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Práticas de leitura e o desenvolvimento de competência discursiva

CAPÍTULO 2 – Gêneros do discurso: algumas reflexões

3.2 Práticas de leitura e o desenvolvimento de competência discursiva

O desenvolvimento tecnológico influencia diretamente a vida em sociedade. Vivemos em um mundo criativo, proativo e eficiente que exige cada vez mais pessoas que se coloquem ativamente nas vivências cotidianas.

Posto isso, amplia-se a questão da circulação de gêneros do discurso, principalmente os midiáticos, possibilitando ao aluno o contato com uma heterogeneidade de linguagens. Configura-se, então, a importância sobre ensino de leitura dessas diferentes linguagens na escola.

60 Pensando nesse contexto, acreditamos que o trabalho de leitura de gêneros midiáticos seja capaz de desenvolver nos alunos a habilidade de sujeitos participativos e autônomos, tanto para agir em sociedade, quanto para contribuir no próprio processo de ensino-aprendizagem.

A leitura é um processo de interação verbal, que sugere que o sentido não é apreendido como algo antecipado e terminado, mas como algo concebido no momento enunciativo, não se reduzindo apenas em um trabalho linguístico.

Alguns dos objetivos de aprendizagem na fase do Ensino Fundamental são indicados pelos PCN, como:

posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;

desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;

utilizar as diferentes linguagens verbal, musical, matemática, gráfica, plástica e corporal como meio para produzir, 8 expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e construir conhecimentos;

questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação. (BRASIL, 1998, p. 7)

Notamos que existe uma atenção na formação de sujeitos agentes e críticos na sociedade. É fundamental oportunizar esses espaços que levem em consideração a bagagem social e cultural dos alunos. Os PCN colaboram para a compreensão sobre a importância de uma prática pedagógica que seja capaz de assimilar visões socioculturais em sala de aula.

61 Se a escola pretende preparar alunos para que possam interagir socialmente, essa preparação precisa oferecer as oportunidades nas práticas de leitura, por exemplo, conforme orientação do próprio PCN (BRASIL, 1998), proporcionando o trabalho com a heterogeneidade de gêneros do discurso e suas especificidades, principalmente no que diz respeito aos gêneros midiáticos, que estão em ampla e constante circulação.

De acordo com o documento oficial,

Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva. Um dos aspectos da competência discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo variado para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita [...]. Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou àquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino . (BRASIL, 1998, p. 23)

Discorremos sobre uma heterogeneidade de gêneros, porque não existe um único padrão de texto capaz de estimular a competência discursiva dos alunos. Conforme Baltar, ―a competência discursiva está associada à capacidade de interagir nas formações sociodiscursivas que existem no mundo‖ (2003, p.102), ou seja, a partir do contato com uma variedade de práticas que circulam em sociedade, os sujeitos desenvolvem competência discursiva e, consequentemente, interagem nas relações linguísticas com mais habilidades.

Os textos de divulgação científica, por exemplo, estendem a questão da leitura para além do texto verbal, uma vez que uma de suas características é justamente a presença de imagens, gráficos, infográficos, mapas etc., proporcionando ao aluno voltar-se para as múltiplas linguagens que estruturam um texto.

Se não reconhecermos essas concepções, recairemos ao texto como fonte única de significado, ou seja, uma leitura mecanicista, cujas interpretações se localizariam na superfície textual, conforme ensina Kleiman (1989).

62 Para Ferrarezi e Carvalho (2017) é importante evitar também que a leitura se reduza a um treinamento para avaliações desenvolvidas pelos governos, pois pode comprometer o desenvolvimento efetivo da competência leitora dos alunos.

Nessa fase (anos finais do ensino fundamental), o desenvolvimento de habilidades mais pontuais deverá ser sentido pelos alunos de forma mais intuitiva. Eles simplesmente deverão, por exemplo, ser capazes de inferir uma informação implícita no texto, mas, ao fazer isso, não precisam, necessariamente, saber que estão fazendo uma inferência. Eles precisam ter o ―comando‖ certo para executar a ação esperada, mas não precisam saber nomenclaturas que cabe ao (à) professor (a) dominar. (FERRAREZI & CARVALHO, 2017, p. 47)

Podemos, por exemplo, ler um poema ou um romance para discutir aspectos relevantes que fazem relação com a nossa vida, refletir ou discutir pontos importantes, mas não propor uma avaliação que cobre informações que os alunos precisam apenas decorar, como autor, data da publicação, escola literária, pois ―a avaliação deve ser visivelmente útil para os alunos, de maneira a verem nela não um mero exercício de natureza escolástica, mas algo a ser feito para a vida.‖ (FERRAREZI & CARVALHO, 2017, p. 47)

Outra proposta exposta nos PCN é o trabalho com os temas transversais16, que demanda

participação efetiva e responsável dos cidadãos, tanto na capacidade de análise crítica e reflexão sobre os valores e concepções veiculados quanto nas possibilidades de participação e de transformação das questões envolvidas. (BRASIL, 1998, p. 40)

Se observarmos os gêneros da esfera de divulgação científica, por exemplo, vemos que são capazes de abordar inúmeros temas transversais,

16

“Por serem questões sociais, os Temas Transversais têm natureza diferente das áreas convencionais. Tratam de processos que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, pelos alunos e educadores em seu cotidiano. São debatidos em diferentes espaços sociais, em busca de soluções e de alternativas, confrontando posicionamentos diversos tanto em relação à intervenção no âmbito social mais amplo quanto à atuação pessoal. São questões urgentes que interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade que está sendo construída e que demandam transformações macrossociais e também de atitudes pessoais, exigindo, portanto, ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a essas duas dimensões.‖ (BRASIL, 1998, p. 25)

63 uma vez que tratam de assuntos que envolvem os tópicos citados pelos PCN: ―ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual, trabalho e consumo‖ (BRASIL, 1998, p. 40).

Acreditamos que atividades que proponham a leitura de textos científicos com temas transversais são capazes de proporcionar o posicionamento crítico dos alunos, assim como o desenvolvimento de capacidade discursiva e a reflexão sobre questões sociais, políticas, culturais, entre outros aspectos, a fim de formar sujeitos que se posicionem ideologicamente, pois, segundo os PCN (1998, p. 26)

os temas eleitos, em seu conjunto, devem possibilitar uma visão ampla e consistente da realidade brasileira e sua inserção no mundo, além de desenvolver um trabalho educativo que possibilite uma participação social dos alunos.

Destacamos a importância de reconhecermos que os gêneros midiáticos possuem esse caráter de desenvolver propostas de leitura crítica na escola, considerando aspectos discursivos e ideológicos, além dos lexicais e gramaticais, um de nossos principais pontos de observação na análise desta pesquisa.

3.3 Práticas de leitura na sala de aula: um olhar sobre a multimodalidade

O livro didático sofreu grandes transformações ao longo das últimas décadas, necessitando apresentar diferentes recursos (cores, formatos, fontes, imagem etc.). Como afirmamos anteriormente, consideramos o LD como um gênero do discurso multimodal:

Uma vez que a estrutura é composta por uma rede em que os textos/enunciados concretos produzidos pelos autores dos livros didáticos dialogam com outros textos verbais em gêneros diversos e com textos não-verbais (imagens, ilustrações etc.), com a finalidade principal de ensinar determinados conteúdos ou exercitar determinadas capacidades (BUNZEN & ROJO, 2005, p.89).

Em outras palavras, os gêneros orais e escritos presentes nos livros didáticos são vistos como multimodais, porque parte-se do princípio de que falar ou escrever exige pelo menos dois modos, que são, conforme Dionísio