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CAPÍTULO 2 ESTUDO DE CASO: “Práticas reflexivas: uma estratégia de desenvolvimento

6.1. Reflexão e Prática Reflexiva

6.1.1. Professor Reflexivo

O conceito de professor reflexivo emergiu inicialmente nos EUA como reação à conceção tecnocrática de professor, em que o mesmo é visto como um técnico que aplica meios e procedimentos para a resolução de problemas, suscetíveis de resolução através da aplicação de meros instrumentos (Pérez Gómez, 1997). A este respeito Alarcão (1996) refere que:

“Os professores desempenham um importante papel na produção e estruturação do conhecimento pedagógico porque reflectem, de uma forma situada, na e sobre a interacção que se gera entre o conhecimento científico e a sua aquisição pelo aluno, reflectem na e sobre a interacção entre a pessoa do professor e a pessoa do aluno, entre a instituição escola e a sociedade em geral. Desta forma têm um papel activo na educação e não um papel meramente técnico que se reduza à execução de normas e receitas ou à aplicação de teorias exteriores à sua própria comunidade profissional” (Alarcão, 1996, p.176).

Surge então, em oposição à conceção redutora do professor como executante, a do professor como um “prático-reflexivo”, ou seja, “…como analista simbólico, exercendo a sua ação profissional em contextos marcados pela complexidade, a incerteza e a imprevisibilidade, em que emerge a importância das dimensões coletivas e contextuais da aprendizagem profissional na ação (Canário, 2007, p.138). “O profissional competente actua reflectindo na acção, criando uma nova realidade, experimentando, corrigindo e inventando através do diálogo que estabelece com essa mesma realidade” (Pérez Gómez, 1997, p.110).

Para Alarcão e Roldão (2008), um professor reflexivo é mais exigente consigo próprio e com os outros; tem mais consciência da complexidade do seu trabalho e da necessidade de procurar e produzir conhecimento teórico; analisa a sua ação e prática, encarando o processo de ensino com mais segurança; desenvolve o autoconhecimento, a autonomia e é mais aberto à inovação. Para as autoras a reflexividade deve ser valorizada porque contribui “para a perceção da relação teoria/prática como um processo de produção de saber e não como uma dicotomia servida pela lógica da aplicação” (Alarcão e Roldão, 2008, p.30).

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Alarcão (1996) refere ainda que o conceito de professor reflexivo não se limita à sua ação docente. Ser professor implica saber-se quem é, perceber o que se é e porquê, e ter consciência do lugar que se ocupa na sociedade. Também para Zeichner (1993) o conceito de professor reflexivo é muito abrangente incluindo, para além do pensamento sobre a sua atuação enquanto docente, o pensamento sobre o lugar que ocupa na sociedade e o seu papel na formação dos jovens. Para o investigador, “os professores que são práticos reflexivos desempenham importantes papéis na definição das orientações das reformas educativas e na produção de conhecimento sobre o ensino, graças a um trabalho de reflexão na e sobre a sua própria experiência” (Zeichner, 1993, p.9). Para Perrenoud (2002) a aprendizagem a partir da experiência e a reflexão sobre a sua prática são dois aspetos fundamentais que os professores devem valorizar. O autor entende assim o professor reflexivo como um inventor, um pesquisador, um improvisador, um aventureiro que pode perder-se caso não reflita sobre o que faz e não aprenda com a experiência (Perrenoud, 2002, p.13).

Quanto ao objeto de reflexão, este envolve um vasto leque de possibilidades, já que a reflexão centra-se em todos os aspetos inerentes à atuação do professor e à sua prática educativa. A reflexão envolve assim os “conteúdos, contextos, métodos, finalidades do ensino, conhecimentos e capacidades que os alunos estão a desenvolver, fatores que inibem a aprendizagem, o envolvimento no processo de avaliação, a razão de ser professor e os papéis que se assumem” (Alarcão, 1996, p.98).

Perrenoud (2002) refere uma lista de fatores que motivam a reflexão entre os quais se incluem: problema a resolver; crise a solucionar; decisão que precisa ser tomada; ajuste do funcionamento de alguma situação; autoavaliação da ação; justificativa frente à outra pessoa; reorganização das próprias categorias mentais; vontade de compreender um acontecimento; superação de frustração ou raiva; formação ou construção de saberes; busca de uma identidade; trabalho em equipa. O autor refere ainda que a reflexão pode ser originada por diferentes acontecimentos ou incidentes, como por exemplo: conflito, desvio, indisciplina; agitação da turma; dificuldades de aprendizagem; apatia, falta de participação; atividade que não alcança seu objetivo; resistência dos alunos; planeamento que não pode ser aplicado; desorganização; momento de pânico ou cólera; momento de cansaço ou desgosto; momento de tristeza ou depressão; pedido de ajuda; formação desestabilizadora; discussão em grupo; conversa com alunos; conversa com colegas; conversa com terceiros. Assim, como nem todos os professores são motivados pelos mesmos fatores, nem são sensíveis aos mesmos acontecimentos ou incidentes, conhecer o que provoca a reflexão pode ajudar o professor a

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pensar em ações futuras e em situações semelhantes aos acontecimentos sobre os quais já refletiu (Perrenoud, 2002).

Por sua vez, Amaral, Moreira & Ribeiro (1996), apresentam os níveis a que a reflexão do professor se situa, referidos por Van Manen: 1) reflexão técnica em que o professor reflete sobre o ensino (sobre e na ação) e centra a sua atenção sobre a eficácia das atividades e estratégias utilizadas; 2) reflexão prática em que o professor, partindo da avaliação sobre a própria prática, reflete e decide sobre as estratégias de ensino e exercícios propostos; 3) reflexão crítica em que o professor reflete sobre aspetos éticos, sociais e políticos ligados à profissão que podem influenciar a sua ação. As autoras identificam ainda um conjunto de estratégias promotoras da reflexão que não se substituem mas que se complementam: as perguntas pedagógicas, as narrativas, a análise de casos, a observação de aulas, o trabalho de projeto, a investigação-ação (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996).

As perguntas de caráter pedagógico promovem a reflexão na ação, sobre a ação e sobre a reflexão na ação, conduzindo à desconstrução (e reconstrução) de conceções e práticas. Através do questionamento o professor compreende o que se faz e como faz e o que está por detrás da ação levando a um aperfeiçoamento ou a mudança das práticas, quando necessário.

As narrativas são registos escritos das vivências do quotidiano do professor que podem assumir a forma de diário, em que são respondidas questões que promovam a reflexão do tipo (o que faço? Porquê? O que poderei modificar?). As narrativas são usadas sobretudo em situação de formação inicial de professores mas também podem ser utilizadas para a avaliação formativa e sumativa.

A análise de casos, tal como as narrativas, corresponde a registos de acontecimentos reais de ensino. Divergem entre si, uma vez que os casos “representam o conhecimento teórico possuído por aqueles que os relatam ou estudam. Dão acesso às crenças dos professores sobre o ensino: sobre o que lhes sucedeu num determinado momento e como atuaram de acordo com essas crenças” (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996, p.107). A reflexão sobre a ação permite ao professor interpretá-la com base nos pressupostos teóricos que lhe estiveram inerentes. Esta estratégia pode e deve ser promovida em grupo, uma vez que a discussão e reflexão conjuntas permitem o confronto entre diversas opiniões, a troca de experiências e a partilha de conhecimentos teóricos e práticos.

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A observação de aulas, permite ao professor ter uma maior compreensão dos princípios e processos instrucionais subjacentes à sua prática, através da reflexão crítica sobre o processo E-A. Existem vários tipos de observação que diferem quanto ao processo e técnicas a adotar: 1) observação naturalista – o observador regista os dados em continnum, descrevendo tudo o que se passa na sala de aula, sem qualquer seleção, com o objetivo de se obter um registo o mais exaustivo possível. 2) Observação ocasional – o observador procura isolar um comportamento que é alvo de uma descrição detalhada e precisa. É uma observação mais seletiva que a observação naturalista uma vez que se foca num determinado aspeto do processo E-A. 3) Observação sistemática – o observador regista cada comportamento de forma individual com recurso a instrumentos de recolha de dados como sistemas de categorias ou inventários de comportamentos (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996).

O trabalho de projeto desenvolve-se em torno de uma situação problemática considerada de interesse por um grupo de professores. Uma vez que implica a participação de todos, quer na formulação do problema e dos objetivos que conduzam à sua solução, quer na pesquisa e reflexão sobre a ação conjuntas, contribui para o trabalho em equipa e para a promoção da reflexão em grupo (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996).

A investigação-ação é uma metodologia que permite ao professor, através da atitude reflexiva que desenvolve, tomar consciência do seu trabalho e de si próprio, permitindo-lhe rever a sua atuação, no sentido de a transformar e melhorar. Caracterizada por uma dinâmica constante entre a teoria e a prática, o professor interfere no próprio terreno de pesquisa, analisando as consequências da sua ação e produzindo efeitos diretos sobre a prática” (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996). A investigação-ação constitui assim um processo reflexivo por si só que pode originar mudanças das práticas. Seguindo um ciclo investigativo, o professor começa por elaborar um plano de ação em que delineia uma estratégia para a sua resolução do problema inicial, implementa esse plano de ação, observa os resultados alcançados e reflete sobre os efeitos e a eficácia da estratégia utilizada. Essa reflexão sobre a ação pode dar origem a um segundo plano de intervenção.

Concluindo, o conceito de professor reflexivo baseia-se na noção de que a capacidade de pensamento e reflexão caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores (Alarcão, 2003). Assim, “aprender a agir como um profissional reflexivo significa ser capaz de analisar o seu trabalho profissional, melhorar as suas próprias estratégias e práticas de ensino e assumir a responsabilidade de produzir novos

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conhecimentos acerca da educação e da formação” (Canário, 2007, p.138). Para isto os professores têm ao seu dispor um conjunto de estratégias promotoras da reflexão que não servem apenas a formação inicial mas também a formação contínua (Amaral, Moreira & Ribeiro, 1996). Através da investigação sobre a ação, o professor-investigador gera teorias com base na observação sobre a sua prática de ensino que podem levar à permanente descoberta de formas de desempenho de qualidade superior e ao desenvolvimento da competência profissional na sua dimensão holística, interativa e ecológica (Alarcão, 2003).

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