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O estudo e a análise das questões socioambientais, no ensino e na aprendizagem da Geografia, têm significado na medida em que as reflexões partirem da realidade dos educandos, em vista de sua participação cidadã nos espaços de vida – rua, bairro, cidade; por isso, a categoria geográfica lugar, na EG, carrega potencialidade ao desenvolvimento da práxis educativa – reflexão-ação –, objetivando à transformação da realidade ambiente. Assim, a partir da compreensão das relações sociais e do meio natural, os educandos estarão não só lendo seus espaços de vida, mas refletindo sobre a realidade dos impactos positivos e negativos e, com isso, pensando ações socioambientalmente sustentáveis.

Nesse sentido, Mercier (2009) destaca que o filósofo Aristóteles, em seu livro IV da obra Física, ao refletir sobre os fundamentos da existência, afirmava que tudo que existe se encontra em alguma parte, em algum lugar e, por isso, “[...] o lugar é uma condição necessária do ser” (p. 21, tradução nossa), distinguindo duas dimensões fundamentais do ser: o lugar e o corpo, de maneira que “[...] todo ser é um corpo que ocupa um lugar” (Ibid., p. 24). Assim, “[...] não se podia conceber plenamente o ser sem compreender o lugar necessário para demonstrar <<a existência do lugar>>, enunciando <<as razões que o testam>>.” (MERCIER, loc.

cit., tradução nossa). Este pressuposto da Física encontraria eco vinte séculos mais tarde, em 1908, com Paul Vidal de La Blache, concebendo a Geografia como a

“ciência dos lugares”. Santos (2014b, p. 58-59) problematiza a posição de Vidal de La Blache a respeito da caracterização da Geografia hodierna, como uma ciência dos lugares ou ciência dos homens, chegando à seguinte reflexão:

Parece-nos que hoje a geografia tende a ser cada vez mais a ciência dos lugares criados ou reformados para atender a determinadas funções, ainda que a forma como os homens se inserem nessa configuração territorial seja ligada, inseparavelmente, à história do presente. Se os lugares podem, esquematicamente, permanecer os mesmos, as situações mudam. A história atribui funções diferentes ao mesmo lugar. O lugar é um conjunto de objetos que têm autonomia de existência pelas coisas que o formam – ruas, edifícios, canalizações, indústrias, empresas, restaurantes, eletrificação, calçamentos –, mas que não têm autonomia de significação, pois todos os dias novas funções substituem as antigas, novas funções se impõem e se exercem.

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Tal concepção, na interação EG-EA, contribui para os sujeitos-educandos compreenderem a interdependência entre o ser e o lugar; este tem distintas formas e funções, atribuídas pelas pessoas que nele vivem e se transformam ao transformá-lo ao longo da história. Na rede de relações entre sujeitos e lugar, Callai (2013) destaca a necessidade de os educandos apreenderem questões sobre o cotidiano do lugar onde vivem; pois a reflexão a respeito da realidade local ajuda-os a perceber que os acontecimentos não são simples frutos do acaso, mas que o lugar é socialmente construído. Sob essa perspectiva, os educandos vão tendo a possibilidade de compreender as transformações e os problemas socioambientais em seus espaços de vida, entendendo que: “As pessoas vão construindo seus espaços enquanto constroem sua vida, sua história [...]” (CALLAI, 2013, p. 24).

Como ciência dos lugares, da vida cotidiana, para Cavalcanti (1998, p. 122):

[...] geografia é uma prática social que ocorre na história cotidiana dos homens. Há uma geografia das coisas e da vida cotidiana. Essa geografia pode ser pensada ou conhecida no plano do cotidiano e no do não-cotidiano, sendo que cada tipo de conhecimento tem suas características próprias [...].

Nessa linha, a EG tem o desafio de trabalhar o lugar enquanto espaço de vida dos educandos, contribuindo “[...] para viver o mundo cotidiano [...]” (Ibid., p. 123), pelo exercício do olhar, da observação, da constatação, enfim, da pesquisa, ou seja, os educandos tornarem-se pesquisadores ativos e críticos: “A pesquisa como procedimento para conhecer o lugar pode ser uma forma de trabalhar com o mundo da vida” (CALLAI, 2013, p. 25). Para tanto, o professor de Geografia, em diálogo com os educandos sobre o meio ambiente local, pode levantar alguns questionamentos, entre outros: - Como se caracteriza a realidade ambiente local?

Como era antes e como será? - Quais os principais problemas socioambientais dessa realidade? - Quais as possíveis razões dos problemas? - Teriam origens endógenas, exógenas ou ambas? - Como avaliar as consequências dos problemas para a comunidade local? - Como superar esses problemas? - Como observar e reconhecer o cotidiano dos sujeitos no lugar, quanto a ações relacionadas ao meio ambiente? Etc.

A complexidade inerente a tais questionamentos requer a investigação curiosa, criadora e persistente, bem como a reflexão rigorosa e, portanto, crítica (FREIRE, 2011b) acerca do lugar, na relação com as suas diversas dimensões –

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políticas, administrativas, culturais, sociais, ecológicas e econômicas – e escalas local, regional, nacional e mundial. Nesse rumo, Callai (2013, p. 25) entende que:

“Cada lugar está inserido numa rede que comporta essa escala de análise e, por isso, a articulação dos fatos, fenômenos e forças reais e/ou virtuais tem de ser reconhecida e considerada em seu contexto.” Para Damiani (2013, p. 164), o cotidiano do lugar envolve as relações sociais singulares em conexão à mundialidade, em vista de que: “A vida cotidiana, mais íntima, ao mesmo tempo, situa seu lugar na sociedade global. Pela mediação do cotidiano no lugar, somos levados dos fatos particulares à sociedade global.” E Callai (2013, p. 26), completa Damiani quando aponta o princípio da contextualidade ao se trabalhar o lugar na escola:

Ao trabalharmos com recortes espaciais, estamos definindo lugares que poderão ter extensões diversas e constituições diferenciadas (região, nação, mundo, por exemplo). Os fenômenos acontecem no mundo, mas são localizados temporal e territorialmente num lugar. As explicações não estão apenas no lugar, mas em todos os outros níveis da escala de análise.

Dessa forma, trabalhar com o conceito de lugar na escola significa entende-lo no contexto em que se insere.

Por isso, para os educandos entenderem o cotidiano do lugar de vida e os seus problemas socioambientais, há necessidade de estabelecerem relações das várias dimensões da realidade ambiente com outras escalas de contexto (município, Estado, região, País, mundo), a fim de analisar os problemas investigados e compreendê-los na sua complexidade – transformando o conhecimento do cotidiano em referência para a construção do conhecimento geográfico socioambiental.

Conforme Sansolo e Cavalheiro (2003, p. 122), a degradação do meio ambiente nos lugares, é entendida considerando-se “[...] as inter-relações entre as diversas escalas geográficas de análise [...]. Ou seja [...] podemos entender que a degradação ambiental que ocorre no Terceiro Mundo, ocorre devido ao modelo de desenvolvimento adotado, historicamente associado à dependência ao Primeiro Mundo.”

A Geografia, com efeito, ao proporcionar o desvendamento das relações espaciais entre a sociedade e a natureza, estará contribuindo para o desenvolvimento da EA: “[...] Uma contribuição à politização da sociedade”

(SANSOLO; CAVALHEIRO, 2003, p. 115). Tal processo de politização, em relação ao cotidiano de vida dos educandos, ocorre mediante a compreensão das relações

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entre as pessoas da comunidade e destas com a natureza, quanto à produção, à comercialização, às relações de poder, à força do capital, às consequências do consumismo e produtivismo, ao descarte etc; e nesse contexto, emergem os problemas socioambientais. Essas reflexões demandam conexões com as demais escalas geográficas, pois o lugar é o espaço de concretização da globalização: “[...]

o que significa dizer que no lugar se vive, se realiza o cotidiano e é aí que ganha expressão o mundial. O mundial que existe no local, redefine seu conteúdo, sem todavia anularem-se as particularidades” (CARLOS, 1996, p. 15). Conforme Santos (2008, p. 161): “Hoje, [...] mais importante que a consciência do lugar é a consciência do mundo, obtida através do lugar.”

Para tanto, é preciso o diálogo entre educador e educandos – a partir de suas leituras de mundo relacionadas às experiências cotidianas – a fim de desenvolverem uma leitura de mundo engajada, efetiva e transformadora, isto é, produtora de sentidos e significados; como afirma Freire (s./a., p. 2): “O educador deve considerar essa ‘leitura de mundo’ inicial que o aluno traz consigo, ou melhor, em si. Ele forjou-a no contexto de seu lforjou-ar, de seu bforjou-airro, de suforjou-a cidforjou-ade, mforjou-arcforjou-ando-forjou-a fortemente com sua origem social”. Portanto, compartilhar, em aula, a cultura do educando é também valorizar a cultura local – modos de viver e conviver – como possiblidade de ressignificar a leitura de mundo. Callai (2013, p. 35) afirma a importância da EG:

Fazer a leitura da paisagem é [...] uma possibilidade para que o lugar seja conhecido, percebendo a história, o movimento, a mobilidade territorial, a seletividade espacial, que são o resultado do social. Por meio da cultura, muitas vezes territorializada no espaço de uma forma ou de outra, pode-se perceber os laços que os indivíduos estabelecem entre si, as formas de ação em relação ao ambiente, à natureza. Reconhecer a cultura local significa perceber a história do lugar, as origens das pessoas, as verdades e os valores que pautam as relações entre elas.

A leitura da paisagem local possibilita aos sujeitos-educandos ver o que está por trás das aparências, identificando as motivações e aspirações, os interesses envolvidos, os laços entre os sujeitos, a relação com a natureza, as lutas sociais, a capacidade de mobilização das pessoas, entre outras questões. Nesse viés, Callai (2013, p. 35) entende que a cultura do lugar não é homogênea: “Ela é um conjunto de todos os conhecimentos que se entrecruzam e se expressam no contexto escolar. Esse cruzamento de culturas é complexo, é vivo e dinâmico, constituindo-se como marca característica do lugar”. Assim, a partir da análise e da compreensão da

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cultura local, é possível desvelar as relações comunidade-natureza e pensar sobre formas sustentáveis de vida. Valem aqui as colocações de Freire (2011b, p. 31-32), quando questiona:

Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos?

Essas questões, levantadas por Freire, são motivadoras para se discutir na EG-EA as injustiças e vulnerabilidades socioambientais, especialmente nas periferias das cidades, realizando com os educandos uma leitura crítica e consciente da realidade ambiente de seus lugares. Nessa perspectiva, vale a contribuição de Callai (2005, p. 234):

Se os alunos vivem essa situação ou vivem em locais que apresentam esse tipo de problema, é a partir de tais problemas que devem ser feitas a leitura, a representação, e que deve ser instigada a curiosidade para avançar na investigação e compreender o que ocorre. Mas não é preciso restringir a discussão à questão social, pode-se discutir questões que são específicas do conteúdo da disciplina Geografia, por exemplo, em vez de “ditar para o aluno”, ou mesmo ler em um livro, ou responder a perguntas a partir de um texto, realizar a leitura do espaço. E a partir daí trabalhar com os conceitos envolvidos – no caso, rio, riacho, córrego, lençol freático, lixo, poluição, degradação ambiental, degradação urbana, cidade, riscos ambientais. A leitura do espaço permite que se faça o aprender da leitura da palavra, aprendendo a ler o mundo.

A valorização do lugar de vivência dos educandos ajuda-os a desenvolver o sentimento de pertencimento e de identificação com a comunidade local e planetária – orientação fundamental no processo da EG-EA, especialmente quanto à formação da cidadania sob o foco da sustentabilidade, em sua multidimensionalidade. Nessa direção, Carneiro (2002, p. 44) destaca que:

A geografia escolar [...] enquanto ciência, guarda uma íntima relação com a Educação Ambiental. Pelo seu papel formativo no desenvolvimento do educando, ao orientá-lo na leitura do espaço, desde o imediato ao mais remoto, a educação geográfica envolve-se, motivada e justificadamente nos dias de hoje, com as questões [socioambientais]. No trato das dinâmicas naturais e das relações entre sociedade e natureza, emergem problemas de várias dimensões, até por experiência dos alunos, que levam a questões de preservação e conservação ambiental e, pouco a pouco, à construção de uma compreensão da sustentabilidade [socioambiental] – em conexão com atitudes e habilidades práticas relativas ao ambiente de vida dos alunos.

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A proposta de pensar e agir em prol da realidade ambiente, a partir do local, pode ser potencializado pela EG-EA, ao objetivar o fortalecimento do vínculo entre a escola e a comunidade, sendo que para isso é preciso que a instituição escolar, pensada por Gómez, Freitas e Callejas (2007) como “Escola Comunitária”, esteja voltada para:

a) qualificar as condições de vida do lugar e da época;

b) transformar a comunidade em seu espaço de análise, seu laboratório de estudo;

c) utilizar seu espaço físico como centro de diálogo e luta com a comunidade;

d) construir seu programa com base nos princípios fundamentais e nos programas da vida;

e) envolver outras pessoas na elaboração de suas políticas e na construção de seus programas;

f) incentivar a coordenação comunitária; e

g) utilizar-se do espírito democrático nas tomadas de decisões e nas relações humanas.

Essa concepção de Escolas Comunitárias envolve o diálogo permanente da escola com a comunidade, desenvolvendo e fortalecendo o espírito comunitário de todos que integram a escola – educandos, professores, equipes pedagógicas e administrativa etc. – o que contribui para trabalhar projetos inter e transdisciplinares vinculados às necessidades e interesses da comunidade, entre os quais os problemas socioambientais. Por isso, Gómez, Freitas e Callejas (2007) sustentam que a educação – e aqui se destaca o papel da EG-EA – é fundamental para o desenvolvimento comunitário71, e a afirmação da identidade da comunidade e de sua qualidade de vida. Dessa maneira, “A educação ‘da’ comunidade, ‘para a’

comunidade e ‘na’ comunidade, portanto comunitária72, trata de dar respostas às situações específicas da comunidade (individuais, interpessoais e sociais) [...]” (Ibid.,

71 Segundo Gómez, Freitas e Callejas (2007, p. 270), desenvolvimento comunitário é o “[...] processo de auto-ajuda, de transformação da própria comunidade na identificação e expressão das suas necessidades, orientando-a para uma maior responsabilidade e controle para promover o seu desenvolvimento [...]” e, nesse contexto, as escolas têm ação marcante no processo de desenvolvimento da comunidade.

72 A educação comunitária, relacionada intimamente ao desenvolvimento comunitário, é compreendida a partir da “[...] participação das comunidades nos processos educativos [...]” (GÓMEZ;

FREITAS; CALLEJAS, 2007, p. 270), focando as questões socioambientais locais na construção do conhecimento geográfico.