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CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CASO: “Práticas reflexivas: uma estratégia de desenvolvimento

6.1. Reflexão e Prática Reflexiva

6.1.3. Práticas reflexivas colaborativas

O conceito de colaboração surge muitas vezes associado a conceitos como colegialidade e cooperação não existindo um consenso em relação ao seu significado. Relativamente aos conceitos colaborar e cooperar, Boavida & Ponte (2002), referem que existe uma diferença nos

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seus significados recorrendo à etimologia das palavras. Para os autores, operar (operare) é realizar uma operação, em muitos casos simples e bem definida. Trabalhar (laborare) é desenvolver uma atividade para atingir determinados fins que pode requerer um grande número de operações. Assim, para os autores, a colaboração requer mais partilha e interação do que a cooperação. Na cooperação, os intervenientes trabalham para o mesmo fim, mas os objetivos individuais podem não ser comuns. Na colaboração, os diversos intervenientes trabalham em conjunto, em igualdade, ajudando-se mutuamente a atingirem objetivos benéficos para todos.

Quanto ao conceito colegialidade, Jarzabkowski (1999) refere que deriva da palavra colega, e que traduz “…teachers’ involvement with their peers on any level, be it intellectual, social

and/or emotional” (Jarzabkowski, 1999, p.3). Assim, o conceito de colegialidade refere-se às

interações entre professores num sentido mais amplo, incluindo as interações profissionais e sociais, e a colaboração, como uma subcategoria da colegialidade, refere-se às atividades profissionais desenvolvidas em conjunto entre professores (Jarzabkowski, 1999). Neste sentido, a colaboração pode incluir “o trabalho em conjunto, a observação mútua e a pesquisa reflexiva focalizada” (Hargreaves, 2003, p.219). Neste processo, é fundamental que exista uma relação de abertura entre todos os participantes, de forma a se encontrarem dispostos a dar e receber continuamente, a responsabilizarem-se conjuntamente pelo trabalho e a serem capazes de construir soluções para os problemas, respeitando individualidade de cada um (Boavida & Ponte, 2002).

Ao analisar a natureza das relações colaborativas entre professores, Hargreaves (1998) refere que as mesmas são imprevisíveis, espontâneas e voluntárias, ou seja, são distribuidas no tempo e no espaço e imprevisíveis e, apesar de poderem ser facilitadas por outros agentes educativos, elas partem dos professores quando voluntariamente pretendem partilhar objetivos comuns. Também Boavida & Ponte (2002), referem a necessidade de existir um objetivo e um interesse comum, para que o trabalho colaborativo se concretize. Para além disso, as formas de trabalho e de relacionamento entre os participantes também têm de proporcionar o trabalho conjunto (Boavida & Ponte, 2002). Assim, para existir trabalho colaborativo é necessário confiança, respeito e compreensão entre colegas mas também negociação e diálogo (Boavida & Ponte, 2002). A confiança é fundamental para que haja um clima de respeito que permita aos intervenientes questionar abertamente ideias, valores e ações. Sem confiança não existe colaboração. A negociação permite “negociar objetivos,

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modos de trabalho, modos de relacionamento, prioridades e até significados de conceitos fundamentais” (Boavida & Ponte, 2002, p.49). O diálogo permite a conversação, sendo um instrumento importante para enriquecer o trabalho, conduz ao confronto de ideias e de construção de novas compreensões.

Little (1990) identifica os tipos de colaboração existentes nas escolas: a) Conversas informais

sobre o ensino: quando os professores falam regularmente, de forma informal, sobre as suas

práticas com um detalhe que torna essa partilha rica em termos de conhecimento e significativa no que respeita à própria prática. É um tipo de colaboração que contribui para que os professores se perceberem e apoiarem mutuamente mas não contribui para ao desenvolvimento profissional. Para que este aconteça, a colaboração deve surgir não só da análise das próprias práticas mas também da reflexão e observação das práticas de colegas; b)

Planeamento e preparação conjunta das aulas: quando os professores planeiam, preparam e

avaliam em conjunto conteúdos, materiais e estratégias de ensino. Este tipo de colaboração ocorre ao nível do departamento quando os professores definem os conteúdos, critérios e instrumentos de avaliação, etc.; c) A observação de aulas é comum nas escolas que promovem o trabalho colaborativo. A autora distingue a observação casual, que é feita quando dois professores se encontram a dar aula no mesmo espaço ou em espaços abertos em que são observados aspetos gerais da aula e a observação sistemática, que leva a uma análise rigorosa de problemas detetados ao nível da aprendizagem dos alunos e da prática do professor que, consequentemente leva à sua melhoria; d) A formação recíproca, através da qual os professores partilham novas ideias, estratégias e metodologias de ensino com vista à constante melhoria (Little, 1990, p.179).

Sabe-se hoje que o desenvolvimento da organização escolar e dos professores é enriquecido por uma cultura colaborativa, ao contrário do individualismo normalmente associado à profissão docente. A visão conjunta do que é a escola, das suas limitações e possibilidades constrói-se baseada na troca de experiências e consolida-se através de uma reflexão conjunta. Existir uma cultura de colaboração é fundamental na promoção da discussão em grupo de novas ideias e estratégias, para o aumento da capacidade de identificação e de resolução de problemas e para o desenvolvimento dos professores. As culturas docentes, que integram as formas como os professores interagem, foram estudadas por Andy Hargreaves. O autor identifica quatro formas de culturas de docentes: o individualismo, a colaboração, a colegialidade artificial e a balcanização (Hargreaves, 1998), cada uma das quais, com implicações para o trabalho do professor e para a escola.

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A cultura do individualismo assume-se como a situação mais comum nas escolas, em que os professores trabalham de forma isolada e solitária, raramente analisam os trabalhos ou observam as aulas uns dos outros, nem discutem ou refletem em conjunto sobre as suas práticas. O autor apresenta três tipos de individualismo do professor: a) O individualismo

constrangido, quando os professores desempenham a sua atividade de forma isolada, devido a

constrangimentos administrativos ou outros; b) O individualismo estratégico, quando os professores desenvolvem ativamente padrões de trabalho individualista, como resposta às particularidades quotidianas do seu ambiente de trabalho; c) O individualismo eletivo quando o professor prefere estar e trabalhar isoladamente (Hargreaves, 1998, p.193-194).

A cultura de colaboração e colegialidade, associada ao conceito de escola reflexiva, em que os professores aprendem uns com os outros ao identificarem preocupações comuns e ao trabalharem conjuntamente na resolução de problemas. Assim, o insucesso e a incerteza são partilhados e discutidos, desenvolvendo-se uma confiança coletiva necessária a uma resposta crítica à mudança educativa.

A cultura de colegialidade artificial existe quando a colaboração entre professores é obrigatória ou recomendada e até mesmo imposta administrativamente, traduzindo-se em procedimentos burocráticos ou reuniões impostas. As relações não são espontâneas, voluntárias, orientadas para o desenvolvimento, alargadas no tempo e no espaço e imprevisíveis (Hargreaves, 1998, p.219). A este respeito o autor refere que apesar das medidas terem como objetivo aumentar a colaboração entre professores, podem às vezes, limitar, condicionar e constranger o seu trabalho. Para Fullan & Hargreaves (2001) a colegialidade

artificial pode funcionar como transição entre a cultura de individualismo e a cultura de

colaboração, quando esta ainda não está bem implementada nas escolas, considerando que as medidas visam criar relações, mais contínuas de colaboração e partilha de experiências entre os professores.

A cultura balcanizada existe quando os professores trabalham em grupos mais pequenos, dentro da comunidade escolar, tais como os departamentos disciplinares das escolas (Hargreaves, 1998, p.240).

Para que exista um desenvolvimento profissional dos docentes e da escola é essencial, tal como já referido, não só o combate ao individualismo, mas também a formas de colaboração

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menos desejáveis, como a balcanização ou a colegialidade artificial, sendo que esta última, apesar de ser uma forma de trabalho colaborativo, reduz o espaço de individualidade de cada professor (Hargreaves, 1998). Uma cultura de colaboração e colegialidade, em que os professores se envolvem ativamente, permite uma aprendizagem conjunta, impedindo um individualismo que pode tornar-se destruidor quando emerge duma cultura de competição. As pessoas guardam as melhores ideias para si, a partilha não acontece porque a competição no acesso à profissão ou à progressão na carreira é altamente individualista, seletiva e nalguns casos política Hargreaves (2003, p.242). Com o trabalho colaborativo promove-se não o individualismo mas sim a individualidade de cada professor que, através da sua forma de viver a profissão, constrói a sua própria identidade profissional (Sanches, 2000).

No entanto, criar uma cultura de colaboração e colegialidade é uma tarefa que se mostra difícil. A implementação de ambientes de colaboração nas escolas exige novas formas de organização e condições facilitadoras para que elas se desenvolvam. A este respeito Sanches (2000) refere que a cultura da colegialidade exige autonomia das escolas para a reestruturação dos tempos organizacionais no sentido de se dar tempo ao trabalho colaborativo uma vez que “não se pode querer professores colegiais, reflexivos e líderes intelectuais sem condições organizacionais e materiais necessárias para tal” (Sanches, 2000, p.59). Neste sentido, a autora identifica alguns fatores que impedem a criação de um ambiente propício à colegialidade como a mobilidade dos professores, o excesso de trabalho burocrático, o formalismo das reuniões dos departamentos curriculares, a distribuição dos tempos escolares, entre outros. Por sua vez, Prates, Aranha & Loureiro (2010) identificam um conjunto de constrangimentos que se colocam atualmente às lideranças, face à desejável cultura de colaboração. Uns a um nível mais macro, como as políticas educativas centralizadoras, a burocratização do trabalho do professor e a falta de tempo para refletir e investigar a prática. Outros, dentro do próprio do grupo, como o individualismo, a competitividade, o isolamento profissional e a desmotivação.

Os professores devem então de ser capazes de trabalhar em conjunto estabelecendo fortes ligações emocionais e relações de confiança, no desenvolvimento de projetos; na elaboração de normas e práticas de debate; na promoção de discussões e diálogos fora da sala de aula; e na partilha de discussões sobre a prática (Hargreaves, 1998). De considerar também que as interações entre professores ocorrem não só no âmbito de grupos de trabalho criados de forma formal com esse intuito, mas também, e sobretudo, em encontros informais

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organizados de forma espontânea pelos professores no sentido de prepararem e refletirem sobre o seu trabalho com o objetivo de o melhorar. Contudo, no sentido de potenciar o desenvolvimento da própria organização e dos seus profissionais, as organizações devem apostar no trabalho de equipa de forma organizada e sistemática (Hargreaves, 1998).

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