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Diante das discussões expostas até aqui, admitimos que o ensino puramente gramatical não mais responde às novas exigências do contexto socioeducacional, sobretudo por entendermos que o ensino de Língua Portuguesa deve contribuir para formação de alunos capazes de utilizar, de maneira proficiente, habilidades linguísticas e discursivas adquiridas ao longo desse processo.

Em virtude disso, apresentamos possibilidades de abordagens linguísticas que contemplem nas aulas de Língua Portuguesa a análise linguística aliada aos eixos de leitura e produção de textos (orais e escritos), conforme propõem os RCEM (PARAÍBA, 2006) e Mendonça (2006). Essas possibilidades tornam-se necessárias porque, como já afirmamos, a prática de análise linguística não tem sido recorrente nas aulas de português.

Sendo assim, vale ressaltar que, para a prática de análise linguística, a linguagem deve ser tomada como processo de interação, uma vez que o sujeito ao participar desse processo interferirá em sua aprendizagem e, consequentemente, em sua formação cidadã. Neste sentido, Mendonça (2006) apresenta atividades de leitura e produção textual com foco na análise linguística, propondo que sejam identificadas as dificuldades e os problemas, objetos de estudo da análise linguística, encontrados durante a realização dessas atividades. Corroboram com essa prática, os RCEM-PB (PARAÍBA, 2006, p. 51) quando orientam que:

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“os textos produzidos pelos educandos devem ser materiais de referência do professor, que podem servir como ponto de partida para o desenvolvimento da prática de análise linguística”2.

Partindo dessas atividades, Mendonça (2006) sugere a reescrita dos textos, já que após as atividades realizadas, com base nas ações “uso-reflexão”, os alunos poderão compreender o real sentido do trabalho com a leitura e produção de textos (orais e escritos) na sala de aula, constatando a função social dessas práticas na própria vivência.

Tais ações permitem que o professor identifique o progresso e os entraves dos educandos diante das atividades de leitura, produção de textos e de análise linguística, para que, dessa forma, sejam criadas estratégias discursivas capazes de minimizar as dificuldades encontradas e de contribuir com a ampliação das habilidades linguísticas desses educandos.

Faz-se necessário destacar que para o trabalho com análise linguística, ou para os demais eixos (leitura, escrita e oralidade), deve-se adotar gêneros textuais. Para tanto, esses gêneros devem ser trabalhados a partir de um plano sequenciado de ensino. Assim, o professor, ao selecionar o gênero para explorá-lo em sala de aula, deve dar ênfase às condições de produção, pois delas emergem aspectos relevantes a serem compartilhados e analisados nas aulas de língua materna.

Dentre as possibilidades de trabalho com a análise linguística, não podemos desconsiderar que o enfoque gramatical contextualizado deve ser incluído nessa prática, pois é fundamental que os educandos tenham acesso a esse conhecimento, sobretudo para fazer escolhas linguísticas adequadas, considerando “as esferas sociais de circulação das práticas de linguagem” (PARAÍBA, 2006, p. 55). Para tanto, é necessário a ampliação do universo linguístico, textual e enunciativo do educando, o que se concretizará por meio da prática de análise linguística.

Nessa perspectiva, as aulas de Língua Portuguesa deslocam o foco do ensino prescritivo para o reflexivo, ressignificando o ensino de língua materna. Conforme os RCEM (PARAÍBA, 2006, p. 55),

A própria concepção de saber gramática, que passa a ser: saber, na escuta/leitura, construir sentido interagindo com o texto, levando em conta os recursos linguístico-enunciativos presentes, e percebendo sua inter-

2Essas orientações serviram de embasamento para construção do módulo didático (produto final) e consequentemente para a

realização do trabalho em sala de aula com a leitura e escrita, foco na análise linguística, sobretudo quando propomos aos alunos a primeira produção de texto, com vistas a refletir os modos de dizer revelados nas produções dos próprios discentes.

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relação; e, na fala/escrita, saber escolher e usar os recursos linguístico- enunciativos adequados aos propósitos da interlocução.

Mediante essas considerações, asseguramos que é possível efetivar no ensino de Língua Portuguesa a prática de análise linguística sem excluir a gramática, entretanto, muitos professores precisam se desvincular das convencionais aulas de gramática e adotar uma nova perspectiva para o tratamento da língua(gem).

Para enfatizar as diferenças entre a proposta de análise linguística e a abordagem gramatical, diante de um mesmo fenômeno linguístico, Mendonça (2006, p. 214) apresenta quadros comparativos, nos quais contêm procedimentos da prática de análise linguística associada aos eixos de leitura, escrita e gramática. Dentre esses quadros, consideramos pertinente destacar aquele que esclarece ao professor em que consiste essa prática, tendo em vista que, de acordo com Mendonça (2006, p. 210), “alguns professores, ao afirmarem trabalhar com gramática ‘contextualizada’, em que tudo seria abordado a partir da leitura do texto, mascaram, na verdade, uma prática de análise morfossintática”.

Vale ressaltar que o Quadro 03, em destaque, se refere ao eixo da prática de análise linguística e produção textual:

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Quadro 03 – Eixo da prática de análise linguística ENSINO DE GRAMÁTICA Objeto de ensino Estratégia mais usada Habilidade esperada Orações coordenadas e subordinadas · Exposição de períodos para identificação e classificação dos termos.

· Identificar e classificar as orações e os períodos.

ANÁLISE LINGUÍSTICA Objeto de ensino Sugestões de estratégias Habilidade esperada Operadores argumentativos; organização estrutural das sentenças. · Leitura e comparação de textos. · Exercícios de reescrita de textos e de trechos de textos.

· Perceber que as várias formas de estruturar períodos e de ligá- los por meio de operadores argumentativos (preposições, conjunções, alguns advérbios e expressões) podem mudar os sentidos do texto, ou podem resultar em textos mais ou menos coesos e coerentes.

· Ser capaz de escolher, entre as diversas possibilidades da língua,

a que melhor atende à pretensão de sentido de quem escreve.

· Saber consultar dicionários e gramáticas para ampliar o

repertório de operadores argumentativos e conhecer suas nuances de sentido.

Fonte: Mendonça (2006, p. 210-211)

Podemos perceber, a partir do quadro apresentado por Mendonça (2006), que o ensino pautado na gramática normativa limita o desenvolvimento de habilidades pelos educandos, principalmente porque essa abordagem não permite uma reflexão acerca dos fenômenos da língua, exigindo do aluno apenas memorização de regras e classificação, o que pouco contribui para formação de sujeitos linguisticamente competentes.

A prática de análise linguística promove um movimento de reflexão em torno dos aspectos gramaticais, textuais e discursivos, colaborando com a ampliação das competências linguísticas dos educandos. Esse modo de abordar a linguagem permite que o discente construa sentidos interagindo com o texto e não se detenha apenas às regras da gramática normativa, espera-se que ele também se utilize dos recursos linguístico-enunciativos, considerando sua interrelação com as situações de uso efetivo da linguagem na sociedade e na cultura.

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Dessa forma, ao tomar como base as orientações dos documentos oficiais e de alguns teóricos que direcionam seus estudos à reflexão da linguagem, a exemplo de Mendonça (2006), o professor de língua materna poderá efetivar um trabalho significativo, no qual contemple a prática de análise linguística, sem que precise recorrer à reprodução de modelos de aula pautados, unicamente, na gramática normativa (considerada pelos alunos como insatisfatória, haja vista que não reconhecem, em seus contextos de uso linguístico, a funcionalidade de apreender determinadas normas gramaticais). Para isso, é preciso que o professor busque conhecer tais orientações e se aproprie de bases teóricas significativas, para que, respaldado nesses conhecimentos, concretize em sua prática um ensino que, de fato, contribua com a aprendizagem dos educandos.