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3. O IMAGINÁRIO EM ESTADO DE FRUIÇÃO

3.1 O PRAZER PELO CONHECIMENTO

Nas civilizações grega e romana o teatro adquiriu objetivos claramente sociais, morais e pedagógicos. Trata-se de uma produção imitativa do que é considerado belo associado ao sentido moral do que é bom e verdadeiro, e de uma recepção contemplativa, com pretensões de um determinado efeito positivo perante a vida pessoal e social do indivíduo. Após os estudos de Aristóteles, é que o bem será compreendido como uma virtude que deriva do desinteresse em si, e este desinteresse é a beleza, ou seja, encontra-se beleza onde não há finalidade, pois o bem é o próprio fim. O belo é contemplado à medida que o bem é agido (BAYER, 1978, p.47).

Aristóteles entende o prazer estético que o teatro propicia como o prazer pela imitação, sendo este um prazer sensível e intelectual, na medida em que abrange o prazer tanto no reconhecimento de um objeto imitado quanto no prazer pela técnica da imitação. Assim, o prazer na experiência estética

teatral encontra-se em três instâncias: pela ação cognitiva (aisthesis) pelo reconhecimento perceptivo (anamnesis), e ainda uma terceira instancia que está direcionada à afetação do espectador frente à ação, por meio da qual desperta suas paixões (katharsis). Aristóteles é o primeiro filósofo a pensar a recepção na arte, aplicando o conceito de catarse para caracterizar certo estado de prazer responsável por purificar os sentimentos de temor e compaixão proporcionados pela tragédia. Tal purificação parece ser a mesma ou próxima a purificação das manifestações ritualísticas, a qual se perpetua tanto na instância corporal quanto na alma - externa e interna - sendo que esta purificação da alma tende ao conhecimento. Por meio deste estado alcançado na recepção da tragédia, o sujeito se tornaria capaz de mudar sua forma de agir, alcançando assim o conhecimento.

O termo catarse proposto aqui com intuito de definir certo tipo de efeito da poesia trágica, ou seja, em seu sentido poético, foi reelaborado por Aristóteles a partir do significado médico e religioso, cujos processos se materializam enquanto purgação, cura ou purificação, corporal no âmbito médico e espiritual no âmbito religioso. Aristóteles inaugura um significado de catarse diante da ação mimética, operando assim uma empatia do espectador para com a personagem trágica, mobilizando os sentimentos de temor e compaixão. Enquanto o sentimento de temor “phobos” é causado por um receio ou medo diante de uma desgraça ou do sofrimento que esta pode causar; o sentimento de compaixão “elos” se assemelha ao de piedade diante do mal ou da injustiça.

Pois bem, embora Aristóteles não tenha enfocado a relação estética provinda dos processos imaginativos do sujeito, é possível identificar nas categorias do autor uma relação intrínseca de imaginário precedendo todas as três possíveis categorias de prazer propostos por ele, nas relações de percepção e cognição e destas para com os sentimentos. O imaginário age, pois, viabilizando a empatia do receptor pela

condição de verossimilhança indicada pela ação mimética e proporcionando sua identificação com o discurso proposto. Trata-se de uma interação empática, em que o receptor recorre às suas próprias experiências, adequando-as para enfrentar tal discurso: Ele preenche, com suas próprias experiências, os sentidos reportados pela trama dos fatos, virtualmente projetando-se sobre o palco, desdobrando sobre si a experiência que a personagem está sofrendo (MOSTAÇO, 2002, p.209). A atividade imaginativa atua fundamentalmente na interação do sujeito com o universo artístico e no trânsito de seus sentimentos. A poesia esta contida na realidade aperfeiçoada em que o prazer é desfrutado na medida em que novos conhecimentos são adquiridos. O imaginário auxilia assim na alteridade do sujeito imerso à cena, fazendo despertar e comunicar seus desejos, vontades e ideologia; e ao instituir o estado poético possibilita a depuração dos sentimentos. Trabalha impulsionando o espectador a alcançar o estado de prazer pela identificação com o sofrimento alheio, permitindo assim que a catarse haja “de modo que a piedade e o medo (...) são como purificados da amargura que os impregna na realidade” (ROUBINE, 2000, p. 20). Neste sentido, o imaginário atua viabilizando os modos de identificação e superação dos sentimentos, em estreita função com as crenças mitológicas.

Embora os conceito de “ética” e “estética” não fossem ainda elaborados na era aristotélica como são compreendidos atualmente, é possível interpretar sobre a catarse aristotélica, que a mesma exerce função ética e estética na medida em que propicia, simultaneamente, o aprendizado e o prazer por meio do conhecimento adquirido. A catarse parece estar, pois, vinculada ao imaginário especialmente quando por meio do prazer as emoções, segundo o autor, são capazes de alterar os juízos do homem. A catarse não só levaria o espectador ao entendimento da ação como uma experimentação entre o justo ou incorreto, o bom ou mau, o digno de piedade ou de

indignação, mas sim como uma experimentação de um ato político, propiciada pelo imaginário. Deste modo, o prazer estético operado pela catarse provoca o desenvolvimento intelectual e social do sujeito, tornando-se consciente da realidade que abita por meio de novas percepções, processo este que Castoriadis entende como instituintes do imaginário social.Uma experiência eficaz na medida em que realiza para o cidadão uma vivencia profunda que se processa na identificação ou na rejeição dos atos. Sendo assim, o espectador na catarse contemplativa cumpre certa aceitação e entrega (identificação) aos raciocínios e paixões, compreendendo um prazer da síntese entre o deleite e o aprendizado.

Com relação à participação ou criação do espectador, pouco é abordado por Aristóteles na medida em que ele age por contemplação, a não ser na própria afetação que, com efeito, depende do próprio receptor. A imaginação para Aristóteles pode ser interpretada pelo que ele chama de aparição, e esta é produzida diante dos olhos do espectador quando por ele permitido. Mas Aristóteles não contraria a aparição para com a intelecção, ao contrário, para ele é bem claro a impossibilidade de desenvolver opinião sobre algo sem antes ter uma aparição deste algo, ou seja, não é possível pensar sem aparições, sem imaginação se assim se pode dizer. Neste sentido, a imaginação talvez funcione ainda como um ligame: do sensível para o entendimento, do entendimento para a emoção, da emoção para o prazer.

Os estudos de Aristóteles serão revisitados na estética renascentista e influenciará toda a estética dos séculos seguintes na cultura ocidental. Diante de uma necessidade de enfatizar o inteligível, a Poética de Aristóteles parece ser a enunciação das leis da perfeição da natureza, a imitação torna- se o modo supremo da arte dramática surgindo para tanto, várias interpretações acerca das facetas da catarse. É possível dizer que a leitura da poética de Aristóteles no renascimento e

até o século XX sofreu um processo de descontextualização e que, portanto, esteve repleta de equívocos. O prazer, neste contexto, é fruto de um belo ideal, de uma estética normativa e racionalizada, cuja razão predomina sobre os sentimentos. O imaginário criativo é abafado artisticamente sob os princípios normativos, a criação provém de um ideal antropocêntrico, numa valorização do corpo humano como fonte de prazer e beleza. É importante notar, por outro lado, que o imaginário criativo é explorado agora pela ciência que passa a valorizar a experiência e a observação, procedimentos fundamentais para ascensão dos estudos empíricos que, no período seguinte, irão progredir os estudos da estética. Não há como negar as relações criativas que instigam tanto a ciência quanto a arte, e que fazem destas relações, se não dependentes, no mínimo associadas.

O prazer pelo conhecimento é não só expressivo em qualquer das práticas teatrais, principalmente por conceder o desenvolvimento do imaginário pela experimentação reprodutiva, mas e, sobretudo, propulsor de uma estética que confere autonomia ao sujeito, das suas criações mais íntimas aos interesses sociais.

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