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Povo Tradicional de Matriz Africana: categoria sócio-jurídica em formação

CAPÍTULO III – DE RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS À POVOS E

3.3 Povo Tradicional de Matriz Africana: categoria sócio-jurídica em formação

Podem tirar tudo de nós, os africanos, e nós também podemos ter tudo, como ser de qualquer religião, mas não podem tirar de nós, os afrodescendentes, a nossa tradição (NDANLAKATA, 2013).

A criação de uma política pública específica para “Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana” não resolveu o problema da diversidade religiosa afro- brasileira. Pelo contrário. O I Plano foi o instrumento utilizado pelo Estado para nominar esses grupos e sujeitos sociais, inaugurando a questão para o Direito. A partir daí, desenvolveu-se uma hermenêutica capaz de ajustar a categoria jurídica criada aos sujeitos e realidades que pretendia-se proteger. É nesse sentido que a própria SEPPIR publicou em 2016 um “Caderno de Debates”, reconhecendo que “ao longo do processo de execução do Plano, verificou-se a necessidade da produção de insumos acerca do conceito cunhado de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de sua relação com o Estado brasileiro”. Faremos nesse tópico a análise deste “Caderno de Debates” de forma a compreender o deslocamento das categorias neste exercício hermenêutico.

É preciso destacar que este exercício hermenêutico não é um ato unilateral de especialistas, órgãos do governo ou dos grupos populacionais envolvidos. O paradigma da diversidade cultural ou da plurietnicidade, como preferem alguns autores (DUPRAT, 2007; SHIRAISHI NETO, 2007), que foi normatizado no reconhecimento dos povos e comunidades tradicionais (decreto 6040/2007), exige compreender as categorias jurídicas a partir da interpretação que os próprios grupos populacionais dão a ela. Nesse sentido, a SEPPIR explica que o Caderno de Debates “foi produzido a partir da compilação e sistematização de materiais resultantes de encontros de promoção de diálogo e participação social”, no marco temporal de 2011 a 2014. Pretende-se que na publicação “sejam lidas as vozes das lideranças tradicionais de matriz africana que discutiram e refletiram sobre o conceito em voga” (SEPPIR, 2016, p.2).

Independente de quão representativas são as lideranças que colaboraram com essa interpretação, os sete textos que compõem o Caderno de Debates representam pelo menos uma parte da diversidade religiosa afro-brasileira. Estes textos compõem o fundamento teórico da categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”. Orientam, portanto, a interpretação de agentes do Estado na execução das políticas públicas e as ações do povo de santo nas suas demandas frente ao Estado. O conceito em análise é, portanto, uma categoria de diálogo com o Estado. Neste exercício de diálogo com o Estado, enfatiza-se a referência à política de povos e comunidades tradicionais como orientação na construção do conceito. A apresentação da publicação já explicita essa condição:

(...) na busca de uma estratégia para o diálogo sobre as políticas públicas para o segmento (...) remetemos ao Decreto 6040/2007 (...) cujas definições e objetivos respondem às pautas colocadas pelas lideranças tradicionais de matriz africana (SEPPIR, 2016, p.2).

A abertura para o reconhecimento da diversidade cultural concretizada no decreto 6040 dá o tom para o reconhecimento da pluralidade interna dos povos de matriz africana. Esta abertura é percebida já na introdução do Caderno de Debates que substitui a ideia essencialista do “contínuo civilizatório” pela ideia de uma origem marcada por “rupturas e permanências”. Intitulado “Origens: permanências e rupturas” (p.4-7), este texto introdutório retoma os primeiros estudos sobre as “religiosidades africanas” no Brasil para criticá-los. Destaca o pioneiro, mas conservador, Nina Rodrigues, que acreditava na inferioridade do negro, além de Arthur Ramos, Edson Carneiro e inclusive Roger Bastide e Juana Elbein dos Santos. Foi com Roger Bastide que o candomblé se legitimou, sob o argumento de ser uma “religião em conserva”, a mesma ideia implícita na afirmação do “contínuo civilizatório” exarcebado pelo I PCTMA. E foi Juana Elbein dos Santos, possivelmente pela popularidade da sua obra “Os Nagô e a Morte”, uma das principais fundamentações do “nagocentrismo” e “re-africanização” nos cultos afro-brasileiros.

A crítica a estes autores é feita, citando Geertz, através do qual se compreenderia a inadequação de se tentar compreender uma realidade através da codificação de regularidades. Nesse sentido, o texto afirma que são inegáveis “as várias misturas e intercessões ocorridas no decorrer dos anos entre os vários povos africanos”. E ainda, que “o marco conceitual em debate resulta do olhar para as rupturas” e a consequente negociação de “novos elementos provenientes das diferentes temporalidades,

espaços, marcos legais e da produção de outros intelectuais”, sem desprezar no entanto, a “necessidade de apreensão das dinâmicas de permanência” (SEPPIR, 2016, p.6).

A afirmação do marco conceitual como resultado da acomodação entre rupturas e permanências coloca em evidência a dimensão política, e portanto relacional e não essencialista, da categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”. É portanto, esta alteração conceitual que possibilita a ampliação dos grupos populacionais reconhecidos pela categoria. Ou seja, superando-se o essencialismo da ideia de “contínuo civilizatório” pode-se incluir a diversidade das expressões das religiosidades afro- brasileiras outrora excluídas por não figurarem a ficção do modelo “puro africano”. A dimensão política expressa pela compreensão das “rupturas e permanências” pode ser verificada em todos os textos que se seguem no Caderno de Debates.

Na primeira parte define-se “Povo, Tradição e Território”. Estes conceitos são os três elementos centrais da política de povos e comunidades tradicionais, que neste texto são definidos de forma a adequar a matriz africana à política do Decreto 6040. Precedem a explicação desses conceitos, a ênfase de que são definições “políticas, abertas, ativas”, acompanhando a dinamicidade das histórias, culturas e ações políticas desses sujeitos em diferentes contextos. O texto 1, que afirma povo como um conceito político, enfatiza a dinâmica e mobilização dos sujeitos como parte do conceito. É esta inclusive a compreensão da OIT que na Convenção 169 opta pela palavra “povo”, o que seria mais adequado do que populações por referir-se a “sociedades organizadas com identidade própria”.

O conceito é explicitamente apresentado não como único, mas como um dos que “foram se materializando” a partir do diálogo entre as lideranças de matriz africana e o governo. É como citação de Makota Valdina, uma importante liderança, que o conceito de “povos tradicionais de matriz africana” é apresentado como o “conjunto dos povos africanos para cá transladados e as suas diversas variações e denominações originários dos processos históricos diferenciados em cada parte do país em relação com o meio ambiente com os povos locais”.

Percebemos neste conceito que a origem sanguínea ou geográfica que pode-se inferir em “povos africanos para cá transladados” é complexificada pela dimensão política das “variações” e “processos históricos diferenciados”. Aparece nesse conceito também, de forma mais explicita do que no conceito do I PCTMA, a necessária relação com “meio

ambiente”. E, de forma inovadora, é explicitada a relação com os “povos locais”. Ou seja, falar em “povos tradicionais de matriz africana” não pretende retomar uma origem essencialista localizada no continente africano, e sim enfatizar o processo histórico, a trajetória de grupos populacionais e os fluxos culturais na travessia do Atlântico e as relações que se constituíram a partir de então. Fala-se assim, de grupos populacionais constituídos em um processo histórico chamado de diáspora africana. É nesse sentido que o texto enfatiza que trata-se de “um povo em luta” e que o significado do conceito se sustenta na história da luta desse povo.

O significado se sustenta na história. Um povo em luta desde a diáspora e a escravidão; um povo com uma cultura de origem identificável cronológica e geograficamente e cuja trajetória, incluindo perdas e desaparecimentos tanto quanto resistência e renovação, preservam, inventa e reinventa a tradição, sua fonte de saber e sua identidade. Um povo em luta (SEPPIR, 2016, p.10).

A caracterização de serem “povos em luta” corresponde com a definição da OIT, como já expomos acima, destacando que os “povos” sujeitos de direitos pela Convenção 169 são “sociedades organizadas com identidade própria”. E nesse sentido, o conceito de “povos tradicionais de matriz africana” a partir da diáspora evidencia que esta identidade não é um conjunto de elementos culturais essencialistas, mas se dá exatamente nas relações políticas em que estes grupos se constituíram e se resignificam a cada dia. Assim, podemos ver a resistência ao processo escravista como origem desses povos de matriz africana, mas, além desse processo histórico, percebemos hoje uma identificação pela oposição comum a formas contemporâneas de colonização, entre as quais podemos destacar a apropriação e descaracterização dos símbolos da cultura afro-brasileira pelos neopetencostais.

É nesse sentido, que a tradição passa a ser o elemento mobilizador desses grupos populacionais, como um alargamento da religião, a exemplo do caminho percorrido pelos candomblés e xangôs mais tradicionais na busca por sua legitimação. “A tradição é muito mais que religião” (SEPPIR, 2016, p.45). A tradição permite a compreensão dos modos de ser, fazer e pensar desse grupo populacional para além da relação com o sagrado. Nesse sentido, é ressaltada a insuficiência da expressão “intolerância religiosa” para o enfrentamento do “grau de violência que incide sobre os territórios e tradições de matriz africana” (SEPPIR, 2016, p.25).

O conceito de “tradição” é definido no texto 2 do Caderno de Debates e também ressalta a dimensão política e dinâmica própria das culturas. Contrapõe-se ao senso comum de referência a um passado imutável que no fundo serve a uma utilização conservadora da

tradição como justificativa para a manutenção de estruturas de poder e relações de dominação. A tradição é conceituada “não como fixação do passado, mas como lugar que se ritualiza a origem e o futuro, ou seja, tradição como ritualização da origem de todos” (SEPPIR, 2016, p.10). Destacando a ritualização da origem e do destino, estão no centro do conceito de tradição, o trânsito, a passagem, portanto, o movimento. Esse movimento, o processo de retornar às origens para dar sentido ao presente e construir o futuro, é um exercício de reflexividade em que a tradição pode sofrer mutações e se reinventar.

Essas recriações e reinvenções, no entanto, não se dão no vazio ou na abstração. “É a retomada de uma realidade histórica vivida concretamente” (...) “uma reconstrução a partir da própria história montando em novo contexto o que foi destruído, fragmentado, sufocado, mas que permanece vivo para a nova experiência” (SEPPIR, 2016, p. 12). Muniz Sodré (1998) complexifica ainda mais a compreensão desse retorno explicando que a origem dos povos de matriz africana não tem um inicio cronológico ou geográfico. Trata- se de um “eterno impulso inaugural da força de continuidade do grupo” e por isso remetem à ancestralidade.

Essa ritualização da origem e do destino acontece nos vários espaços de vivência e prática dessas tradições. Enfatizando a importância do espaço físico como “espaços de vivências”, o Caderno de Debates retoma a referência a “terreiros”, que havia desaparecido do I PCTMA, mas se refere sempre a “espaço/terreiro”, além de explicitar a possibilidade de outras nomenclaturas dependendo da especificidade dos grupos. Destaca assim a dimensão concreta da vivência da tradição que ocorre nestes espaço, independente do nome que se dê ao espaço.

Essa ênfase tem pelo menos duas consequências. Uma delas é a imprescindibilidade do território para a permanência da tradição e sobrevivência do grupo. Isso porque é através da vivência da tradição que se constroem os elementos de identidade dos sujeitos. E como a vivência da tradição se dá através de trocas presenciais, o território - que é o local onde ocorrem essas trocas presenciais - é também fundamental para a sobrevivência e a identidade do grupo. “O sujeito é, identifica-se e organiza seu pertencimento a partir do grupo, povo e território a que pertence” (SEPPIR, 2016, p. 13). E ainda, “dizer identidade é designar um complexo relacional que liga o sujeito a um quadro contínuo de referências, constituído pela intersecção de sua história individual com a do grupo onde vive (SEPPIR, 2016, p. 22).

A outra consequência é a ampliação dos espaços que podem ser considerados territórios de matriz africana, já que não se reduz aos espaços específicos de culto. Incluem-se todos aqueles onde as tradições da ancestralidade são vivenciadas, espaços onde estão presentes e reproduzem-se as referências ancestrais garantidoras das construções identitárias do grupo e dos sujeitos que dele participam. Isso porque não se separa a dimensão do sagrado de outras dimensões da vida da pessoa e da comunidade.

É a partir daí que abre-se a possibilidade para a explicação da relação de interdependência dos povos de matriz africana com a terra/natureza. O texto retoma um conhecido provérbio yorubá “Kosi Ewé, Kosi Òrìsà” (Sem folha, não existe orixá), explicando que ele sintetiza a complexidade do lugar da terra na vida do povo africano. Este provérbio é utilizado para explicar o vínculo dos povos de matriz africana com o meio ambiente. “Folha” se refere as ervas necessárias aos rituais, aos elementos da natureza (árvores, rios, mares, florestas, raios...) e também, de forma mais ampla, a manifestação material da vida e, por analogia, a própria terra. Sem estes elementos, não há divindade. Mas Oliveira (2016, p. 19) afirma que a própria cosmogonia permite também o raciocínio inverso, o que o autor/sacerdote provoca com a indagação: “o que existe sem a divindade, a cultura, o passado na forma da ancestralidade?”

O texto 3 do Caderno de Debates, faz uma reflexão sobre os valores ancestrais africanos para aprofundar o debate sobre os territórios e a necessidade de políticas públicas que contemplem a proteção desses espaços na amplitude que eles têm para esses povos: construção da identidade, preservação da história e cultura, reprodução da vida. Oliveira (2011) fala da limitação da garantia constitucional territorial apenas para terra de quilombo e afirma, a partir daí, a necessidade de redefinição da noção de “territórios tradicionais” que consta no decreto 6040/2007.O texto do Caderno de Debates é enfático:

No seu artigo 30, parágrafo II, ao referir-se a Territórios tradicionais, no que tange ao povo negro e a sua cultura, o decreto indica apenas os territórios quilombolas. Essa redução ignora a amplitude dos territórios negros, definidos também a partir de valores ancestrais e não contempla uma infinidade de espaços, urbanos e rurais, que não se enquadram na definição corrente de quilombolas, mas que são tradicionais na medida em que cultivam e preservam tradições, valores culturais e ancestrais. Redefinir o conceito de territórios tradicionais se torna, portanto, urgente sob pena de se excluir parcela significativa da população negra das políticas de desenvolvimento e demais planos de políticas públicas de caráter nacional (Oliveira, 2011 in Seppir, 2016, p. 20). A reivindicação da ampliação dos territórios tradicionais parte do enquadramento do terreiros como territórios negros e funda-se nos valores civilizatórios africanos. A partir de Sodré (1988), os terreiros são considerados como “forma social negro-brasileira por

excelência”. Opera-se a mesma apropriação da ideia de terra de negro que o movimento quilombola fez para fundamentar o acesso à terra dos povos de matriz africana. Inclusive no estatuto da igualdade racial fala-se em quilombos na seção do acesso à terra. A abertura da categoria povos, parece mais uma vez querer se fechar na definição de uma essencialidade dos valores da tradição africana. Um exemplo é a completa ausência de qualquer referência aos indígenas ou outros povos tradicionais com que a matriz africana tenha interagido.

No texto 5, esse deslize essencialista fica mais evidente. Denominado de “As tradições entre povos tradicionais de matriz africana”, o texto afirma uma “diversidade integradora” mas se dedica a descrever “alguns elementos que caracterizam os três grupos em maior número no território brasileiro – bantu, fon e yorubá” (SEPPIR, 2016, p.28), embora essa mesma divisão seja criticada no início da publicação como um “modelo de padrão definido pelas ciências sociais e aceito pelas lideranças”. O texto demonstra que o apego ao essencialismo se mantém na compreensão sobre os povos de terreiro, e inclusive entre eles. Vale destacar que embora esses três grupos sejam citados, a maior parte do texto é dedicada a descrição dos valores civilizatórios bantu. Isso é uma grande diferença com os primeiros estudos das religiões africanas no Brasil e uma alteração no modelo de legitimação das religiões afro-brasileiras que sempre privilegiou o nagô como modelo.

Ainda como sinal dos resquícios essencialistas e dos limites da abertura para o reconhecimento da diversidade das expressões da cultura afro-brasileiras, o Caderno de Debates apresenta o conceito de “comunidades tradicionais” ao lado do conceito de povos tradicionais, distinguindo-os. Neste último, mantem-se a compreensão do contínuo civilizatório. São as Comunidades Tradicionais de Matriz Africana:

Territórios ou Casas Tradicionais – constituídos pelos africanos e sua descendência no Brasil, no processo de insurgência e resistência ao escravismo e ao racismo, a partir da cosmovisão e ancestralidade africanas, e da relação desta com as populações locais e com o meio ambiente. Representam o contínuo civilizatório africano no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços à comunidades (SEPPIR, 2016, p.25).

Para além do Caderno de Debates, o debate conceitual segue vivo nos espaços de formulação da política pública. O decreto 8750/2016, que instituiu o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, indicou, no art. 4º, os seus integrantes. Entre eles, estão nominados no inciso III, § 2º, os “povos e comunidades de terreiro/povos e comunidades de matriz africana”. Em 2017, a SEPPIR anunciou a elaboração do II

PNCTMA. Nesta chamada, a categoria utilizada é também “povos e comunidades de terreiro”. Estes são somente exemplos de que ainda não há um ponto final para a questão conceitual da nominação destes sujeitos. O que percebemos com a categoria “povos tradicionais de matriz africana” é que houve de fato uma abertura para o reconhecimento da diversidade afro-brasileira. Com essa possibilidade, a pluralidade interna da diversidade afro-brasileira compõe-se hoje de povos em luta e em diálogo com o Estado, e nesse processo, categorias vão sendo construídas e resignificadas.

É neste contexto que a Jurema Sagrada emerge no cenário das religiões afro- brasileiras. Como uma das expressões da pluralidade interna das tradições de matriz africana participa do processo de diálogo com o Estado. Participa portanto, da disputa de significados da categoria de reconhecimento dos povos de terreiro, buscando a melhor interpretação e nominação que atenda suas necessidades de reconhecimento e direitos específicos. Retomaremos, portanto, no próximo capitulo, um olhar para as ações dos juremeiros no espaço público de forma a compreender com ele se constitui como um sujeito de direitos, e quais as estratégias deste grupo social na sua luta por reconhecimento e criação de direitos.

CAPÍTULO IV – A JUREMA MERECE RESPEITO! PERFORMANCES DOS JUREMEIROS EM MOVIMENTO

Apresentaremos e analisaremos, neste capítulo, as ações de maior visibilidade dos juremeiros no espaço público. Pretendemos com isso compreender como este grupo se constitui como sujeito coletivo e que elementos mobiliza no espaço público na criação da sua identidade “Povo de Jurema”. Pretendemos, portanto, compreender as estratégias deste grupo social na sua luta por reconhecimento e criação de direitos.

Relembramos que utilizaremos aqui o instrumental analítico de rituais de Stanley Tambiah (1985), ou seja, destacamos eventos significativos para o grupo social em três aspectos: são eventos que estão fora dos acontecimentos cotidianos, possuem uma ordenação e estrutura, e ainda, que são performances coletivas para atingir determinado fim. Queremos destacar portanto, a dimensão performativa destes eventos.

Consideramos ainda, as festas e eventos como condensações de um fenômeno, momentos em que os elementos significativos de um processo podem ser vistos de forma mais explicita. Portanto, para uma compreensão do estado atual da visibilidade dos juremeiros, tomamos como situação etnográfica três importantes eventos realizados pelo Povo de Jurema nos quais participamos como observadores: o “IX Kipupa Malunguinho - Coco na Mata do Catucá”, a “IV Caminhada dos Terreiros do Estado de Pernambuco”, e o “III Encontro de Juremeiros e Juremeiras em Alhandra”. Os dois primeiros no ano de 2014 e o último no ano de 2016. O primeiro deles, é um evento de dimensão nacional organizado coletivamente pelos juremeiros, que reúne o maior número de adeptos e muitos simpatizantes com objetivo principal de louvar a uma entidade sagrada da Jurema: o Mestre Malunguinho. O segundo, é um ato público conjunto com outros povos de terreiro de Pernambuco, em que o Povo de Jurema participa de forma organizada, mas sua presença é vista pelos outros participantes de forma controversa. O terceiro evento também é um encontro nacional (embora de menor dimensão que o Kipupa) organizado pelos juremeiros com objetivo de reverenciar a ancestralidade da tradição em Allhandra, considerada cidade sagrada e origem da Jurema.