• Nenhum resultado encontrado

Práticas discursivas e efeitos sociais dos textos

PARTE I – APORTES TEÓRICOS

2.4 Práticas discursivas e efeitos sociais dos textos

Qualquer uso da linguagem como lista de compras, artigos de jornal, entrevistas faladas, programas de televisão, páginas da internet, textos escritos e impressos, são textos. No entanto, essa definição é limitada, pois, muitos textos não envolvem somente a língua, mas também imagens visuais e efeitos de som (FAIRCLOUGH, 2003). Como elementos de eventos sociais, os textos têm efeitos causais, produzem mudanças, ou seja,

[...] textos podem provocar mudanças em nosso conhecimento (podemos aprender coisas novas a partir deles), nossas crenças, nossas atitudes, valores etc. Os textos também têm efeitos em longo prazo. Pode-se dizer, por exemplo, que a experiência prolongada com propagandas contribui para moldar as identidades das pessoas como “consumidoras”. Os textos também podem iniciar guerras, contribuir com mudanças na educação, mudar as relações industriais e muito mais. Seus efeitos podem incluir mudanças no mundo material, como mudanças em modelos urbanos, ou arquitetura e design de tipos específicos de prédios. [...] textos podem ter efeitos causais e mudar as pessoas (crenças, atitudes e etc), ações, relações sociais e o mundo material. [...] esses efeitos são mediados por produção de sentido. (FAIRCLOUGH, 2003, p. 8; tradução nossa).15

Acerca da produção do sentido, Thompson (2011, p. 79) afirma que a noção de sentido está ligada às “maneiras como o sentido pode servir para estabelecer e sustentar relações de dominação”, as quais dizem respeito ao sentido das formas simbólicas que estão dentro dos contextos sociais e circulam no universo social. As formas simbólicas correspondem a ações e falas, a imagens e textos, falados ou escritos, produzidos por sujeitos e identificados por eles como tendo sentido; de modo que há cinco aspectos a considerar nessas formas: o “intencional”, o “convencional”, o “estrutural”, o “referencial” e o “contextual”. Esses aspectos das formas simbólicas indicam que elas estão dentro de contextos e processos socialmente estruturados. O quê significa que há diferenças na distribuição ou no acesso aos diversos recursos dos mais variados tipos.

15 […] texts can bring about changes in our knowledge (we can learn things from them), our beliefs, our attitudes, values and so forth. They also have longer-term causal effects – one might for instance argue that prolonged experience of advertising and other commercial texts contributes to shaping people’s identities as ‘consumers’, or their gender identities. Texts can also start wars, or contribute to changes in education, or to changes in industrial relations, and so forth. Their effects can include changes in the material world, such as changes in urban design, or the architecture and design of particular types of building. […] texts have causal effects upon, and contribute to changes in, people (beliefs, attitudes, etc.), actions, social relations, and the material world. […] these effects are mediated by meaning-making.

As pessoas dentro de contextos socialmente estruturados têm, em virtude de sua localização, diferentes quantidades e diferentes graus de acesso a recursos disponíveis. A localização social das pessoas e as qualificações associadas a essas posições, num campo social ou numa instituição, fornecem a esses indivíduos diferentes graus de ‘poder’, entendido neste nível como uma capacidade conferida a eles social ou institucionalmente, que dá poder a alguns indivíduos para tomar decisões, conseguir seus objetivos e realizar seus interesses. Podemos falar de ‘dominação’ quando relações estabelecidas de poder são ‘sistematicamente assimétricas’, isto é, quando grupos particulares de agentes possuem poder de uma maneira permanente, e em grau significativo, permanecendo inacessível a outros agentes, ou a grupos de agentes [...]. (THOMPSON, 2011, p. 80).

Assim sendo, os efeitos sociais dos textos estão ligados às práticas sociais e sempre implicam relações de poder simbólicas. Há sempre sujeitos submissos em um contexto social, em um espaço institucional, e, portanto, o intencional da força simbólica diz respeito às práticas discursivas, pois que há sempre intencionalidade, especialmente porque são produzidas de acordo com convenções, numa estrutura, fazendo referência a algo e em uma perspectiva contextual.

Nesse alinhamento do uso da língua, que produz textos, Fairclough (2003) aproveita para, numa perspectiva pragmática da prática discursiva, afirmar que há uma correspondência entre ação e gêneros, representação e discursos, identificação e estilos. De modo que, gêneros, discursos e estilos são, respectivamente, modos relativamente estáveis de agir, de representar e de identificar. A análise discursiva como nível intermediário entre o texto e seu contexto social, defronta-se com a constituição do contexto em eventos, práticas e estruturas. Assim, a análise de discurso deve ser a análise de como os três tipos de significado são apresentados linguisticamente nos textos e na ligação entre o evento social e as práticas sociais, observando quais gêneros, discursos e estilos são utilizados e o modo como são articulados nos textos.

Ação, representação e identificação são os três principais tipos de significado que podem ser identificados nos textos. A fala e a escrita são modos de ação e de interação, em que o discurso figura como parte da ação, em seu significado acional e os gêneros como formas de (inter) ação. O discurso tem importância nas representações do mundo material, mental e social, como significado representacional, sendo possível diferenciar os discursos, representando aspectos do mundo de diversas perspectivas. Portanto, a construção da identidade é, em parte, uma questão discursiva e o uso da linguagem em seu aspecto identificacional é chamado de estilo. Ação, representação e identificação estão numa relação dialética nos textos, implicando, assim, numa perspectiva social (FAIRCLOUGH, 2003).

Textos são vistos [...] como partes de eventos sociais. Uma das maneiras pelas quais as pessoas podem agir e interagir no curso de eventos sociais é pela fala ou pela escrita. Não são os únicos meios. Alguns eventos sociais têm caráter altamente textual, outros não. [...] eventos e textos também têm causas – fatores que causam com que um texto em particular ou um tipo de texto tenha suas características intrínsecas. [...] dois poderes causais que moldam textos: de um lado, a estrutura e a prática social; de outro, agentes sociais, ou seja, as pessoas envolvidas nos eventos sociais. (FAIRCLOUGH, 2003, p. 21-22; tradução nossa). 16

Os dois poderes causais dos textos, divididos pela estrutura e prática social e por agentes sociais, precisam ser compreendidos na complexa relação dos eventos dentro das práticas nos contextos sociais. Pelo lado da estrutura e prática social, é possível compreender que a prática ocorre inserida em uma estrutura, e os agentes sociais, de algum modo, são restringidos nas ações, que não são plenamente controladas. Por exemplo, o que o agente social produz, de acordo com a estrutura da língua que usa para uma comunicação com um falante, corresponde ao que é aceitável em um contexto de uma prática social; o agente produz um texto com certa liberdade, conforme a estrutura da língua que usa no evento dentro de uma prática social determinada. E assim, chega-se à conclusão de que o uso dos textos é sempre situado, constituindo determinadas práticas discursivas, produzindo determinados efeitos sociais.

Portanto, o discurso tem três efeitos: a) contribui para constituição das identidades sociais; b) contribui para construir as relações sociais entre as pessoas; c) contribui para construção de sistemas de conhecimento e crença.

Esses efeitos correspondem aos significados identificacional, acional e representacional, os quais, respectivamente, constituem estilos, gêneros e discursos (FAIRCLOUGH, 2001; 2003).