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2. DOMESTICIDADES, CULTURA DE CONSUMO E MODERNIZAÇÃO SOCIAL

2.3 PRÁTICAS DE CONSUMO E MÍDIAS DE ESTILO DE VIDA

Joanne Hollows (2008) destaca a importância de percebermos o consumo e o fazer doméstico mediando a relação das pessoas com os lugares em que vivem. Segundo a autora, nos segmentos médios poucas pessoas constroem suas próprias moradias; então, a relação primária com os espaços é estabelecida através do consumo (HOLLOWS, 2008). Dessa forma, o objetivo desse subcapítulo é trazer um panorama dessa relação, evidenciando que o consumo é uma forma de produzir o lar e de compreender a relação das mulheres com o espaço doméstico. Além disso, destaco o papel importante que as mídias de massa exercem no incentivo ao consumo.

Para Joanne Hollows (2008) as práticas de consumo não são unicamente um modo de reprodução, mas sim produtoras do lar, ampliando o conceito de consumo. Nas palavras da autora “o consumo doméstico não é somente uma forma de produção porque é uma forma de trabalho doméstico, mas também porque é um processo ativo do fazer a casa”9 (HOLLOWS, 2008, p. 21). As práticas de consumo não contemplam unicamente, por exemplo, a manutenção e a escolha dos produtos para o lar, mas envolvem também a atribuição de significado aos artefatos, bem como arranjá-los no espaço, seja para decorar ou facilitar as atividades domésticas (HOLLOWS, 2008). O processo de arranjo dos interiores domésticos é dinâmico e construído no cotidiano, fruto da relação das pessoas e dos ambientes em que vivem. Assim, os indivíduos, como forma de apropriação de seus ambientes domésticos, fazem uso recorrente de diversas estratégias de consumo, que passam a inferir significados a esses espaços que têm valor para seus moradores (SANTOS, 2010a). Através das práticas de consumo diárias, as pessoas atuam na criação e recriação dos significados da casa, criando uma “noção de lar” e influenciando a

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Tradução livre do original: “the domestic consumption is not only productive because it is a form of domestic labour but also because it is an active process of home-making”.

constituição de suas individualidades (HOLLOWS, 2008). Dessa forma, “enquanto os significados das domesticidades são frequentemente produzidos por nós, eles são também produzidos por nós através das práticas de consumo”10 (HOLLOWS, 2008, p. 82).

Penny Sparke (2008) destaca que, no século XIX, muitas mulheres faziam a decoração de suas próprias casas de forma amadora. Por isso, recorriam à literatura disponível no mercado como referência para as composições. Nisso, mídias como as revistas de decoração e moda feminina tiveram um papel fundamental na disseminação das informações (SPARKE, 2008). Ao mesmo tempo em que as revistas comunicavam sobre as novidades no mundo dos bens de consumo, elas também operavam como produtoras de conhecimentos e saberes, servindo como suporte e inspiração para muitas mulheres decorarem suas casas (TAYLOR, 2006). A partir desse período, elas passaram a receber conselhos e eram encorajadas, através da literatura especializada, a colocar em prática ideias de decoração (HOLLOWS, 2008). Recorrer a conselhos sobre como produzir as casas tornou-se necessário perante tanta variedade de produtos disponíveis para consumo e com os significados da vida diária sendo transformados em função das mudanças sociais e culturais associadas à modernidade (HOLLOWS, 2008).

As revistas voltadas para públicos femininos já existiam desde o início do século XIX, mas dedicavam-se mais a dar conselhos para as leitoras relacionados ao vestuário e à decoração (PROST, 2009, HOLLOWS, 2008). Em meados do século XX ocorre uma mudança e as revistas femininas passam também a explicar “às leitoras como se lavar e se maquiar, como cuidar da casa, seduzir o marido ou educar os filhos” (PROST, 2009, p. 128). Ainda, para tornar essas prescrições algo mais íntimo e pessoal, as revistas femininas passam a dialogar com suas leitoras: oferecem a elas pesquisas e também histórias verídicas, até mesmo pedindo sua opinião.

Prost (2009, p. 129) ao analisar a imprensa francesa feminina do início do século XX, afirma que nesse momento a publicidade também ganha espaço, pois “apoiando-se em fotos coloridas que despertam sonhos e identificações, as propagandas das revistas difundem novas formas de consumo e, com elas, novos

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Tradução livre do original: “while the meanings of domestic culture are often produced for us, they also produced by us through our consumption practices”.

valores e novas normas”. Ainda de acordo com Prost (2009) os anúncios apoiados nessas fotos vão modificar os hábitos de consumo e de vida, inserindo os cuidados com o corpo, por exemplo, nos anúncios de lingerie que estimulam um culto ao corpo; mudanças na alimentação e no trabalho doméstico. Essas propagandas são um espaço onde as leitoras podem se reconhecer, se apropriar dos produtos ou hábitos divulgados e, assim, constituírem suas identidades.

Apoiando-me em Santos (2015), considero as revistas como mídias de estilos de vida sendo formadoras de gostos e padrões na sociedade de consumo. A ideia de estilo de vida é compreendida

como um conjunto mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo abraça, não só porque essas práticas preenchem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma narrativa particular de auto-identidade (GIDDENS apud SANTOS, 2015, p. 45).

Dessa forma, os indivíduos estão envolvidos num processo de escolhas materiais, sendo que as mídias de estilo de vida funcionam como guias nesse processo (SANTOS, 2015). Os principais assuntos veiculados neste tipo de publicação envolvem: “hábitos alimentares, receitas culinárias, cuidados com a saúde e com o corpo, autoajuda, moda, viagens, artigos de consumo e consumo cultural, bem como investimentos no local de moradia” (SANTOS, 2015, p. 44). As mídias de estilo de vida funcionam:

como guias que ajudam a definir o que e como escolher dentro de um vasto rol de possibilidades que incluem produtos, serviços e também experiências. Elas oferecem oportunidades para a atualização pessoal, por meio de sugestões acerca de como as pessoas podem aprimorar suas vidas, tanto moral quanto esteticamente (SANTOS, 2015, p. 45).

Ou seja, elas divulgam determinadas formas de viver. Operam como intermediárias culturais, produzindo, divulgando e legitimando formas particulares de conhecimentos, valores e comportamentos, influenciando também a cultura do consumo (SANTOS, 2015). Através das imagens e textos divulgados e por meio do diálogo entre essas duas linguagens, as revistas oferecem ao público de leitoras/es

diversos pontos de identificação que influenciam nas construções de identidades de classe, gênero e geração, representando “meios a partir dos quais as pessoas podem elaborar ideias acerca de suas próprias identidades, seja no plano individual ou coletivo” (SANTOS, 2015, p. 18). De acordo com Kathryn Woodward (2007, p. 17-18) “a mídia nos diz como devemos ocupar uma posição-de-sujeito particular – o adolescente ‘esperto’, o trabalhador em ascensão, ou a mãe sensível”. Por meio dos anúncios publicitários e reportagens veiculados nas mídias de estilo de vida, as/os leitoras/es poderiam se identificar e se apropriar dessas representações.

No Brasil, as revistas Claudia, Manequim e Casa & Jardim se desenvolveram em paralelo ao processo de modernização do país, sobre o qual comento na sequência.

2.4 MODERNIZAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA E MÍDIAS DE ESTILOS