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A EQUOTERAPIA DITA E VISTA

4) O QUE O CAVALO OFERECE AO PRATICANTE NESTE CONTATO; 5) O PAPEL QUE O CAVALO MANIFESTA NESTES ACONTECIMENTOS.

2.5. Algumas condições prévias às montarias

2.5.1. Seleção e avaliação de cavalos

Para que os cavalos se tornem parte da equipe, sua idade, porte e temperamento são os principais critérios levados em conta. A idade é de, em média, 13 anos, mas isto não é regra porque, de acordo com a terapeuta, o cavalo só não pode ser muito novo, pois, neste caso, a tendência é que ele seja mais acelerado, além de não ter visto muita coisa ainda. O animal também não pode ser

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muito velho, porque pode ser que ele sofra muitas dores devido à sua idade. Seu porte não pode ser

muito grande, pois o praticante, em cima do cavalo, tem de ficar numa altura acessível ao terapeuta. Seu passo, por sua vez, não pode ser rápido demais.

Além disto, é importante que o cavalo seja disciplinado, obediente, calmo e não se assuste com facilidade. Fantasia, por exemplo, embora já estivesse prenhe no momento de sua compra (o que implicaria em seu afastamento da equoterapia por alguns meses e seria, assim, uma desvantagem), era uma égua tão boa, tão boa que, por conta de sua docilidade e boa-vontade, foi inserida na Hípica.

Depois de “adquiridos”, numa busca orientada para estas características pré-definidas (idade, porte, temperamento), os cavalos passam por um período de avaliação que dura de um a três meses. Neste período, terapeutas observam as reações do cavalo ao novo ambiente, à presença de pessoas ao seu redor, aos barulhos e movimentações de veículos nas proximidades, e assim por diante. Para esta avaliação, é feito um empréstimo do cavalo por seu “fornecedor”, sem que a compra seja ainda efetivada, a fim de verificar antes se o cavalo serve ou não para a equoterapia (o que, dentre outros procedimentos, evitaria prejuízos financeiros; foi mencionado que o preço pago por um dos cavalos da equoterapia foi de cerca de R$ 13.000).

* * *

Apresento, a seguir, a descrição de uma sessão de treino do cavalo Simba. Nesta passagem, apresento também a leitura de sinais que perpassa as relações entre terapeutas e cavalos. Terapeutas interpretam as ações dos cavalos (Kohn, 2013) considerando uma intencionalidade e individualidade própria a eles. Restaria identificar, porém, se a base para tais interpretações se ancora em conhecimentos científicos (tal como a etologia) ou teria mais a ver com as experiências pessoais acumuladas da parte dos terapeutas diante destes animais.

157 cabresto, Marina alertou para que eu permanecesse bem afastada de Simba, porque, por ser um cavalo recém-chegado, ele não conhecia nada e estava se familiarizando com o ambiente. Por esta razão, poderia ser que ele quisesse fugir ou brigar com ela. No caminho para a pista, passamos pela área onde as avestruzes permaneciam alojadas, e poderia ser que Simba se assustasse com elas, o que acontecera no dia anterior. De acordo com Marina, os cavalos geralmente têm medo de avestruz, porque tiveram pouco contato com este animal antes e, portanto, não estariam

acostumados a vê-lo. Mas Simba passou pelas avestruzes sem alterar seu movimento. Marina disse

a ele: “Muito bem, Simba”, e prosseguimos na trilha. Adiante, porém, Simba parou de andar. Novamente, eu fui advertida a ter cuidado, e ouvi a seguinte afirmação: “Se o cavalo está parado é sinal que está desconfiado de alguma coisa”. E, quando ameaçado, o cavalo “vai sempre correr na direção oposta ao sentido de sua caminhada, a não ser que o barulho viesse por trás”. Novamente, Marina pediu que eu ficasse atenta e me afastasse ainda mais deles.

Depois de alguns instantes, retomamos a caminhada. Já no bosquinho, passamos por um local onde havia três cavalos próximos à cerca. Simba se aproximou deles, cumprimentando-os; depois de alguns instantes a trocarem olhares, ele abaixou seu pescoço e comeu da grama ali mesmo, em frente aos demais cavalos. Comer, naquele momento, era sinal de que ele estava mais

confiante, porque se o animal está comendo é sinal de que não precisa escutar e prestar atenção no

ambiente. E, já numa situação de mais confiança, diferentemente em relação à sua entrada, Simba já não iria acelerar seu passo, caso outro cavalo viesse atrás dele. Além disto, Simba já estava

respeitando; ele não se mexia na hora de colocar o cabresto.

Voltamos ao galpão, e passamos novamente próximo dos avestruzes. Depois desta caminhada pelo bosquinho, Simba estava mais tranquilo, mas ainda não totalmente. Ele demonstrou alguns sinais de medo, como o bufar. E, em condições de perigo, Marina disse, “bufar, olhar e afastar um pouco a traseira, na direção oposta ao lado de onde vem a ameaça, são sinais da reação

158 do cavalo”. Mas, segundo ela, apenas duas outras voltas como esta, e Simba ia ficar sossegadão.

A seguir, narro outra sessão de treino. Numa sessão de avaliação com a novata égua Sol, na qual o praticante Leandro também participou, acompanhando do chão, Marina advertiu o garoto de que Sol não gostava muito de carinho e, curiosamente, pediu ao praticante para não olhar muito em seus olhos109. Enquanto puxava Sol pela corda amarrada a seu cabresto, Marina pediu ao praticante para que deslizasse suas mãos e com elas fizesse uma certa pressão sobre as costas da égua. Em seguida, Marina disse a ele: “Está vendo que ela abaixou as orelhas? É sinal de que ela não curtiu muito não. Fica bem atento, porque ela ainda não tem experiência, não sabe se comportar. Não chega muito perto das patas dela não”.

Em seguida, terapeuta e praticante manipularam alguns brinquedos. Primeiro, arremessaram uma argola de um lado para o outro. Sol, no meio dos dois, estava sem entender aquilo. Depois de alguns instantes, porém, Marina acrescentou, dizendo ao praticante: “Olha como ela já está bem mais tranquila”. Ainda com a argola nas mãos, fizeram movimentos de passar a argola um ao outro, mas desta vez esbarrando no dorso de Sol, propositadamente. Depois, a terapeuta deu um tapinha na égua, e disse: “Olha como ela é boazinha. Eu dei um tapinha e ela não se assustou. É um bom sinal”110. Em seguida, ela puxou seu rabo. A égua nada fez. Depois jogaram bola um para o outro, no ar. Mas, desta vez, Sol se assustou; Marina, então, levou a bola próxima ao nariz do animal, para que assim ela cheirasse o objeto, e disse ao praticante: “Vamos dar um tempo para ela respirar”.

Instantes depois, recomeçaram outra série de testes com a égua, desta vez batendo os pés no chão, de modo que fizessem barulho; depois, testaram os breques e, finalmente, caminharam em

zigue-zague. Sol não estava assustada, mas devia estar achando ruim tudo aquilo. Segundo Marina,

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A respeito da importância do olhar entre humanos e animais, e das hierarquias dos olhares, vale conferir a discussão de Eduardo Kohn (2013) sobre a subjetivação ou objetivação do outro estabelecidas pelo olhar nas relações presa- predador. Também o debate sobre as “estratégias do olhar”, elaborado por Guilherme Sá (2013), é bastante significativo neste sentido.

110 Este conjunto de sinais emitidos pelos cavalos, como se assustar e achar ruim, bem como outras sensações

159 quando o cavalo está incomodado, ele prefere andar rápido. Depois, Sol parou para reconhecer o cheiro de seus amigos; na grama, ela cheirava os excrementos de outros cavalos que ocupavam o chão ao longo da caminhada.

Assim, nesta avaliação, observavam-se as reações dos cavalos que, ao chegarem na Hípica, não tinham experiência (“Fica bem atento porque ela ainda não tem experiência, não sabe se comportar. Não chega muito perto das patas dela não”). Neste período, os cavalos eram

acostumados a ver animais e ouvir barulhos que não conheciam antes, isto é, deveriam ficar pouco

influenciáveis às movimentações do entorno, e com disposição para suportar o peso de praticantes. Se bem sucedido, o cavalo seria incorporado à equipe da equoterapia.

Deste modo, o período de avaliação dos cavalos faz a passagem (se bem sucedida) de cavalos “genéricos”, ou seja, todos os demais cavalos que não são os da equoterapia, como aqueles usados em tração ou em provas de corrida, para cavalos de equoterapia, e implica, assim, uma transformação de algumas de suas características, de seu momento de chegada até sua incorporação na Hípica.

Não obstante, os dois cavalos mencionados acima, Sol e Simba, foram mandados embora da Hípica após cerca de um mês de estadia. Tratando deste assunto, terapeutas disseram que o cavalo da equoterapia não era qualquer cavalo, mas tinha que aceitar. Caso ele “não quisesse fazer de jeito nenhum”, isto é, obedecer àquilo que os terapeutas ditassem, o cavalo seria dispensado. Sol, por exemplo, foi mandada embora porque era muito assustada, rebelde, encrenqueira e irritada. E, por isso, ela demoraria para ficar confiável.

Por outro lado, mesmo os cavalos já ingressos na Hípica se alteram e fogem ao esperado. É por esta razão que, uma vez incorporados, os cavalos devem ser treinados regularmente.

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