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6. DISCUSSÃO

6.2 Potencial fitorremediador da Canavalia ensiformis para solos multicontaminados

Observou-se que as plantas de feijão-de-porco desenvolveram-se bem nos solos contaminados. Embora tenha ocorrido uma pequena redução na produção de biomassa, a planta desenvolveu-se normalmente até o estágio de floração, mesmo para o solo mais contaminado (Tabela 4). Isso indica que o feijão-de-porco é uma espécie tolerante a altas concentrações elementos tóxicos no solo.

A presença de metais pesados ou metaloides em níveis excessivos em solos, como Pb, Zn e As, pode causar inibição no crescimento das plantas (White et al. 2012). Por exemplo, Andrade et al. (2009) relataram que o crescimento das plantas foi severamente reduzido para altas concentrações de Zn nos solos. Isso ocorreu porque a presença de Zn em altas concentrações pode reduzir o crescimento das plantas, perturbando vários processos metabólicos e induzindo estresse oxidativo, ou prejudicando a estrutura e a função de proteínas devido sua alta afinidade para se ligar com grupos sulfídrilicos, processos que, por sua vez, afetam o metabolismo celular geral (White et al. 2012). Particularmente o estresse oxidativo pode ser estimado a partir de níveis de MDA, subprodutos da peroxidação dos lipídeos de membranas, em plantas com teores altos de Zn, Cu ou Pb (Andrade et al. 2010, Mittler 2002, De Vos et al. 1993, Wang et al. 2009). Isso ocorre porque as mudanças nos níveis de MDA são sensíveis às espécies reativas ao oxigênio formadas sob o estresse por metais (De Vos et al. 1993, Wang et al. 2009). No presente estudo, o conteúdo de MDA não diferiu entre os tratamentos de solo e isso indica que possivelmente não houve estresse oxidativo significativo em plantas cultivadas no solo de Serra, o mais contaminado, quando comparado com plantas desenvolvidas no solo de Ivaporunduva (Figura 12). Este resultado também indica a tolerância relativa do feijão-de-porco a altos níveis de elementos tóxicos presentes nos solos estudados.

Em contraste com os níveis de MDA, os níveis de aminoácidos livres nas folhas aumentaram quando as plantas foram cultivadas no solo de Serra (Figura 13 A) e isso pode indicar uma resposta fisiológica ao alto acúmulo de Zn ou As nas folhas. Os aumentos observados nos aminoácidos livres solúveis podem estar relacionados aos efeitos deletérios dos metais na síntese proteica ou à degradação proteica aumentada sob o estresse por excesso de metais (Chen et al. 2001). Particularmente o Zn merece atenção porque mostrou alta concentração na parte aérea das plantas (Tabela 4), portanto potencial para aumentar os níveis de aminoácidos livres e os distúrbios metabólicos. Essa hipótese também se apoia no estudo

realizado com C. ensiformis que mostra que houve elevação no nível de aminoácidos livres foliar em resposta ao aumento da concentração de Zn no solo (Andrade et al. 2009). Além de potencialmente desencadear distúrbios metabólicos, altas concentrações de Zn em plantas podem causar estresse oxidativo seguido da degradação de proteínas por reações oxidativas (Weckx et al. 1997) e estimulação da atividade da lipoxigenase, o que pode contribuir para a peroxidação lipídica da membrana (Wang et al. 2009). Surpreendentemente, no presente estudo as plantas de feijão-de-porco não mostraram aumentos significativos nos compostos relacionados a peroxidação lipídica (Figura 12 C).

As plantas do feijão-de-porco apresentaram alta tolerância aos elementos tóxicos mesmo quando cresceram no solo de Serra, que continha maiores concentrações de Pb, Zn e As (Tabela 4). Por exemplo, a concentração de Zn no solo de Serra foi superior a 400 mg kg-1 (Tabela 4) que é considerado um nível fitotóxico ( Kabata & Pendias 2001). No entanto, a alta concentração de Zn não foi suficiente para inibir o crescimento do feijão-de-porco. As concentrações de Zn também foram altas nos tecidos vegetais, atingindo cerca de 108 e 538 mg kg-1 na parte aérea e nas raízes, respectivamente (Tabela 4). White et al. (2000) relatam que a concentração crítica de Zn nas folhas para causar toxicidade está entre 100 e 700 mg kg-

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, dependendo da espécie e da composição iônica da solução do solo. Assim, as plantas de feijão-de-porco podem ter acumulado quantidades de Zn na parte aérea perto do limite inferior do nível de fitotoxicidade, no entanto, a parte aérea das plantas tolerou bem a alta concentração de metal. Além disso, as concentrações de Zn nas raízes do solo de Serra foram cinco vezes maiores do que na parte aérea (Tabela 6), mostrando alta capacidade das raízes para reter Zn. Embora a maior quantidade de Zn tenha sido retida pelas raízes, uma quantidade significativa foi translocada para a parte aérea como mostrado pelo índice de translocação (TI) (Tabela 8). Os valores de TI ficaram entre 16,7 e 25,7% para Zn, indicando que o metal teve certa mobilidade no xilema e se acumulou na parte aérea.

As concentrações de Zn na massa seca das raízes da C. ensiformis foram de até 537 mg kg-1 (Tabela 6), valor este que está bem acima da concentração de 163 mg kg-1 observada por Puga et al. (2015) em raízes da mesma espécie cultivada em um Technosolo proveniente de uma área de mineração de Zn no Brasil. Curiosamente, o Technosolo apresentava concentrações de Pb e Zn na fração total de 3.888 e 2.027 mg kg-1, respectivamente, portanto muito mais altas do que as encontradas nos solos usados nessa pesquisa (Tabela 4). Isso pode indicar que a absorção de metais pelas plantas do feijão-de-porco é influenciada pelo tipo de solo e suas propriedades físico-químicas. Em contraste com o Zn, as concentrações de Pb na parte aérea das plantas crescidas no solo mais contaminado (Tabela 4) ficaram bem abaixo

das concentrações críticas de Pb nas folhas que podem causar fitotoxicidade, as quais estão entre 10 e 20 mg kg-1 (White et al. 2012). Assim como o Zn, Pb foi preferencialmente retido nas raízes mas seu índice de translocação foi de apenas 0,86%, portanto, muito menor do que para Zn (Tabela 6).

Esse comportamento aparentemente contrastante entre Pb e Zn relacionado à translocação dos metais pode ser explicado pela fisiologia da planta e pela absorção seletiva de íons. Provavelmente o Pb foi preferencialmente retido nas raízes porque as paredes celulares nas raízes são a primeira barreira para a entrada de Pb nas células da planta (Göhre & Paszkowski 2006 ), isso porque cargas negativas de componentes da planta, como polioses e proteínas, são capazes de reter fortemente Pb+2. Nas raízes, Pb pode ter sido retido no apoplasto ou acumulado dentro das células radiculares, formando complexos com moléculas orgânicas como polifosfatos, aminoácidos, metalotioneínas ou fitoquelantinas (Smith & Smith 2011). Resultados semelhantes são relatados para as espécies arbustivas das leguminosas Amorpha fruticosa e Lespedeza cuneata que cresceram em solo subtropical contaminado com Pb (1.328 mg kg-1) e desenvolvido sob rejeitos de mineração no sul da China (Zhao et al. 2010). Nesse caso, o metal foi principalmente retido nas raízes e mostrou translocação muito baixa para a parte aérea. Foi relatado que um fator importante que determina a fitoxicidade do metal em relação ao risco de sua entrada na cadeia alimentar é a taxa de translocação da raiz para a parte aérea (Abichequer & Bohnen 1998, Andrade et al. 2008). Em geral, se observou maiores índices de translocação para As e Zn do que para Pb (Tabela 6). Isso significa que solos contaminados com As e Zn podem apresentar risco maior para a cadeia alimentar do que solos contaminados com Pb.

O feijão-de-porco apresentou níveis nutricionais adequados, de acordo com os resultados da composição elementar da parte aérea das plantas cultivadas em ambos os solos (Tabela 4). Entre os elementos, o P é de interesse, pois influencia positivamente o crescimento das plantas. O feijão-de-porco pode ter se beneficiado da alta disponibilidade desse nutriente no solo, o qual se acumulou em maior concentração na parte aérea e nas raízes das plantas cultivadas no solo de Ivaporunduva em comparação com o solo de Serra (Tabela 6). A disponibilidade de P pode ter influenciado o estabelecimento de associação de FMAs nas raízes. De modo geral, as plantas do feijão-de-porco se tornaram altamente micorrízicas quando cresceram em ambos os solos e formaram estruturas típicas da colonização de FMA (Tabela 7 e Figura 10). Estes resultados indicam uma possível regulação da associação micorrízica nas raízes pelo teor de P do solo (Casella et al. 1988).

As plantas do feijão-de-porco cultivadas no solo de Serra mostraram baixa nodulação, ao contrário das plantas cultivadas no solo Ivaporunduva (Figura 9 A). Provavelmente, a alta concentração de elementos químicos tóxicos no solo de Serra foi nociva para este grupo de microorganismos, prejudicando assim a interação leguminosa-rizobia e o estabelecimento da simbiose. Estudos anteriores corroboram esses resultados (Andrade et al. 2010, Kidd et al. 2017). Estes relatam que a rizobia é um grupo de microrganismos sensível aos metais em solos contaminados com Cd, Zn ou Cu. Apesar das diferenças em nodulação, as espécies se desenvolveram satisfatoriamente em ambos os solos. Isso significa que a nodulação não foi crítica para o crescimento das plantas.

Além de se associar com bactérias do grupo rizobia, as leguminosas podem se associar simbioticamente a fungos micorrízicos arbusculares (FMAs) o que beneficia a nutrição mineral da planta. Nesse estudo, essa associação poder ser verificada pelos valores de FMAs (Tabela 7 e Figura 10). Os resultados mostraram maior quantidade de esporos de FMAs no solo de Serra do que no solo de Ivaporanduva para ambas as condições experimentais, isto é, antes e depois do plantio (Figura 9B). Constatou-se um aumento de cerca de 20 vezes no número de esporos para ambos os solos após o cultivo, o que indica que houve simbiose bem sucedida entre fungos e plantas. De acordo com estudos anteriores, a associação de plantas com FMAs se mostrou importante para a fitorremediação de solos contaminados com Pb, Zn, As e Cd, entre outros elementos (Smith et al. 2017, Franchi et al. 2017). Rangel et al. (2014) observaram que a associação de plantas com FMAs favorece o aumento da capacidade de raízes para imobilização de As em solos de áreas contaminadas por mineração de ouro. No presente estudo, a grande quantidade de esporos de FMAs verificada após o plantio indica que os fungos podem ter contribuído de forma importante na fitostabilização de Pb, As e Zn no sistema radicular do feijão-de-porco.

A colonização micorrízica foi maior nas raízes de plantas cultivadas no solo de Ivaporunduva (Tabela 7), enquanto a intensidade da colonização das raízes foi maior para as plantas cultivadas no solo de Serra (Tabela 7). Esses resultados indicam que os solos apresentaram grande número de propágulos infecciosos, como esporos de fungos nativos, que possivelmente são ecotipos adaptados às condições de alta concentração de metais. Portanto, os resultados dessa pesquisa confirmam que a interação de plantas com microrganismos do solo, como FMAs e rizobiosa, podem contribuir positivamente para o crescimento das plantas, especialmente em condições sub-ótimas, conforme relatado por Kidd et al. (2017). Estudos anteriores reportam que a presença de simbiose com bactérias fixadoras de N2 em

uma vez que a simbiose ajuda a nutrição nitrogenada e afeta positivamente o crescimento das plantas (Hao et al. 2014).

Em geral, o fator de bioconcentração (BCF) para C. ensiformis em ambos os solos foi menor que um, com exceção do Zn no solo de Serra (Tabela 8). O BCF indica a relação entre a concentração do metal no tecido das plantas e a concentração do metal no solo. Um valor de BCF maior do que um indica acúmulo do metal na parte aérea da planta, enquanto um valor de BCF inferior a um mostra que a parte aérea da planta exclui íons metálicos e aumenta o potencial para a fitostabilização de solos contaminados com metais (Zhao et al. 2016). Os resultados indicaram que C. ensiformis tem duplo comportamento relacionado à fitorremediação do solo, o qual depende do elemento químico. O feijão-de-porco é capaz principalmente de fitoestabilizar Pb, As e Zn e de fitoextrair As e Zn. No entanto, C. ensiformis não pode ser considerada uma espécie hiperacumuladora, por exemplo para Zn, porque a concentração deste metal na parte aérea atingiu apenas 107,7 mg kg-1 (Tabela 6), enquanto que em uma espécie hiperacumuladora a concentração de Zn na parte aérea pode alcançar até 10.000 mg kg-1 (Kabata et al. 2001).

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