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PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 4º ANO

4 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS

4.1 PRÁTICAS DE LEITURAS DOS ALUNOS DO 4º ANO

Os alunos do 4º ano preferem as leituras de livros de literatura infantojuvenil e também as que trazem algum tipo de atividade desafiadora (revista com passatempo, cruzadinhas). Diz Joaquim (4º ano): “Hoje eu li uma revista de crianças chamada ‘Gênios’, eu gostei porque tinha passatempo que estimula o conhecimento”. O menino afirma a preferência pelos livros com atividades desafiadoras que estimulam o raciocínio, porque são organizados de modo a possibilitar aos leitores atividades lúdicas, como acrescenta Sousa (2005, p. 5):

Para se ganhar/formar um leitor, é preciso despertar na criança o prazer de realizar inúmeras descobertas em um livro, em uma revista, em um gibi, em um jornal. Volumes que falem de seus interesses individuais, da realidade de seus cotidianos, das suas alegrias e tristezas, de suas dores e inquietações, dos seus sentimentos e de seus desejos secretos.

Os alunos demonstram preferência pelos livros de literatura infantojuvenil, de ação e de aventura, com a justificativa de que estes possibilitam a viagem pelo mundo da imaginação. Novamente, Joaquim (4º ano) declara: “Hoje eu li um livro interessante chamado ‘Sepé Tiaraju’, e pensei como é legal poder entrar dentro da cena na minha imaginação e ter sido ele”. Conforme Petit (2009, p. 92), “Ler tem a ver com a liberdade de ir e vir, com a possibilidade de entrar a vontade em um outro mundo e dele sair. Por meio dessas idas e vindas, o leitor traça sua autonomia, mediante a qual se reconstrói”. Nesse sentido, o leitor/aluno utiliza a imaginação para viajar pelo mundo da leitura, para além da realidade, por intermédio da linguagem literária apreciada. Silva e Martins (2010, p. 32) expõem que

[...] os textos literários costumam propositadamente trabalhar com imagens que falam à imaginação criadora, muitas vezes escondidas nas entrelinhas ou nos jogos de palavras, apresentam o potencial de levar o sujeito a produzir uma forma qualitativamente diferenciada de penetrar na realidade. De outro, podem provocar no

leitor a capacidade de experimentar algumas sensações pouco comuns em sua vida. [...] e passa a enxergar além de suas experiências cotidianas.

A leitura nas redes sociais aparece entre os alunos do 4º ano. Rosa diz: “Eu li um blog na internet sobre um site de moda”. Conforme Silva (2006), “Uma das funções do blog é possibilitar interações. Através dele é possível, uma comunidade disponibilizar links para outros blogs como se fosse uma recomendação de boa leitura” (grifos do autor).

Outra modalidade de leitura que esses alunos dizem ser uma experiência importante é a contação de histórias por outras pessoas, quando se tornam ouvintes e viajantes imaginários. Estela (4º ano) descreve: “A professora leu a lenda e eu acompanhei, eu fiquei imaginando coisas legais”. Nesse sentido, Manguel (1997, p. 143) contribui:

O livro selecionado para ser interpretado, recitado por alguém a alguém é “um objeto que pode conter fábulas infinitas, palavras de sabedoria, crônicas de tempos passados, casos engraçados e revelações divinas – que dota o leitor do poder de criar uma história, e o ouvinte, de um sentimento de estar presente no momento da criação”.

A contação de histórias assume contribuição importante na formação do leitor. Desse modo, refere-se ao professor/contador de histórias. Conforme Parreiras (2009, p. 35), o papel do contador de histórias é

[...] levar o ouvinte a tornar-se leitor, além de proporcionar-lhe entretenimento na hora da contação, presta-lhe também informações sobre o livro onde a história se encontra, o nome de seu autor, a editora que a publicou. [...] O contador é, antes de tudo, um leitor privilegiado, que cumpre um papel ativo: faz leituras prévias, seleciona textos, informa-se sobre o autor, observa a ilustração do livro, memoriza o texto, interpreta suas intenções para transformá-las em modulações de voz e gestos. Destaca-se que a leitura para esses alunos tem sentido voltado ao imaginário, em razão do poder da linguagem em transmitir e fazer o leitor pensar na sua realidade, envolvendo-se com as coisas do mundo, encontrando-se consigo mesmo. Para Petit (2009, p. 76), a leitura trata-se “não de uma evasão do mundo, mas de ‘inventar um ponto de apoio para lidar com o mundo aqui e agora’, de ‘introduzir pontos na realidade’”.

Conforme as informações dos diários de bordo, posso dizer que no 4º ano há preferência pela leitura em livros impressos e depois no computador, salientando que o formato do instrumento de leitura – aqui o livro impresso – influencia nas escolhas, por permitir talvez várias opções de utilização. Assim descreve Manguel (1997, p. 152): “de todas as formas que os livros assumiram ao longo do tempo, as mais populares foram aquelas que permitiam ao leitor mantê-lo confortavelmente nas mãos”. Esses materiais permitem ao leitor o manuseio. Sendo um material concreto, há possibilidade de tê-lo nas mãos e acompanhá-lo em qualquer ambiente de leitura – no quarto, na sala ou outro lugar. Assim, é o leitor quem

define o tempo de leitura e também permite as idas e vindas ao texto quantas vezes desejar. Esses alunos preferem a leitura individual, em retiro.

A preferência pelo livro é identificada nos relatos a seguir: “Eu gosto de ler no livro porque é mais inteligente.” (Lia, 4º ano); “Eu gosto de ler no livro porque ele traz uma leitura mais tranquila.” (Rosa, 4º ano); “Para mim o mundo dos livros é o melhor de todos os mundos que podem existir.” (Rosa, 4º ano). O ato de ler em livros impressos estabelece uma relação física do leitor com o livro. Segundo Manguel (1997, p. 277),

O ato de ler estabelece uma relação íntima, física, da qual todos os sentidos participam: os olhos colhendo as palavras na página, os ouvidos ecoando os sons que estão sendo lidos, o nariz inalando o cheiro familiar de papel, cola, tinta, papelão ou couro, o tato acariciando a página áspera ou suave, a encadernação macia ou dura, às vezes até mesmo o paladar, quando os dedos do leitor são umedecidos na língua para virar a página.

Essa relação física que envolve o leitor determina o tipo de instrumento escolhido para ler, como se percebe na fala de Estela (4º ano): “Ler no computador é ruim porque tu fica olhando e dói a cabeça”. Para Lia (4º ano), “No computador é muito ruim de ler porque se a gente se perder daí tem que estar mexendo o mouse”. Para Chartier (1998, p. 77), “os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. [...] Elas colocam em jogo a relação entre o corpo e o livro, os possíveis usos da escrita e as categorias intelectuais que asseguram sua compreensão”. Essas escolhas determinam as velhas e novas maneiras de ler.

Os alunos do 4º ano destacam que gostam de leitura de livros de histórias (literatura infantojuvenil). Nos relatos registrados nos diários de bordo aparece o título da história, a descrição de trechos do texto e dão a sua opinião:

Rosa (4º ano): “Eu li um livro chamado ‘Os herdeiros do lobo’. Eu ainda não li todo o livro mas imaginei tudo o que acontecia. Também li três lendas chamadas ‘A espada do poder’, ‘Porque o cachorro é inimigo do gato... e o gato do rato’ e ‘Porque o sapo é cheio de calombos’.”

Lia (4º ano): “Eu li um livro chamado “A pedra da memória’.”

Rosa (4º ano): “De tarde eu li um texto, eu gostei porque o menino, mesmo ele sendo criado por uma loba, ele a amava.”

Joaquim (4º ano): “Hoje eu li um trecho do livro de história chamado ‘História do Brasil’ que falava sobre a Guerra dos Farrapos e eu pensei como teria sido se os Farrapos não aceitassem o tratado de paz oferecido por Duque de Caxias”. “Hoje eu li um livro chamado ‘Chapeuzinho Amarelo’ e refleti como ela vivia sem fazer nada? Sem comer? Sem brincar e com medo de tudo? Será que ela era feliz ou triste? Devia ser triste, ela não comia, não brincava, tinha medo de trovão, de lobo etc.”

Essas práticas de leituras deixam marcas no aluno leitor. Contribui Petit (2008, p. 38), dizendo que “Ler permite ao leitor, às vezes decifrar sua própria experiência. É o texto que ‘lê’ o leitor, de certo modo é ele que o revela; é o texto que sabe muito sobre o leitor, de regiões dele que ele mesmo não saberia nomear. As palavras do texto constituem o leitor, lhe dão um lugar.”. Os alunos, como se observa nos excertos, estabelecem atos de comunicação e interação com o texto lido, revelando a relação íntima entre texto e subjetividade.

Assim, saímos de alguma forma modificados das experiências de leituras, como observamos nos registros dos alunos. A leitura, quando realizada em casa, ocorre no quarto e na sala. Sobre isso Petit (ibidem, p. 62) considera:

Ler em casa, quando se conta com os meios para isso ou na biblioteca, é também uma maneira de complementar o aprendizado da escola e dos livros escolares, graças a outras fontes de informação que permitem entender melhor os assuntos tratados [...] e também porque ali encontram um ambiente propício aos estudos, um lugar calmo onde reina uma certa disciplina; um lugar onde se incentivam uns aos outros às vezes pelos simples fato de verem o outro trabalhar.

Rosa (4º ano) expõe: “De noite eu li mais um pouco do meu livro, eu li no meu quarto, sozinha”. Os ambientes de leitura escolhidos são o quarto e a sala. Em nenhuma residência dos alunos do 4º ano existe uma biblioteca e/ou espaço reservado para leitura. O ambiente favorito de leituras é a intimidade do quarto. Como se observa, não é um espaço comum (público), mas o quarto. Parece que as famílias não privilegiam um espaço próprio para que leitura e o estudo aconteçam.

Os alunos do 4º ano destacam a prática de leitura solitária. Em raras vezes, dividem com alguém da família esse momento, conforme relato de Joaquim (4º ano): “Eu leio sozinho e também leio com a minha mãe”. De acordo com os relatos, é a figura materna talvez quem ainda compartilhe as experiências de leituras. Em nenhum momento fizeram alusão à participação de outros membros da família nessa ocasião.

A figura a seguir é um fragmento do diário de bordo de Rosa. Apresento-a aqui por mostrar a relação íntima que a menina estabeleceu com o seu diário, também para mostrar como os alunos do 4º ano descrevem as suas práticas de leitura.

Fonte: dados da pesquisa (2012)