar, fazer manha, se

171

recusar e até mesmo se jogar do cavalo.

Já no que concerne às estratégias comunicativas usadas para chamar a atenção dos cavalos, durante as sessões, elas podem ser as seguintes. Os auxiliares-guia puxam a corda presa ao cabresto do cavalo com mais ou menos força, e a movimenta para os lados, ou então seguram sua mão mais próxima à argola atada ao bridão (que fica dentro da boca do animal, sendo mordido por seus dentes). Eles também mandam beijinhos, como em “ptchu ptchu ptchu”, e fazem outros estalos sonoros com a boca, produzindo o som “tsch tsch tsch tsch tshc tsch”. Eles pouco chamam os cavalos por seus nomes; o único uso verbal que fazem é do termo “Vamos”, usado de forma alongada, como em “Vaaaamos”. Os terapeutas, de sua parte, também mandam beijinho, fazem “tsch tsch tsch tsch tshc tsch” com a boca, e dão tapinhas na garupa do animal. Com frequência, eles se dirigem verbalmente aos cavalos, dizendo “Anda”, seguido da pronúncia de seu nome. Eles também costumam falar aos cavalos: “Para com frescura”, “Vamos logo”, “Está acabando”, e “É só mais esta sessão” e “Vai, pode parar com esta preguiça”. Os praticantes, por sua vez, podem mandar

beijinho, dar o comando de andar ao cavalo, batendo com os pés, de leve, em sua barriga, ou então firmando o assento e também dando impulso com seu quadril.

Quanto às estratégias comunicativas usadas com os praticantes, o terapeuta chama-os pelo nome próprio, geralmente abreviado, ou então pelo nome completo, mas de forma alongada, e repetem-no. Em casos em que o praticante entende pouco, pode ser também que o terapeuta assovie, estrale com os dedos próximos a seu ouvido, ou balance o brinquedo que, eventualmente, esteja manuseando. O auxiliares-guia, de sua parte, não interage com os praticantes, salvo os momentos em que é claramente convocado a fazê-lo. O cavalo, de sua parte, pode fazer alguns gestos que

mostra o modo como ele sente, por exemplo, ao se chacoalhar ou acelerar, ou mesmo ao não fazer

nada ou não esboçar sinal, porque, às vezes, ele não entende o comando do praticante.

172 possibilidades comunicativas e interpretativas que ela favorece no curso das sessões.

* * *

Iniciei este capítulo 2 expondo os pontos centrais de argumentação mobilizados pelos terapeutas em suas explicações das vantagens da equoterapia, tais como a deambulação da marcha humana e o movimento tridimensional do cavalo. Em seguida, pretendi mostrar de que modo o tratamento de equoterapia ocorre na prática, dentro Centro Hípico que visitei, tendo em vista o modo com que o grupo, como um todo, opera inter-relações, construídas sobretudo nas montarias, quando terapeutas, praticantes, auxiliares-guia e cavalos se comunicam entre si partindo de séries de movimentos e ações corporais (como as gestualidades, comandos, disciplina e controle). Também examinei o que acontece nos momentos antecedentes às sessões e nos intervalos dos atendimentos, bem como os procedimentos de encerramento das mesmas, os quais suscitam modos particulares de engajamento. Nestes momentos, é possível, ainda, visualizar quem cumpre qual atividade, a divisão de tarefas ali estabelecida. Já no que se refere aos critérios que asseguram às sessões certa continuidade e que se completem, satisfatoriamente, em trinta minutos, enunciei, em particular, as condições e processos que tornam os cavalos, animais treinados e experientes, e os praticantes, pessoas adaptadas, além de atentar também para o modo como se instanciam as possibilidades de interlocução entre eles.

Depois de olharmos para os entrelaçamentos tecidos pelos grupos nas sessões de montaria, dando atenção ao modo como as pessoas e os cavalos interagem a nível inter e intraespecífico, reunimos alguns elementos para subsidiar a discussão final sobre as noções de humano e animal. Assim, daqui em diante, a integração dos membros dos grupos e suas funções articuladas na montaria, colocadas sob escrutínio até aqui, serão contrastadas com as estórias e características individuais mencionadas no primeiro capítulo, no intuito de chegarmos a algumas conclusões a

173 respeito do estatuto de humanos e animais, conforme emergem nas sessões de equoterapia.

175