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3.5 O Código de Defesa do Consumidor

3.5.3 Alguns assuntos abordados no CDC

3.5.3.2 Práticas comerciais

As ―Práticas Comerciais‖ estão dispostas no Capítulo V do Título I do Código de Defesa do Consumidor. As normas que compõem esse capítulo referem-se à proteção do consumidor antes e depois da contratação e disciplinam sobre a oferta de produtos e serviços, a publicidade, as práticas abusivas, a cobrança de dívidas, os bancos de dados e cadastro de consumidores. Todas as regras estão em consonância com os princípios gerais e direitos básicos delineados nos arts. 4º e 6º do CDC.

As práticas comerciais movem a sociedade de consumo, aproximando os consumidores dos produtos e serviços colocados à disposição do mercado. Há dificuldade de se estabelecer uma definição precisa acerca desse instituto em virtude de sua grande mutação no mercado. Uma determinada situação que hoje é considerada prática comercial, em decorrência das rápidas mudanças, pode não mais ser considerada em um futuro próximo ou simplesmente pode deixar de existir.

Segundo Herman Benjamin (2005, p.242), as práticas comerciais são ―os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e serviços até o destinatário final‖.

É importante estabelecer a diferença entre prática comercial e marketing. Este consiste em uma modalidade do primeiro e é um importante instrumento dos fornecedores para estimular o consumo. O fornecedor precisa conhecer o consumidor, seus desejos, o ambiente que transita e a sua atividade para que o marketing seja utilizado de forma mais eficiente.

O CDC permite a liberdade de práticas comerciais, no entanto estas devem ser exercidas no estrito limite do direito do fornecedor estabelecido no ordenamento jurídico, sob pena de cometer abuso de seu direito. O arts. 187 e 927 do Código Civil estabelecem:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

As práticas comerciais podem ser dividas em pré-contratuais e pós-contratuais. São modalidades que antecedem o contrato a oferta e a publicidade. Já as modalidades que procedem são as garantias contratuais, a cobrança de dívidas, os bancos de dados e cadastros de consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor, no art. 30, define oferta como:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor, qualquer publicidade que contenha os elementos essenciais de um contrato deve ser concebida como oferta vinculante. O fornecedor, portanto, deverá sempre cumprir seus termos, sob pena de responsabilização. Essa norma faz com que o fornecedor se torne mais cuidadoso com as informações veiculadas.

Na oferta, devem ser assegurados o princípio da informação, o princípio da transparência, o princípio da boa-fé objetiva e o da liberdade de escolha. É essencial disponibilizar aos consumidores informações corretas, claras, precisas29, ostensivas30, em língua portuguesa, sobre suas características, sua qualidade, sua quantidade, sua composição, seu preço, sua garantia, seu prazo de validade, sua origem entre outros dados. Cabe ao fornecedor prestar ainda informações sobre os riscos que produtos ou serviços possam causar à saúde e à segurança dos consumidores.

A oferta obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, podendo os consumidores exigir o seu cumprimento. O art. 35 do CDC é consequência direta do art. 30 do CDC e dispõe:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

O Código de Defesa do Consumidor adota sistemática semelhante à responsabilização pré e pós-contratual estabelecida no Código Civil, que decorrem, respectivamente, do prejuízo causado por uma oferta ainda não aceita ou retratada e do prejuízo proveniente do descumprimento de um contrato de consumo.

Sobre esse assunto, é importante ainda salientar a regra do art. 3331 do CDC, pois, em se tratando de venda por telefone ou reembolso postal ―deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação

29Uma informação além de ser verdadeira precisa ser exata, particularizada e delineada, pois uma informação

genérica pode ser insuficiente aos consumidores.

30Informação que dispensa maiores esforços para ser localizada na embalagem, na oferta ou na publicidade.

31Art. 33. Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e

endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial.

Parágrafo único. É proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a chamada for onerosa ao consumidor que a origina.

comercial‖. Essa norma visa eventual responsabilização do fornecedor por atos ilícitos cometidos e por regular exercício do direito de arrependimento, harmonizando-se com o art. 4932 do CDC. Na venda realizada fora do estabelecimento comercial, impõe-se ao fornecedor a obrigação de suportar riscos decorrentes da técnica de venda.

O legislador preocupou-se com a proibição ampla e flexível a publicidade enganosa e abusiva, estabelecendo os conceitos no art. 37 do CDC:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

§ 4° (Vetado).

As práticas abusivas foram vedadas aos fornecedores de produtos e de serviços. Elas podem ser entendidas como atos em desconformidade com os padrões de boa conduta do mercado de consumo e estão previstas em um rol exemplificativo no art. 39 do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.

32Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de

recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

XI - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contruatualmente estabelecido;

XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.

XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido.

Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

Com o desenvolvimento industrial, o crescimento da produção, o aumento da população mundial e o acrescimento da demanda, veio a necessidade de uma maior celeridade na celebração de vínculos jurídicos e de padronização das relações jurídicas, em virtude da multiplicação dos produtos finais colocados à disposição dos consumidores. Esse fato gerou a padronização dos contratos e um grande volume de práticas abusivas no mercado.

Nos contratos eletrônicos, geralmente, não existe grande espaço para a negociação, em virtude das partes não se encontrarem. Dessa forma, o comércio eletrônico mostra-se como um campo vasto para a prática de atos dispostos no art. 39 do CDC.

O mau uso dos bancos de dados e cadastros de consumidores pode ser considerado prática abusiva. Esses dois institutos apresentam em comum a qualidade de armazenar informações sobre terceiros para o uso nas relações de consumo e estão regulamentados nos arts. 43 e 44 do CDC:

Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

§ 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.

§ 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

§ 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. § 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. § 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.

Art. 44. Os órgãos públicos de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgá-lo pública e anualmente. A divulgação indicará se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor.

§ 1° É facultado o acesso às informações lá constantes para orientação e consulta por qualquer interessado.

§ 2° Aplicam-se a este artigo, no que couber, as mesmas regras enunciadas no artigo anterior e as do parágrafo único do art. 22 deste código.

Os bancos de dados e cadastros de consumidores devem ter como finalidade, simplesmente, alertar os credores sobre eventuais riscos ao negociarem com esse ou aquele

consumidor. O CDC admite armazenamento de informações estritamente ligadas ao mercado de consumo, portanto é inadmitido o arquivo de informações puramente pessoais.

Além de poder configurar prática abusiva, a má utilização desses bancos e cadastros de consumidores pode representar uma grande ameaça ao direito à privacidade, à imagem e à liberdade contratual. Em relação a esse último, é preciso ressaltar que um sujeito que tenha informações de crédito negativas em seu cadastro costuma ser recusado em contratações diversas.

O legislador buscou estabelecer limites acerca da coleta, manutenção e divulgação de dados sobre o consumidor, como forma de implementar a defesa desse sujeito vulnerável. Na atualidade, a comercialização desses dados vem se mostrando como um grande problema, principalmente na esfera eletrônica.

O Código de Defesa do Consumidor dispôs sobre as cláusulas abusivas de uma forma clara e plena, trançando limites com o fim de resguardar o consumidor nas relações de consumo frente sua posição de desequilíbrio em face do fornecedor.