• Nenhum resultado encontrado

Inicialmente, a compreensão de aprendizagem aqui abordada é intrinsecamente dependente da noção de atuação no mundo. Com base em Lave e Wenger (1991), o foco de análise desloca-se de uma abordagem sobre o que o sujeito aprende para outra, convergindo para como se aprende participando no mundo social, desse modo, atividades diárias não se distanciam da própria noção de aprendizagem. Essa ideia legitima a partilha de responsabilidade sobre processos de aprendizagem com a perspectiva de ação, atuação e atividades na prática social. Esses termos que surgem são dependentes um do outro e não acontecem de modo isolado, no entanto, para fins didáticos de argumentação, serão apresentados separadamente. Nesse sentido, prática social surge como conceito que conota “fazer, mas não apenas um fazer em si mesmo. É um fazer em um contexto histórico e social que dá estrutura e significado ao que é feito (WENGER, 1998, p. 47).

64 A prática social conecta praticantes que se envolvem em fazer alguma coisa (WENGER, 2004). Para o autor, os membros acumulam conhecimento prático e isso implica na capacidade de agir de cada sujeito tanto individual quanto coletivamente. Esse ponto é importante para demarcar que a aprendizagem se liga naturalmente ao que as pessoas fazem. De fato, pode-se considerar um delineamento da aprendizagem com vistas ao que se é capaz de realizar pessoalmente ou em grupo, pois isso de perto sugere inter-relações, modos específicos de agir, fazer, falar, etc.

O conceito em si inclui o tácito e o explícito, o que é dito e o não dito, o que é assumido ou apenas representado, inclui também linguagem, ferramentas, documentos, imagens, símbolos, papéis bem definidos, critérios especificados, procedimentos codificados, relações implícitas, sugestões sutis, regras, percepções específicas, compreensões incorporadas, suposições subjacentes e visões de mundo compartilhadas. Nesse aspecto, a prática também remete a envolvimento com outras pessoas ao se perseguir um empreendimento (WENGER, 1998).

De acordo com o autor, há três dimensões da prática social, que conferem coerência à comunidade. Beline (2012) entende que o envolvimento nas comunidades sociais pode ser encarado, em linhas gerais, como compromisso e empenho dos sujeitos nesses agrupamentos. Esse envolvimento Wenger (1998) denomina de engajamento mútuo, termo utilizado para indicar o modo como se dá a interação dos indivíduos por meio da qual eles negociam o significado uns com os outros nas comunidades. Sobre isso, Barton e Tusting (2005) sugerem que os sujeitos interagem uns com os outros e isso, salientam os autores, acontece de muitos modos. Feito isso, os membros “desenvolvem um repertório de recursos comuns de linguagem, estilos e rotinas por meio dos quais eles expressam suas identidades como membros do grupo” (Idem, p. 02), configurando o que Wenger (1998) denomina de

repertório compartilhado. Para tal, fazem isso ao buscar desenvolver um trabalho

conjuntamente, o que o autor denomina empreendimento conjunto.

Participação simboliza um processo de fazer parte, bem como se refere às relações

com outros que refletem este processo, discute Wenger (1998). Portanto, está ligada à prática

social, pois auxilia na descrição de experiências sociais de viver no mundo em termos de

pertença em comunidades sociais e de envolvimento em empreendimentos sociais (WENGER, 1998; BARTON; TUSTING, 2005). Assim, Wenger (1998) argumenta que “participação nesse sentido é tanto pessoal quanto social. Isso é um processo complexo que

65 combina fazer, falar, pensar, sentimento e pertença. Envolve toda a nossa pessoa, incluindo nossos corpos, mentes, emoções e relações sociais” (p. 55-56, tradução nossa).

Assim, tomar a aprendizagem como situada histórico, cultural e socialmente é compreendê-la como engajamento em uma comunidade social e, além disso, considerar a participação como processo basilar para que ela ocorra (BARTON; TUSTING, 2005). O fato de se engajar remete ao envolvimento da pessoa como um todo tanto na ação como no saber (WENGER, 1998). Assim, prática social é o alicerce de tais participações, sendo ela conferente de significado e aprendizagem. Nota-se que a prática definida por suas dimensões tem ligações estreitas com os processos de negociação de significados, pois estes sinalizam um modo de experimentar o mundo como ele é, ou seja, por meio desses processos indicamos participações e reificações subjacentes às práticas.

A partir desse entendimento, um fator que diferencia participação como constructo teórico da banalização do conceito reside na possibilidade de reconhecimento mútuo por partes dos sujeitos (WENGER, 1998). Nesse sentido, um computador, por exemplo, ainda que figure como integrante das práticas e desenvolva papel importante na obtenção de informações nas inúmeras salas de Call Center, ele não participa, pois não é capaz de negociar nem viver experiências de significado

Negociação de Significados é um processo fundamental envolvido na prática, pois está nela diluído e estrutura o modo como experimentamos o mundo (BALDINI, 2014; TUSTING, 2005). Se quisermos saber os modos como os estudantes se relacionam com uma disciplina, com seus recursos, com as idéias veiculadas, a prática fornece subsídios para entender o processo. Sobre isso, podemos afirmar que ela define o que é essa comunidade de futuros professores em foco e como estes se comportam, principalmente pelas interações que estabelecem e pelos processos em que negociam quais sentidos conferem às situações vivenciadas. Por essa razão, conhecer os processos pelos bastidores do conhecimento é vital. Para Wenger (1998, p. 53-54), “ao viver no mundo, não fazemos apenas significados independentemente do mundo, mas nem o mundo simplesmente impõe significados a nós”. Há um processo que demarca um necessário engajamento humano no mundo e naturalmente é ativo e produtivo de negociação de significados.

Esse processo é fruto da confluência entre os dois constructos citados participação e

reificação. Este último conceito, utilizado para fazer referência ao “processo de dar forma a

nossa experiência pela produção de objetos que congelam esta experiência em coisa”, sugere um modo como projetamos significados, oriundos do processo de negociação no mundo, e

66 que, a partir disso, podemos notá-los como presentes nele (WENGER, 1998, p. 58). O autor oferece um exemplo para compreender tal argumento, partindo da análise sobre o uso do conceito em si. Para ele, o termo se refere a uma projeção do que se quer dizer e é, portanto, uma abstração de um processo de pensar e usar o termo. Assim, participação não se isola da

reificação, uma implica na outra. Nesse sentido, “enquanto na participação reconhecermos

nós mesmos no outro; na reificação nós nos projetamos no mundo e, não tendo que nos reconhecer nessas projeções, atribuímos aos nossos significados uma existência independente” (WENGER, 1998, p. 58).

No estudo de Nagy e Cyrino (2014), um exemplo ímpar da relação entre essas duas dimensões da Comunidade de Prática de professores que ensinam Matemática se desprende da discussão. As autoras frisaram que conhecer a experiência de sala de aula de um membro permitiu outro membro reificar a ideia que tinha a respeito do desempenho dos estudantes em tarefas de alto nível e isso, com efeito, fez-se ser percebido no grupo pela mudança de postura e argumentação. O grau de independência está associado à possibilidade de levar essa mudança de participação e postura adiante, em outras situações dentro e fora da comunidade de origem. Outro exemplo é conferido pelo estudo de Silva, Prado e Barbosa (2016), no qual foram investigados modos de desenvolver aulas da disciplina Matemática e formas de escrever esboçadas em narrativas de aulas. Para os autores, as narrativas dos professores se comportavam como reificações de certa comunidade. Portanto, essas produções são projeções de significados no mundo. Esses resultados sugerem que a materialidade das reificações não se limita aos aspectos físicos.

Outro foco contornável para esse estudo diz respeito a importância da prática social para o conhecimento, pois essa é apresentada por Lave e Wenger (1991, p. 98, tradução nossa) como condição inerente aos processos e atividades do grupo: “a comunidade de prática é uma condição intrínseca para a existência de conhecimento, não só porque ela promove suporte interpretativo necessário para dar sentido ao seu patrimônio”. Para os autores, esse constructo está intimamente ligado à participação e, de algum modo, é moldado pelas relações sociais de aprendizes dentro da comunidade. É no processo que o entendimento e as habilidades de experientes são desenvolvidos. Aqui estamos interessados nos indícios da relação da prática social com conhecimentos existentes nos processos desenvolvidos pelos participantes desta pesquisa.

Por essa razão é oportuno observar a necessidade que os sujeitos tem de acessar as atividades as atividades de geometria, o modo de pensar e falar quando estão abordando-a,

67 bem como o uso de recursos comuns, portanto, compreender como conhecem e vivenciam situações favoráveis ao labor da prática docente futura na prática social. Assim, supõe-se que, no pleito de suas vivências, os futuros professores se colocam amplamente motivados pelos exemplos fornecidos pela compreensão evolutiva sobre como, quando e com o que os “veteranos”3 colaboram, no que divergem, do que não gostam, o que respeitam e admiram (LAVE; WENGER, 1991) sobre as situações e abordagens de ensino de geometria. A participação nessas práticas é um processo de aprender e conhecer (WENGER, 1998; CYRYNO; CALDEIRA, 2011; BALDINI, 2014) modos de conceber e ensinar geometria na Educação Básica.

Considerar o desenvolvimento profissional numa perspectiva de se envolver, desenvolver, vivenciar e explorar práticas sociais é sobretudo demarcar estreita relação entre

conhecer, aprender e fazer. Assim, aprendizagem contornada pela dimensão da prática social

reflete experiências sociais de envolvimento ativo e de afiliação (e conexão) em comunidades sociais (WENGER, 1998). Portanto, mostra-se natural olhar aspectos da aprendizagem em termos dos acontecimentos da prática e dos processos subjacentes de negociação de significados, buscando caracterizar aspectos de engajamento dos sujeitos ao lidar com situações de organização do ensino de conceitos de Geometria, experimentando-as, bem como discutir sobre o processo de negociação de significados desprendidos dessa ação de se envolver e, não menos importante, dialogar com os aspectos de reificação que são evidenciados na prática social do grupo pesquisado. O contexto em que atuaram será apresentado em seguida.