• Nenhum resultado encontrado

4.3 O MARXISMO PRESENTE NO TRABALHO PROFISSIONAL: DESVENDANDO A

4.3.6 A práxis profissional

Para compreender como os assistentes sociais realizam sua práxis profissional, foi solicitado aos sujeitos da pesquisa um exemplo de intervenção profissional, onde a teoria tenha ocupado o papel de facilitador deste processo. Nos exemplos relatados, nenhum se referiu a uma teoria ou a um conceito específico que

110

tenha auxiliado na interpretação da realidade ou na elaboração de métodos de trabalho para direcionar a intervenção. As respostas se concentraram em relatos do exercício profissional, sem nenhuma mediação teórica explícita, conforme se pode avaliar no trecho de um dos depoimentos:

Eu queria ter achado um bom caso, mas na realidade a gente está vendo que nem todos tem sucesso nos encaminhamentos que faz. (...) Esse processo acontece assim, com a acolhida, as entrevistas de liberdade assistida e durante este período, que dura uns seis meses, a gente pode ter esse acompanhamento. Tem como a gente encaminhar para vaga em escola, tem como a gente acompanhar, por exemplo, um caso de hoje de manhã, estávamos quase terminando, ele tem uma companheira, ele precisa trabalhar, ele trocou de emprego, parece que se estabilizou mais, não conseguiu voltar para escola, pois tem que ajudar a companheira com o filho. Durante este período que ele cumpriu a medida, o irmão mais velho foi baleado e faleceu. Saiu na mídia, a família estava tentando se organizar, e aconteceu esta fatalidade do irmão dele estar no lugar errado, na hora errada, o tiro não era para ele. A família reviveu, foi vitimada de novo. (...) Ele superou toda a situação em relação ao ato infracional, mas a família está de luto pela perda do mais velho, é uma família que está bem traumatizada. Eu não vou me surpreender se acontecer outras coisas com esta família, pois eles estão muito vulneráveis. (E2)

É possível concluir que ainda há uma dificuldade de estabelecer mediações entre a teoria e o trabalho exercido na realidade concreta. A rotina cotidiana de trabalho, onde se reproduzem leis sociais determinadas, que estão, muitas vezes, fora do alcance da apropriação e ação dos indivíduos, tenciona para a realização de uma práxis utilitária, usando novamente um termo de Kosik (2011), que consiste na reprodução da vida cotidiana sobre as bases do senso comum, não alcançando a essência dos fenômenos. Dessa forma, se compreende a influência causada pela divisão social e técnica do trabalho sobre a essência do trabalho. Cada trabalhador tem uma fatia do trabalho geral da sociedade para executar, sem que com isso tenha a obrigação de se apropriar dos demais trabalhos reproduzidos para efetivar o seu rol de técnicas, que atendem as exigências de quem o emprega. Este é o campo dos processos de alienação aos quais estão submetidos os trabalhadores:

As condições criadas pela divisão do trabalho e pela propriedade privada introduziram um estranhamento entre trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto do trabalho, antes mesmo de o trabalho se realizar, pertence a outra pessoa que não o trabalhador. Por isso, em lugar de realizar-se no seu trabalho, o ser humano se aliena nele; em lugar de reconhecer-se em suas próprias criações, o ser humano se sente

111 ameaçado por elas; em lugar de libertar-se, acaba enrolando em novas opressões. (KONDER, 1981, p.30)

Contudo, há um esforço dispensado na tentativa de criar meios de enfrentamento, a partir das condições de trabalho dadas. Foram mencionados exemplos de intervenção, que ocorreram a partir de um diagnóstico de realidade, que possibilitaram a apreensão de desigualdades manifestas nos territórios de abrangência dos locais de trabalho. Um Assistente Social relatou que, através do reconhecimento da demanda por informações sobre a legislação previdenciária e dos benefícios previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, foi criado um espaço para democratizar informações direcionadas aos usuários, com o intuito de atender esta demanda. Esta experiência pode ser identificada no relato que segue:

A acolhida coletiva temática sobre o Benefício de Prestação Continuada (BPC), da Lei Orgânica da Assistência Social, é uma demanda espontânea e também vem através da rede. É uma demanda que a gente tem que estudar bastante para passar uma informação qualificada para os usuários. (...) nós enxergamos, foi uma discussão da equipe e uma demanda da coordenação da proteção básica. Nós criamos três turnos de acolhida coletiva a partir da demanda. Agendamos com as pessoas para que elas venham nestes turnos específicos. Na quinta-feira à tarde, nestes dias se convida todas as pessoas que estão na recepção, porque além da gente trabalhar com o BPC, a gente trabalha também com os outros serviços da Previdência Social, também com a inserção no mercado de trabalho e de que forma as pessoas podem contribuir para ter a qualidade de segurado. As pessoas trazem também outras tantas demandas e vão trocando experiências ali naquele determinado espaço coletivo. A gente vai trabalhando com todas as questões que vão aparecendo e convida as pessoas a participarem dos outros espaços do CRAS. (E3)

A valorização do coletivo, a informação como possibilidade de acesso aos direitos são aspectos que podem ser destacados e mediados em relação à teoria marxiana, mas embora alguns profissionais façam movimentos emancipatórios, nem sempre têm a consciência de que esses processos podem ser articulados à fundamentação teórica de sua práxis.

Há também a preocupação em realizar uma intervenção pensada, previamente refletida e pautada em diagnóstico, pois a ação profissional envolve diretamente a vida das pessoas e depende, na maior parte dos casos, de uma rede

112

de apoio não disponibilizada nas políticas. Mesmo sem se remeter a uma teoria específica, um sujeito da pesquisa relatou a forma como procura desenvolver seu trabalho, tendo a preocupação de planejar suas ações junto com os demais trabalhadores que compõem sua equipe no serviço:

Eu acho que muitas vezes, quando nós falamos que não se pode agir no impulso diante do que é expresso e tentar uma solução rápida, tem que aprofundar mais, tem que pensar mais na estratégia, no que aquela situação está expressando. Exemplo, em uma situação de rua, tem uma angústia de quem aborda em querer resolver rápido, querer tirar da rua e levar para o abrigo e às vezes a gente tem que se aprofundar um pouco discutir em equipe, ver melhor, ver quanto tempo a pessoa está na rua. Nós temos que ir aprofundando, articulando com a teoria e com os outros olhares dentro da equipe no sentido de ouvir também, ficar atento, ter uma sensibilidade grande na escuta principalmente com o usuário, ele fala uma coisa, mas a necessidade dele é outra. Então é isso, é também articular teoria e prática, aprofundar; nem sempre a gente consegue aprofundar como a gente gostaria e como a gente deveria, em função da demanda e em função do tempo. (E5)

Conforme o último relato percebe-se que há a preocupação em superar o imediato, não atuando no impulso como um ato comum, conforme expressa a própria entrevistada, mas trabalhar cada situação e entendê-la para além da aparência, ou de como chega para os profissionais. As demandas que emergem para a Política de Assistência Social são as mais variadas e também as mais complexas, como, por exemplo, pessoas em situação de rua conforme o relato. Antes da intervenção, o profissional tem que se esforçar para entendê-la à luz da multiplicidade de condicionantes que incidem sobre sua vida e contexto, considerando aspectos como o que levou este sujeito a esta situação, avaliar seus vínculos, sua história, seu interesse de ir para um abrigo, entre outros que irão compor a avaliação e a construção de alternativas para melhor atendê-lo. Do mesmo modo, é preciso compreender que um profissional nunca atende somente um sujeito, da mesma forma que não realiza esse atendimento sozinho, pois, na maioria das vezes, isso é efetivado em articulação com outros profissionais, cada um trazendo as suas impressões, suas avaliações e proposições. O trabalho coletivo colabora para um exercício profissional que não reproduza o senso comum,

113

considerando que se está exposto a este processo limitador na realização do trabalho, em razão da rotina cotidiana.