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IMAGEM E IMAGINÁRIO E SUAS RELAÇÕES DE PRAZER NA CENA TEATRAL 

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Academic year: 2019

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC  CENTRO DE ARTES – CEART 

PROGRAMA DE PÓS‐GRADUAÇÃO EM TEATRO ‐ PPGT 

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO 

IMAGEM

 

E

 

IMAGINÁRIO

 

E

 

SUAS

 

RELAÇÕES

 

DE

 

PRAZER

 

NA

 

CENA

 

TEATRAL

 

NADIANA

 

ASSIS

 

DE

 

CARVALHO

 

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NADIANA ASSIS DE CARVALHO

IMAGEM E IMAGINÁRIO E SUAS RELAÇÕES DE PRAZER NA CENA TEATRAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Teatro.

Orientador: Prof. Dr. Edélcio Mostaço

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UDESC

 

C331i Carvalho, Nadiana Assis de

Imagem e imaginário e suas relações de prazer na cena teatral / Nadiana Assis de Carvalho.- 2015.

187 p. il.; 21 cm

Orientadora: Edélcio Mostaço Bibliografia: p. 176-183

Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Teatro, Florianópolis, 2015.

1. Teatro. 2. Imagem (Psicologia). 3. Imaginário. 4. Prazer. I. Mostaço, Edélcio. II. Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Teatro. III. Título.

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NADIANA ASSIS DE CARVALHO

IMAGEM E IMAGINÁRIO E SUAS RELAÇÕES DE PRAZER NA CENA TEATRAL

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Teatro do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Teatro.

Banca Examinadora

Orientador(a):

________________________________________________ Professor Doutor Edélcio Mostaço

Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro:

_________________________________________________ Professor Doutor Stefan Arnulf Baumgärtel Universidade do Estado de Santa Catarina

Membro:

__________________________________________________ Professor Doutor Clóvis Dias Massa

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Florianópolis, 15/05/2015

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AGRADECIMENTOS

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“O olho vê, a lembrança revê e a imaginação transvê. É preciso transvê o mundo”.

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RESUMO

CARVALHO, Nadiana. Imagem e imaginário e suas relações de prazer na cena teatral. Dissertação (Mestrado em Teatro – Teatro, Sociedade e Criação cênica) – Universidade do Estado de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Teatro, Florianópolis, 2015.

O estudo articula reflexões entre aspectos do imaginário e o estado de prazer presentes nas relações entre cena e público, segundo um ponto de vista estético contemporâneo. Autores como Bachelard, Durand, e Castoriadis são revisitados a fim de colaborarem na formulação da concepção de imaginário aqui desenvolvido a partir, sobretudo, de uma concepção dialógica e de jogo entre as dimensões produtivas (artistas) e receptivas (espectador). Para tanto, propõe uma investigação e uma distensão nos conceitos de imagem, imaginação e imaginário, a fim de perspectivá-los como princípios estéticos artísticos fundamentais para elaborar novas possibilidades de relações no acontecimento teatral. Assim, torna-se necessário investigar as diretrizes criadas em torno do prazer do espectador enquanto extensão das possibilidades criativas e relações intersubjetivas do sujeito. Ao restituir o receptor como propulsor do sentido da obra, a estética teatral é discutida na dimensão de jogo imaginário, criativo e poético, que se efetua em caráter de presença, potencializando o sentido imanente do discurso teatral. Tais preceitos desembocam na investigação analítica de dois espetáculos produzidos por grupos reconhecidos e atuantes no Brasil, sendo eles: “A marca da Água” do Armazém Cia de Teatro de Londrina/ atuante no RJ e “Os Bem-intencionados” do grupo LUME Teatro de Campinas/SP.

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ABSTRACT

CARVALHO, Nadiana. Image and the imaginary and pleasure of relations on scene theatrical. Thesis (MA in Theatre - Theatre Company and scenic Creation) - University of the State of Santa Catarina. Graduate Program in Theatre, Florianópolis, 2015.

The study articulates reflections between imaginary aspects and the state of pleasure present in the relationship between stage and audience in a contemporary aesthetic point of view. Authors like Durant, Bachelard, Castoriadis and Maffesoli are revisited in order to collaborate in the imaginary conception of the formulation developed here from primarily a dialogical design and game between the productive dimensions (artists) and receptive (viewer). We propose an investigation and a strain on imaging concepts, imagination and imagination in order to view them as fundamental artistic aesthetic principles to reconfigure the theatrical event. Thus, it is necessary to investigate the relationships created around the pleasure of the viewer as an extension of the creative possibilities and subject’s interpersonal relations. To restore the receiver as the work towards the propellant, the theatrical aesthetics are discussed in the dimension of imaginary play, creative and poetic, which takes place in the presence of character, enhancing the speech and the immanent sense of the theatrical discourse. Such principles are developed through the study of two shows produced by recognized and active groups in Brazil, as follows: "A marca da água" Armazém Cia de Theatre / active in RJ and "Os Bem-Intencionados" LUME Theatre group Campinas / SP.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotografia 1 - Apresentação “A marca da água”...126

Fotografia 2 - Espaço e cenário “A marca da água”...129

Fotografia 3 - Contraste de cores...130

Fotografia 4 - O grande Peixe...131

Fotografia 5 - Na beira da água...135

Fotografia 6 - Consulta médica...136

Fotografia 7 - A pesca...139

Fotografia 8 - O registro da música...140

Fotografia 9 - A inundação...141

Fotografia 10 - Apresentação Os Bem-Intencionados...144

Fotografia 11 - Espaço e cenário Os Bem-Intencionados...147

Fotografia 12 - Personagem Marcio Martin...149

Fotografia 13 - Personagem Maria Alice Elice...150

F Fotografia14 - Personagem Gonçalvez Rodriguez...151

Fotografia 15 - Personagem Rodrigo Ometto...152

Fotografia 16 - Personagem Natali Menezes...153

Fotografia 17 - Personagem Melice Z...154

Fotografia 18 - Personagem Dagoberto...154

Fotografia 19 - Atuação proximal...155

Fotografia 20 - AVC de Dagoberto...157

Fotografia 21 - Dança de Melice e Gonçalves...158

Fotografia 22 - Dicas de Natali...161

Fotografia 23- Natali rejeitada...161

Fotografia 24- Infância de Melice...163

Fotografia 25- Primeiro brinde!...164

Fotografia 26- Bar dançante...165

Fotografia 27- Coreografia de Rodrigo...166

Fotografia 28 - Festa!...166

Fotografia 29- Natali sem máscara...168

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ...19

2. IMAGEM, IMAGINAÇÃO E IMAGINÁRIO ...23

2.1 PROCESSOS IMAGINATIVOS: REPRODUÇÃO E CRIAÇÃO...18

2.2 IMAGINÁRIO: UMA INSTITUIÇÃO CRIATIVA PARA O TEATRO ...35

2.2.1 Bachelard e o Imaginário Poético...41

2.2.2 Durand e o Imaginário Simbólico...44

2.2.3 Castoriadis e o Imaginário Social...49

2.3 DISTENSÃO IMAGINÁRIA NA PRÁTICA CÊNICA...53

3. O IMAGINÁRIO EM ESTADO DE FRUIÇÃO....59

3.1 O PRAZER PELO CONHECIMENTO...61

3.2 O PRAZER DESINTERESSADO...65

3.3 O PRAZER PERANTE O IMAGINÁRIO...69

4. RECEPÇÃO CRIATIVA...77

5. ATRIBUIÇÕES À ESTÉTICA TEATRAL...84

5.1 A ENCENAÇÃO MODERNA E A ESTÉTICA DA EXPRESSÃO...88

5.2 A ENCENAÇÃO CONTEMPORÂNEA E A ESTÉTICA DA EXPERIMENTAÇÃO...97

5.3 O PRAZER NO JOGO PERFORMATIVO...103

5.4 RENOVAÇÃO ESTÉTICA DA CENA...107

5.4.1 Materialidade poética da imagem...111

5.4.2 Viabilização do jogo pelo imaginário poético...115

6. ANÁLISE DE ESPETÁCULOS...123

6.1 “A MARCA DA ÁGUA” – ARMAZÉM CIA DE TEATRO (RJ): Um imaginário fantasioso...126

6.2 “OS BEM-INTENCIONADOS” – GRUPO LUME TEATRO (SP): Um imaginário popular...144

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...170

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...176

(12)

1. INTRODUÇÃO

O presente estudo pretende investigar a condição do imaginário e suas inferências junto à estética teatral, quer nos aspectos de produção quer no de recepção, compreendendo sua mobilidade nas relações de prazer quando o espectador se defronta com o acontecimento cênico.

Para tanto é preciso elucidar esta instância que compreende a imagem, a imaginação e o imaginário constituindo, por isso, o primeiro capítulo deste estudo, demandando uma quebra de paradigmas na tradição do pensamento ocidental que, por muito tempo, desvalorizou a relação imaginária, submetendo-a como simples aparato cognitivo ou ainda como processo de alucinação. Ainda hoje são comuns interpretações bastante limitadas, que circunscrevem a imagem somente ao campo visual, a função imaginativa apenas no âmbito da ilusão ou o imaginário como um conjunto de memórias de um sujeito, cultura ou sociedade. Aqui a imagem admitirá um campo de realidade amplo e a imaginação é entendida tanto em suas funções reprodutivas quanto criativas. A fim de investigar o imaginário na perspectiva artística, a pesquisa centrou-se nos estudos de Gaston Bachelard [1884-1962] no que diz respeito ao imaginário poético, Gilbert Durand [1921-2012] apresentando conceitos acerca de um imaginário simbólico e Cornelius Castoriadis [1922-1997] sobre o imaginário social. Com isso, é possível identificar uma distensão imaginária significativa destes conceitos, viabilizando uma restituição dos seus valores tanto numa perspectiva de interação social quanto desta para com a dimensão artística no teatro.

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estético que demarcam certo progresso histórico sobre seu entendimento: o prazer estético subjacente ao conceito de catarse proposto por Aristóteles [385-322 a.c], que representou uma expressiva inovação na medida em que rompeu com os domínios da moral sobre o prazer e configurou a arte como veículo para o desenvolvimento humano, estando assim o prazer associado ao conhecimento; o prazer desinteressado sugerido por Immanuel Kant [1724-1804] na modernidade, para quem arte não teria uma finalidade de prazer para além de si mesma; e, no século XX, as proposições de Hans Robert Jauss [1921-1997] que, ao se deixar contaminar pelas proposições de Aristóteles e Kant, propôs um prazer que se articula enquanto trânsito entre três aspectos relacionados entre si – a poesis (produção), a aesthesis (recepção) e a katharsis (empatia). Na medida em que a instância imaginária se encontra também subscrita em todo o processo artístico desde a criação, a recepção e a empatia - requer compreender o estado de prazer estético redimensionado nesta revitalização da dimensão imaginativa e identificar, a partir de então, possíveis significações congruentes com a estética contemporânea.

Na transição da modernidade para a pós-modernidade, verificam-se características de uma nova concepção estética que, por um lado, mantém os princípios de liberdade tão ambicionados pela modernidade e, por outro lado, direciona-se para uma hibridação entre o real e o imaginário, pois ao interpretar, o sujeito recria e transforma tradicionais relações estéticas em novas possibilidades imaginárias. Há na contemporaneidade, se assim se pode dizer, uma tendência negativa e outra positiva acerca do que envolve a

experimentação prazerosa: de um lado ela está inserida numa

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sujeito; e, de outro lado, procura a participação ativa do interlocutor num jogo de comunicação, interação, apropriação e autonomia, requisitando um imaginário criativo e multidimensional. A arte contemporânea é mais livre de fórmulas e modelos em relação ao passado na medida em que articula uma gama maior de bases operativas (o mito, a retórica, o sensível, o erudito, o popular), mas, para tanto, exige uma complexidade humana que só o imaginário pode dar conta. Essa busca pela liberdade e autonomia fez instigar uma arte que privilegia a experiência e a singularidade do sujeito, estabelecendo um jogo imaginário em que a versatilidade se manifesta de forma livre e espontânea. Nesta busca pela liberdade de expressão, o imaginário é responsável por conduzir o sujeito aos princípios de sua própria existência.

O terceiro capítulo por sua vez propõe compreender tal relação estética na prática teatral em que, a partir das referências imaginárias e os estudos de uma recepção criativa, é possível pensar uma nova possibilidade estética tanto da sua materialidade poética, quanto possíveis viabilizações de jogo imaginário para com o espectador. Os estudos da estética da recepção serão fundamentais para elucidar a participação ativa do espectador no desenvolvimento do sentido da obra, basicamente sobre dois pressupostos: o de concretização do receptor, cujo conteúdo subjetivo do sujeito e suas vivências são procedimentos fundamentais em sua cota de participação e concretização da obra; e o de que a obra de arte possui certos espaços de indeterminação por intermédio dos quais articula uma abertura para o diálogo com o receptor. Assim, o estudo propõe certa inversão de valores, ou seja, não se trata de considerar a estética somente nos seus modos receptivos, mas por meio deles refletir sobre a interação comunicativa e criativa proposta pelo teatro, identificando propriedades que possam contribuir também para a poética teatral contemporânea.

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de forma performativa, ou seja, em processo, em jogo. O jogo coloca em embates as ações produtivas e receptivas como uma comunicação performativa uma vez que ela é um ato, um diálogo que se constrói tanto pela ação de quem o produz quanto pela ação de quem o recebe, e, o sentido desse diálogo será resultante destas ações. Ou seja, é por meio do jogo - embates, desafios e riscos - que se pode chegar a um resultado, um possível sentido da comunicação.

O jogo circunscrito no campo do imaginário busca re-interpretar a materialidade poética da imagem e suas possibilidades. O estudo designa, pois, a imagem como substrato material e poético do acontecimento teatral e, a fim de compreender a potencialidade imaginativa do discurso visual, é aqui considerado para análise as relações de criação, recepção e comunicação oriundas da imagem; a saber, sua concepção e respectivas atribuições sensitivas. O espectador torna-se, pois, co-responsável por significar e infundir intenções diversas àquilo que é presenciado; e a estética teatral passa a ser discutida enquanto precursora de um envolvimento sensitivo e imaginativo latentes no potencial do discurso cênico.

Por fim, com o propósito de identificar na prática as

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2. IMAGEM, IMAGINAÇÃO E IMAGINÁRIO

Neste primeiro capítulo, interessa abordar alguns conceitos que colaboram para a reflexão acerca do desempenho da imagem, da imaginação e do imaginário, a fim de discutir posteriormente a atuação do imaginário poético na estética teatral, concebendo-o numa dimensão de jogo dialógico – nas interfaces entre imagem e imaginação criadora, imaginário e prazer.

Imagem, imaginação e imaginário radicam do latim imago - ginis. Platão [428/427 – 348/347 a.C.] considerava imagem a ideia do objeto, sua projeção na mente humana. Em contrapartida, Aristóteles designava a imagem como sendo a representação mental de um objeto real, sendo esta adquirida através dos sentidos. Diante disso, o conceito de imagem atingiu certo consenso, podendo significar a representação mental de um objeto ou a reprodução mental de uma sensação mesmo na ausência da causa que a produziu. Importa notar que ambos os filósofos analisam a imagem considerando o seu receptor, no seu processo de percepção visual, ou seja, pela perspectiva daquele que vê e recebe a informação visual, podendo ainda projetá-la mentalmente. Isso porque a imagem é compreendida aqui como produto do sentido da visão, um processo de percepção intrínseco à espécie humana.

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subjetivamente. Tal distinção parece bastante conveniente, mas é preciso elucidar, entretanto, que cognitivamente toda imagem visual passa necessariamente por processos mentais. A percepção visual se dá pelo processamento de uma informação que chega ao cérebro por meio da luz que penetra através dos olhos. O processo de absorção visual, iniciado através do desempenho do olho humano, passa por transformações ópticas, princípio da captura dos raios luminosos; por transformações químicas, que seria a adaptação da projeção óptica através do sistema córnea + pupila + cristalino; e ainda por uma transformação nervosa, que de forma bastante sintética lança ao cérebro, através da célula nervosa denominada sinapse onde, no córtex, há sua absorção, codificação e interpretação das informações contidas nos fenômenos luminosos que atingem o olho (AUMONT, 1993, P.18-21). Neste sentido, torna-se pertinente utilizar o termo imagem visual ou material ou externa para referir-se à caracterização material da imagem em sua percepção, seu conteúdo de representatividade e expressão; consciente por outro lado, que se trata de processos completamente integrados, pois esta impressão material está contida senão no cérebro daquele que vê: qualquer imagem visual é de caráter mental porque é sintoma perceptivo da visão e por ser mental está integrada à função imaginativa, pois qualquer qualificação de uma imagem está sujeita à interpretação subjetiva do sujeito que a recebe.

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distinguindo-a da percepção - a imagem coisa diferente da imagem consciência da coisa, o que a definirá será sua intencionalidade.

Sartre [1905-1980] em seu estudo sobre A imaginação apresenta um importante panorama sobre tal discussão. Utilizando-se dos estudos de Descartes, afirma ser a imagem uma coisa corporal, ela é “o produto da ação dos corpos exteriores sobre nosso próprio corpo por intermédio dos sentidos e dos nervos”, e o conhecimento da imagem dado pela imaginação teria a “estranha propriedade de poder motivar as ações da alma” (2011, pg.13). Tais ações referidas por Sartre podem ser compreendidas como pensamentos, ideias, memórias, sentimentos, emoções, etc. Nessa acepção, aparentemente o sentido da visão se aproxima muito do intelecto e a imagem da idéia e dos pensamentos. Entretanto, durante o século XVII e até o final do século XVIII, filósofos como René Descartes [1596-1650], Espinoza [1632-1677], Leibniz [1646-1716] e David Hume [1711-1776] tentaram separar a teoria da imagem da teoria do pensamento sem, contudo, separá-la da dimensão inteligível; a imagem é penetrada de intelectualidade, mas possui a “opacidade do infinito”, enquanto a idéia possui a “clareza da quantidade finita e analisável” (SARTRE, 2011, p.16). Descartes salienta que a imagem aparece como objeto individual, que por combinações produzirá o pensamento, ou seja, o conjunto das significações lógicas. A imaginação se encarrega de fazer o

associacionismo1, tendo a imagem como uma coisa que

mantém, constantemente, relações com outras coisas. Sendo assim, a imaginação também difere do entendimento, ela é conhecimento por imagens, mas possui a capacidade de forjar idéias falsas. Posto isto, o pensamento visual será, sobretudo, um pensamento sensorial, a imagem não se distingue da       

1 Teoria inspirada no empirismo e positivismo em que privilegia a

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sensação, ela é o “domínio da aparência, mas de uma aparência a qual nossa condição de homem dá uma espécie de substancialidade” (2011, p.19). A imagem é dada aqui como fator psicológico cujo sentido, intencionalidade e finalidade, se dão, pois, pelo olhar subjetivo do sujeito, em virtude da sua capacidade mental reprodutiva e associativa.

Por outro lado, Sartre apresenta os estudos fenomenológicos de Husserl [1859-1938], que buscam apreender a essência da imagem enquanto fenômeno. Não se trata de negar a experimentação e a indução da psicologia, mas aparentemente de agregar ou considerar os aspectos apontados pela fenomenologia. Embora não tenha se aprofundado na questão da imagem, Husserl trouxe a concepção de intencionalidade que irá reaver a instituição da imagem enquanto tal, distinguindo-a enquanto objeto fora da consciência. Através do conceito de intencionalidade, Husserl alerta para a diferença em que os conteúdos da consciência não são o objeto da consciência, mas que através dos conteúdos a intencionalidade visa o objeto que é o correlato da consciência. Assim, a impressão visual que presentemente faz parte da consciência é uma qualidade transcendente do objeto, é “matéria subjetiva (...) sobre a qual se aplica a intenção que se transcende” (Sartre, 2011, p.124). Em primeiro lugar encontra-se a percepção da coisa e em encontra-segundo a consciência perceptiva. Husserl fala ainda em uma intenção imaginante que vem animar a matéria e por isso a imagem não é mais um conteúdo inerte de existência, mas uma forma de consciência organizada que se relaciona com sua matéria, no ato da imaginação.

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Pois bem, em uma possível equivalência desses estudos de Sartre na estética do teatro, a imagem representa a materialidade visual de toda a realidade cênica, o próprio substrato real artificialmente produzido e intencionalmente determinado. Por se tratar de um real artificializado, a imagem é demasiadamente intencionada, isso porque ela já existe como uma espécie de apreensão da realidade por parte do artista e, portanto, contida de certas impressões, interpretações, vontades ou idealizações. Por outro lado, requer uma mobilização de sentidos, provocando ações que exigem do sujeito também uma intenção imaginante responsável por animar a matéria. A imagem teatral por ser humanamente construída possui uma substancialidade intencionada tanto no ato da sua criação quanto no de recepção. Seu sentido parece proceder, pois, dos processos imaginativos que operam uma correspondência dessas duas intenções.

2.1 PROCESSOS IMAGINATIVOS: REPRODUÇÃO E CRIAÇÃO

Se a visão é o primeiro e muitas vezes o principal órgão sensível requisitado na vivência teatral, é preciso compreender que a percepção visual não se separa das grandes funções psíquicas: a intelecção, a cognição, a memória, o desejo. A imaginação trabalha como que fazendo essa ponte entre as interações sensíveis e intelectuais do homem, ela será, pois, o que dará intenção e sentido à imagem, seja como um impulso reprodutor seja como impulso criativo.

A imaginação reprodutiva pertence à tradição aristotélica que se fortalecerá sobre as análises psicológicas

que fundamenta a imaginação como a reprodução de

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compor de diversas maneiras possíveis. O seu funcionamento está sujeito à lei de associação e tem como objetivo solidificar, numa imagem, o caos de sensações, ordená-lo para que a mente possa contemplar. Embora a imaginação, segundo essa perspectiva, se trata de uma simples serva da percepção, pois produz a partir dos sentidos que a memória reteve, a reprodução imaginativa demonstra a importância que tem a experiência exterior para o homem, na medida em que isto o ajuda a conhecer o mundo a sua volta, criando e fomentando hábitos que se repetem por toda sua vida.

Ver e perceber uma imagem são características intrínsecas a espécie humana, porém interpretá-la faz parte de um processo de aculturação. Interpretar depende de uma série de determinações do sujeito que olha: saberes, costumes, afetos, crenças - que são vinculadas ainda ao contexto histórico e social em que ele se insere. Para exemplificar, basta notar a forte presença de imagens simbólicas na comunicação diária das pessoas, imagens que em acordo e aceitabilidade social adquirem um significado representativo de linguagem. Esse processo de interpretação, consciente ou não, é desenvolvido a partir das vivências, de percepções passadas e passíveis de serem atualizadas por novas experiências. Este processo é analisado inicialmente nos estudos de Henri Bergson [1859-1941] e mais tarde também por Ernest Gombrich [1909-2001], os quais atribui o desempenho da imagem por meio da função

constante do reconhecimento e rememoração do sujeito.

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Bergson (1999) não apresenta nenhum conceito novo de imagem, sendo essa, pois, produto de nossa consciência provocado pela própria coisa. Entretanto, o autor aprofunda a questão da imagem em sua constância temporal, em que a memória é responsável pela reabilitação do sentido e sua relação com a realidade. Para isso, coloca o corpo como agente central de relação com as imagens do mundo, estabelecendo com elas movimentos de ação e relação. Assim, as imagens exteriores (ao corpo) transmitem o movimento sobre a forma de afecção, e o corpo restitui movimento às imagens exteriores sobre a forma de ação.

Percebo bem de que maneira as imagens exteriores influem sobre a imagem que chamo meu corpo: elas lhe transmitem movimento. E vejo também de que maneira este corpo influi sobre as imagens exteriores: ele lhes restitui movimento. Meu corpo é, portanto, no conjunto do mundo material, uma imagem que atua como as outras imagens, recebendo e devolvendo movimento, com a única diferença, talvez, de que meu corpo parece escolher, em uma certa medida, a maneira de devolver o que

recebe. (BERGSON, 1999, p.14)

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imagens-lembranças registram todos os acontecimentos da vida na medida em que se desenrolam, remontando à relação inteligível com os objetos, tornando possível o reconhecimento intelectual de uma percepção já experimentada.

Mas toda percepção prolonga-se em ação nascente; e, à medida que as imagens, uma vez percebidas, se fixam e se alinham nessa memória, os movimentos que as continuam modificam o organismo, criam no corpo disposições novas para agir (BERGSON, 1999, p.88).

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bastante perceptível na relação teatral, em que o espectador através do reconhecimento é capaz de identificar imagens do passado e a partir deste passado projetar o presente, buscando no passado a inteligibilidade das coisas e no presente uma nova forma de agir sobre elas. A imagem da cena será sempre uma imagem-ação, mesmo quando apresentada de modo estático, pois está internamente movimentando os conteúdos intersubjetivos do sujeito - numa perspectiva bergsoniana revivendo um acúmulo do passado que se atualiza no presente e numa perspectiva deleuziana prolongando seu efeito no presente, reavendo seu modo de agir sobre elas.

Não obstante a representar a vida como ela é, o teatro suscita também como ela poderia ser, necessitando para isso da criação provinda da função imaginativa. A imagem deve se apossar desta criação dinâmica, e é aqui que a teoria de Bergson parece ser insuficiente diante da relação entre memória e imaginação. Pois, se a imaginação é responsável por dar sentido à imagem, ela deve estar presente tanto no processo de reprodução quanto no de criação. Ou ainda é possível dizer que estas são justamente as duas grandes funções da imaginação. A imagem-ação enquanto conceito se aproxima da dimensão criativa, mas não é assim aprofundada. Utilizando a teoria de Bergson, mas já atualizando-a: a memória trabalharia como que regendo os movimentos das imagens no corpo e a imaginação dando-lhe sentido, seja em seu processo reprodutivo (passado) seja em seu processo criativo (presente).

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os dados puramente sensoriais aos intelectuais. Ela se torna na teoria de Kant função fundamental de todo processo de percepção humana, viabilizando maneiras de se relacionar profundamente com o mundo. Essa posição é defendida pelos românticos, pelos filósofos neokantianos, e pelos filósofos do imaginário, tendo como maiores representantes Gaston Bachelard [1844 - 1962], Gilbert Durand [1921 - 2012], e Cornelius Castoriadis [1922 - 1997], os quais serão abordados mais adiante.

Em Crítica da razão pura, publicado em 1781, ao dizer que a imaginação era base das relações cognitivas humanas, Kant a identifica como uma faculdade intermediária entre as experiências sensíveis e inteligíveis, ocupando lugar central nas teorias modernas do conhecimento, da estética, da arte e da existência. Deste modo, Kant vai além da capacidade associativa da imaginação concebendo a sua capacidade produtiva, uma vez que imaginar para ele não se trata de uma mera reprodução da memória na consciência e sim uma produção original da consciência. A imagem passa a não ser mais uma coisa estática na memória, mas um ato criativo dinâmico; não é uma mediadora das dimensões inferiores do corpo e da alma superior, e sim uma unidade transcendental. A imaginação exerce função transcendental atuando nas duas faculdades humanas e seus respectivos modos de representação. O sujeito afetado por objetos (sensibilidade) sintetiza esse múltiplo (entendimento). A imaginação é responsável por esta síntese, da qual o entendimento é fruto, e a síntese é tida como expressão primordial da espontaneidade. Assim é que a imaginação se torna, pois, produtiva.

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Ela procede assim de dois modos: pelo esquematismo, exibição demonstrativa e direta, submetida ao entendimento; e pelo

modo simbólico, exibição analógica e indireta, no qual o

entendimento está a serviço da imaginação. No modo simbólico a imaginação é espontânea ou auto-ativa e dá origem às funções das idéias estéticas, nas quais Kant identifica que a produtividade da capacidade da imaginação passa a ser a criatividade. Assim, tem-se que as funções da imaginação produtiva podem ser de caráter esquemático no qual o processo é o de apreensão, reprodução e reconhecimento; de caráter simbólico cujo jogo do sentido comum é livre; dando origem ainda ao caráter estético, quando nenhum conceito determinado é adequado e a capacidade imaginativa torna-se criativa.

Sendo assim, a capacidade imaginativa para Kant torna-se criativa nas idéias estéticas, que exerce função de completar a experiência dada pela natureza, criando outra natureza. O sujeito atua em plena liberdade de associações, tomando emprestado da natureza a matéria, que pode ser reelaborada, “a saber, para aquilo que ultrapassa a natureza” (KANT, 1990, p.159). Mas Kant não trata esta criação como formação originária e sim transformação através da livre associação, a imaginação nas idéias estéticas completam o sentido da natureza, que está ligado ao modo sensível.

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Assim, a imaginação na cena teatral possibilita não só reconhecer e reaver determinada experiência de mundo por sua função reprodutiva, mas a partir dela expandi-la, interioriza o universo das imagens expandindo a experiência com o mundo. A partir de então, a realidade do universo cênico adquire novos sentidos simbólicos e expressivos. Deste modo, a imagem através da rememoração agrega o saber sobre o real, aspecto cognitivo da imagem essencial para o desenvolvimento intelectual do indivíduo, na medida em que facilita seu relacionamento com o mundo. Por outro lado, a atividade criadora também se apresenta como fundamental, despertando o desejo pela descoberta e possíveis mudanças nas concepções de realidade. As imagens teatrais formulam uma realidade ficcional partindo da própria realidade cotidiana, não para dela ser apenas um reflexo, mas para utilizá-la como conteúdo do qual a imaginação faz conexões para sua própria criação, originando novas impressões sobre a realidade. A imaginação criadora conduz este processo na relação teatral, mas é possível dizer que se sustenta pela experiência da realidade cotidiana e, portanto, se encontra em relação direta com a variedade de experiências acumuladas pelo sujeito. A partir disso é que a imaginação se torna uma atividade capaz de ampliar a experiência do sujeito, em que os elementos da realidade podem sofrer alterações, compondo com a imaginação algo completamente novo.

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toda sua realidade, sua comunicação visual está vinculada aos processos imaginativos responsáveis pela simbolização e transcendência dos significados. Essa criação imaginativa no teatro depende, pois, dos conteúdos de vivencia e relações sociais agregadas pelo sujeito, ou seja, de todo conteúdo que constitui seu imaginário.

2.2 O IMAGINÁRIO: UMA INSTITUIÇÃO CRIATIVA PARA O TEATRO

O imaginário é compreendido como certo produto da imaginação, ele está circunscrito no campo das representações como uma tradução, não só reprodutora, mas também criadora e poética. Utiliza a representação, mas a ultrapassa. Gaston Bachelard [1884-1962], Gilbert Durand [1921-2012] e Cornelius Castoriais [1922 – 1997] são responsáveis não só por reelaborar as teorias que englobam o saber do imaginário, mas também pela ratificação definitiva do imaginário no campo da realidade, do rompimento das tendências em opor imaginação e razão, e ainda pela identificação e valorização da atividade do imaginário nas instâncias humanas intelectuais, criativas, sentimentais e sociais. Ambos irão a seu modo pensar o imaginário epistemologicamente, enquanto fonte pela qual o conhecimento humano é adquirido, e também transformado. Isso porque a tradição histórica do pensamento ocidental demonstrou certa desvalorização cultural do imaginário ao tratá-lo muitas vezes como simples reflexo da imagem na mente humana ou ainda como reservatório destas imagens. Como já visto, a capacidade imaginativa interfere diretamente no desenvolvimento do sujeito, tanto intelectualmente quanto sensivelmente. Há imaginação em todo campo da experiência humana.

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bastante ampla, cujas diretrizes da imaginação são expandidas ao considerar o sujeito não só em sua constituição individual, mas inserido em um complexo contexto sócio-histórico. Neste sentido, as inter-relações entre a história e a filosofia, a antropologia, a sociologia e as artes se expandem.

Da história à filosofia, diferentes concepções do imaginário foram atingidas, entendendo-o tanto como capacidade criadora do homem como atividade socialmente construída. E ao imbricar esses modos de pensamento é possível ainda encará-lo como uma própria configuração de realidade, um regime de representações ou tradução mental do real, não mais reprodutora e sim como própria realidade se fazendo e moldando toda a forma de agir do homem no espaço. A imaginação se localiza como alicerce profundo da psique do sujeito e a psique necessita passar por processos de socialização para dar sentido a tudo que se apresenta no mundo, o imaginário trabalha assim criando as significações e instituindo a sociedade. Ele se produz como num círculo de criação simultânea e incessante entre o indivíduo e a sociedade, ou seja, a sociedade cria o homem assim como o homem cria a sociedade, num regime contínuo. Isso vai ao encontro do pensamento de Jacques Le Goff, ao afirmar que tudo aquilo que o homem considera como sendo a realidade é o próprio imaginário (LE GOFF apud PESAVENTO, 2003, p.45).

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Tais pensamentos se aproximam das propostas de Bachelard, Durand e Castoriadis que por sua vez, mostram uma reflexão bastante pertinente e necessária a estética teatral já que, para esses autores, a sociedade só existe no plano do simbólico porque o sujeito pensa nela e a representa, desta ou daquela maneira.

Se o imaginário de certa forma satisfaz a necessidade do homem de criar sentido para as coisas no mundo - criando linguagens, instituições e costumes – o teatro, por se manifestar enquanto reprodução desta relação com a realidade possibilita o encontro do sujeito com seu próprio imaginário, satisfazendo uma provável necessidade de compreender, se adequar ou ainda reinventar a realidade. O teatro apresenta assim o encontro do imaginário social de uma determinada realidade para com o imaginário particular do sujeito que, a partir deste encontro, entra em estado de confrontação, de percepção, de afirmação ou contradição, ou ainda, de possível transformação.

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Durand assinala um dinamismo do imaginário apresentando uma vertente simbólica prevista no teatro, conferindo-lhe uma confluência entre realidade e uma essência própria. Por um lado afirma ser o imaginário um conjunto plural de imagens infinitamente heterogêneo, a saber: ícone, símbolo, emblemas, alegorias, sonho, mito, delírio, etc. E por outro lado, parece partir de uma concepção simbólica da imaginação, cujo imaginário seria um aspecto fundamental da construção da subjetividade. A imagem seria portadora, portanto, de um sentido cativo da significação imaginária, um sentido figurado, constituindo um signo intrinsecamente motivado: o símbolo. A realidade reproduzida ficcionalmente se utiliza dos símbolos para se tornar signo no teatro, com valores tanto psíquicos quanto sócio-históricos, se tornando uma expressão total do real numa singularidade imaginante da cena. Neste contexto, a imaginação atua como doadora de sentido, responsável pela simbolização, eminência e/ou transformação dos significados dados, podendo operar espaços dos mais reais aos mais lúdicos, do discurso político à representação dos sonhos, fantasias e demais criações. Interessante notar que Bachelard e Durand apresentam a função de dramatizar do imaginário, identificando um caminho da imaginação literária, um lugar de reanimação da linguagem e de criação de novas imagens. A imaginação poética parece então anunciar a experiência estética, cuja realidade é ultrapassada pelo imaginário, garantindo ao sujeito espiritualizado novas vivências, interpretações e relações renovadas com o mundo.

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origem dela mesma e esta origem não é possível de ser determinada. Criação como um processo contínuo alimentado de si mesmo. O que cria (instituinte) e o que é criado (instituído) se unem, compreendendo o social-histórico como auto-alteração ou auto-criação, resultando daí um processo que está sempre recriando o impulso que o criou. O teatro parece possibilitar este encontro, provocando um embate com o imaginário instituído, possibilitando experimentá-lo e, no momento em que há o confronto, torná-lo também instituinte.

Por fim, um recente pensador do campo do imaginário, Michel Maffesoli, parece recuperar a tradição destes autores quanto à importância do imaginário na construção da realidade, possibilitando uma reflexão bastante pertinente à prática teatral. Segundo o autor, o imaginário é uma sensibilidade que “caso queira uma definição é a relação entre as intimações objetivas e a subjetividade” 2, intimações objetivas que seriam

os limites que a sociedade impõe a cada ser. Deste modo, a imaginação atua como o substrato produtivo e individual do sujeito o qual está em processo constante de formação e vivência do imaginário que, por sua vez, compreende relações entre as coerções sociais e a subjetividade. Desta forma, é possível interpretar o imaginário teatral no âmbito coletivo e social, determinado pela idéia de se fazer parte de algo: “Partilha-se uma filosofia de vida, uma linguagem, uma atmosfera, uma idéia de mundo, uma visão das coisas, na encruzilhada do racional e do não racional”. Para Maffesoli, este estado de espírito de um grupo surge por processos interacionais diversos e cria a aura, uma sensação comum e compartilhada que constitui o imaginário.

“O imaginário permanece uma dimensão ambiental, uma matriz, uma atmosfera, aquilo que Walter Benjamin chama de “aura”. O

      

2 Entrevista concedida à Revista FAMECOS, Porto Alegre, nº 15, agosto

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imaginário é uma força social de ordem espiritual, uma construção mental, que se mantém ambígua, perceptível, mas não quantitável. Na aura da obra há uma materialidade da obra (cultura) e, em algumas obras, algo que se envolve, a aura. Não vemos a aura, mas podemos senti-la. O imaginário para mim é esta aura, é da ordem da aura: uma atmosfera, algo que envolve e ultrapassa a obra. Esta é a idéia fundamental de Durand: nada se pode compreender da cultura caso não se aceite que existe uma espécie de “algo mais”, uma ultrapassagem, uma superação da cultura. Esse algo mais é que se tenta captar por meio da noção de imaginário.” (Entrevista concedida à Revista FAMECOS, nº 15, 2001, p. 75)

Sendo assim, o presente estudo seguirá apresentando algumas das propostas destes autores, responsáveis pelo que se pode considerar uma revolução no pensamento ocidental acerca do imaginário e suas possíveis atribuições, enfatizando aquilo que com maior expressão representa o papel do imaginário nas suas concepções e demais inferências determinantes à estética teatral.

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2.2.1 Bachelard e o Imaginário Poético

Bachelard é considerado um filósofo sonhador, para quem as imagens poéticas são fontes de saúde do ser e estas emergem da consciência como um produto direto da alma. Em

sua obra A poética do Devaneio (1988), o autor propõe um

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Contudo, a imaginação mesmo liberando o sujeito do real não procede anarquicamente, porque ela obedece a processos regrados, de um lado leis sintáxicas, e de outro princípios semânticos. De modo sintático o conteúdo material da imagem segue a lógica de combinações e as imagens dinâmicas as de composições. Por outro lado, os princípios semânticos dizem respeito ao conteúdo das produções oníricas, pelo qual a imaginação tem a tendência de expandir a imagem, transformando-a em movimentos. Tais movimentos são responsáveis por reger todo o envolvimento do sujeito com a cena, num jogo de combinações e composições sintáticas, mas e principalmente produções semânticas, pelas quais o espectador imprimi seu próprio sentido e relações subjetivas para com a imagem.

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passa por processos de descobertas a partir do mundo exterior, esculpindo seu mundo interior. Bachelard parece propor um reviver das formas, encontrando a potencialidade no interior das coisas, onde a beleza poética intrínseca advém do valor humano aplicado a elas, quanto mais a matéria se apresenta sólida em aparência, mais sutil e laborioso é o trabalho da imaginação.

O trabalho parece ser, portanto, o de ir além da imaginação reprodutora, e a partir da criação encontrar a imagem imaginada, intensificada de sentido. O imaginário poético potencializa assim a relação teatral na medida em que concede a extrema liberdade de devanear. Nesta liberdade concedida, o imaginário poético integra os participantes numa consciência psicológica do espaço/tempo que, animado pelo jogo de forças, lhe concede autonomia e permite uma verdadeira apropriação do espaço interior do seu eu.

Sendo assim, pensar o imaginário poético parece ser identificar um valor do imaginário que atua, sobretudo, nos modos estéticos da experiência, que traz a função criativa da imaginação com intensidade, atuando no teatro profundamente sob um estado de presença.

É possível dizer que o imaginário poético apresenta-se como fator primordial de inspiração para a consciência, despertando-a com forte disponibilidade para a criação. As imagens evocadas pelo artista adquire na imaginação o conceito bachelardiano de “revêrie”, um defrontar ativo, dinâmico, insistente, penetrante, lúcido, do mundo das coisas. A função poética mobiliza o imaginário dotando-o de uma dinâmica interna de criação, assumindo no teatro uma espécie

de jogo estético-lúdico3. Jogo que engendram realidade e

ficção, no qual o imaginário poético desempenhará a atividade intermediária entre o mundo exterior e o mundo interior, flexionando as leis da realidade seja com um aflorar de

      

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fantasias, seja com toques de ludicidade. Apresenta este jogo mobilizando as ações e paixões intersubjetivas, das quais o próprio sujeito desperta - a partir de provocações espontâneas da imaginação - seu próprio estado poético. Estado este interessado na medida em que o conduz ao sentimento de prazer e/ou desprazer.

“O homo aestheticus, ao criar para o prazer uma outra imagem do mundo, um outro modo de manifestação das coisas, modifica ao mesmo tempo seu mundo interior e o mundo exterior: por um lado cria imagens para objetivar experiências sensoriais, afetivas, imaginárias, como se sua vivência interior, oculta, silenciosa, não fosse suficiente para experimentar toda a sua intensidade e toda a sua riqueza. O imaginário das obras (artísticas) como espaço de realização, de fixação e expansão da subjetividade. (...) Por outro lado, a experiência de recepção de imagens artísticas atinge cada um em vários níveis (...) . A arte, por fornecer imagens aperfeiçoadas (...) dá acesso a uma felicidade inédita, um regozijo dos sentidos, uma plenitude de existência. (WUNENBURGER, 2007, p.58)

Originalidade, energia, autenticidade, criatividade, imaginação, potencialidade, afetividade, parecem ser forças advindas do imaginário poético.

2.2.2 Durand e o imaginário simbólico

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psíquicas da mente que leva em conta afetos e emoções. Nesta perspectiva, alguns pressupostos de Bachelard irão influenciar diretamente os estudos de Durand no que tange o imaginário simbólico; de forma geral que o símbolo é responsável por instaurar uma importante relação entre o “eu” e o “mundo” . No teatro trata-se, sobretudo, de um símbolo dinâmico que compõe com o imaginário um vasto campo de significações.

Como já foi visto, o ser humano se diferencia dos outros seres pela sua capacidade de dar significado às coisas. Aquilo que poderia parecer natural é transformado pelas diversas culturas para adquirir significado: aparência do corpo, corte dos cabelos, enfeites, estilos de roupa, arquitetura, estilo de alimentação, regras de comportamento, crenças, etc. Nada para o ser humano parece ser insignificante, e dar significado implica entrar no plano do simbólico. Entretanto, para Durand o símbolo adquiri um valor mais abrangente, do qual o teatro parece prezar com zelo, se aproximando daquele “algo mais” da imagem teatral que escapa aos domínios da semiologia. O símbolo seria, neste sentido, a própria maneira de expressar o imaginário: “Pode-se dizer que o símbolo não é do domínio da semiologia, mas daquele de uma semântica especial, o que quer dizer que possui algo mais que um sentido artificialmente dado e detêm um especial e espontâneo poder de repercussão” (2002, p.31). A função simbólica passa a representar para o teatro não só um caráter de significação, mas também de expressão. Expressão a partir das interações de conteúdo pessoal do sujeito para com o conteúdo social daquele imaginário simbólico inserido. Um fator de equilíbrio psicossocial dos indivíduos, pelo qual há uma reciprocidade dos impulsos internos do sujeito com o ambiente social.

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imagens narrativas e visuais. De modo que o objetivo inicial da tese de Gilbert Durand era o de estabelecer uma relação de imagens colhidas em culturas diversas. A partir de então, com intuito de organizar o material obtido, o autor parte da idéia da existência de um “trajeto antropológico”, ou seja, uma maneira própria para cada cultura de estabelecer a relação existente entre a sua sensibilidade (pulsões subjetivas) e o meio em que vive (tanto o meio geográfico como histórico e social). Uma vez levantadas as imagens, Durand propõe uma nova maneira de classificá-las, considerando-as não como imagens prontas, mas originárias da interação desses reflexos e pulsões do sujeito associados ao meio materil e social. Essa interação constitui, pois, o trajeto antropológico. Por conseguinte, o autor percebe que neste trajeto as imagens se dividem em dois grupos distintos pelo seu significado fundamental: o regime diurno e o regime noturno. Esta classificação leva em conta a existência de uma maneira de organizar, de um dinamismo, própria a cada cultura, dinamismo esse que se encontra na base das organizações (convergências) dos símbolos que formam as constelações de imagens. As estruturas do regime diurno são de caráter mais racional, da geometrização e separação; oposto ao regime diurno preocupado em dividir e reinar, o regime noturno vai se empenhar em fundir e harmonizar, suas estruturas são de caráter mais complexas e subjetivas. O autor insiste ainda na concepção do trajeto antropológico como espaço para a criação das imagens. As imagens são simbólicas e por isso possuem um semantismo próprio, diferente dos signos semiológicos que são arbitrários.

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contexto imaginário, contexto este possível de ser identificado por meio da constituição do seu trajeto antropológico, ou seja, o percurso de desenvolvimento seja de uma personagem, seja da trama como um todo. Também a classificação das imagens cênicas no regime diurno e noturno parecem bem pertientes, imagens que se distinguem de um modo geral entre proposições mais realistas, claras, bem desenhadas e definidas, e por outro lado imagens de caráter mais subjetivo, sem definição clara, lúdico, fantasioso, espirituoso.

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de dramatizar, de “suspender no tempo as imagens numa narrativa” (p. 26).

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infinito de repetição. Há aqui uma estrutura do realismo sensorial das representações como se as imagens mobilizassem sentimentos concretos.

A partir disso, a fim de elaborar um sistema de aplicação pragmática dos seus estudos, Durand sugere ainda o conceito de mitocrítica e mitoanálise prescritos para a investigação de obras literárias ou sociológicas, respectivamente. De um modo geral, a mitocrítica e a mitoanálise pretendem compreender quais são os mitos que subtendem os textos ou as sociedades.

2.2.3 Castoriadis e o imaginário social

Cornelius Castoriadis também se prontifica a reestruturar todo o conceito de imaginário pensado não mais isoladamente, mas como produto sócio-histórico, definindo o

chamado imaginário social. O termo imaginário social

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são produtos do imaginário imbricados nas suas associações psíquicas e sócio-históricas (1982, p.13).

Tal criação é assinalada como em contraposição a tradição ontológica do pensamento ocidental que se fundamenta na necessidade de determinação do ser e que, segundo o autor, condena o sujeito ao nada, a nenhuma possibilidade de criação. Diante de teorias que pressupõe que o ser é o que pode ser determinado por causas, razões e conceitos definidos, Castoriadis se questiona se é possível falar em criação no ser, se algo de novo pode ser produzido ou emergido

nestas circunstancias. O que está sendo revisto por ele é a

própria definição de criação da atividade humana que se aplica à capacidade correspondente da imaginação e do imaginário. A imaginação não é simples combinação de elementos pré-existentes, mas a capacidade de irromper o novo a partir do existente.

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criação ex-nihilo – uma capacidade de conceber uma nova forma.

O imaginário deve utilizar o simbólico, não somente para “exprimir-se”, o que é óbvio, mas para existir, para passar do virtual a qualquer coisa a mais. O delírio mais bem elaborado bem como a fantasia mais secreta e mais vagas são feitos de “imagens”, mas estas imagens lá estão como representando outra coisa; possuem, portanto, uma função simbólica. Mas também, inversamente, o simbolismo propõe a capacidade de ver em uma coisa o que ela não é, de vê-la diferente do que é. Entretanto, na medida em que o imaginário se reduz finalmente a faculdade originária de pôr ou de dar-se, sob a forma de representação, uma coisa e uma relação que não são (que não são dadas na percepção ou nunca foram) falaremos de um imaginário último ou radical, como raiz comum do imaginário efetivo e do simbólico. É finalmente a capacidade elementar e irredutível de evocar uma imagem. (CASTORIADIS, 1982, p.154).

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esclarecimento, enquanto a dimensão identitária representa a existência de uma base social condicionada por fatores físicos, biológicos, geográficos, podendo constituir uma lógica a partir de regras dadas, se caracterizando pela determinação, pela submissão do mundo a classes e domínios definidos; a dimensão imaginária revela a instância infinita do ser, não passível de determinações, inclusive por estar em constante modificação temporal, na qual o ser está em constante desenvolvimento. A dimensão imaginária é por outro lado significação e essas significações são conectadas por uma

estrutura denominada magma (CASTORIADIS, 1987, p.243).

O acontecimento teatral instaura, por essa perspectiva, um magma imaginário, caracterizando um conjunto de determinações identitárias, associadas a um modo de ser sócio-histórico e que se propaga, se reelaborando a cada encontro com um novo olhar. O que se pode dizer é que este magma contém infinidades de organizações conjunturais e que por isso não é possível reconstituí-lo, pois há algo de fluído e subjetivo que escapa e excede ao conjunto, sendo este excesso o que caracteriza o elemento imaginário. Sendo assim, o imaginário social não se origina de significações dedutivas ou de experiência empírica, mas de criações do coletivo social. Há, desta forma, uma incorporação do sujeito ao magma instituído de significações sociais da cena e este, por sua vez, se torna instituinte na medida que é transformado pela confluência com o contexto psíquico socio-histórico criativo do sujeito.

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É possível compreender, pois, o teatro como espaço de manifestação dessas necessidades e busca por respostas às necessidades que são, cotidianamente, renovadas. O imaginário poético e simbólico da cena mobilizam o imaginário radical, uma capacidade imaginativa que recria o ser. Ao recriar o ser, recria-se também a sociedade. É preciso, desta forma, unificar a lógica conjuntista-identitária ao universo das significações, o mundo instituído pensando junto com o mundo instituinte, onde o próprio sujeito é algo “por-ser”, em processo aberto. Esta dimensão fluida, aberta e criadora da realidade que aponta para um universo por fazer é própria das significações imaginárias que compõe o teatro.

2.3 DISTENSÃO IMAGINÁRIA NA PRÁTICA TEATRAL

Após releituras de Bachelard, Durand e Castoriadis, muito se esclarece sobre os conceitos, abrangências e atribuições das funções da imaginação e do imaginário na vida psíquica e social do sujeito. É importante atentar ainda ao fato de que não diz respeito a propostas ontológicas fechadas e conceituações vagas, mas de projetos que representam as teorias mais contemporâneas acerca do imaginário, responsáveis por romper com um pensamento tradicional restrito que, ao que parece, possui culminância no período moderno. Desse modo, ao refletir acerca das críticas efetuadas é possível identificar e reaver pressupostos que ainda se fazem necessários e que indicam uma distensão da concepção imaginária para a estética da prática teatral.

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importância menor quanto à possibilidade de conhecimento. Talvez resida aí a grande desvalorização da imaginação e do imaginário que, ao serem separados do campo racional e inteligível, não cumprem os pressupostos do paradigma da sociedade moderna baseados no conhecimento e na razão. Além do princípio da ordem e da separação, o paradigma da modernidade está alicerçado na razão, no surgimento das ciências sistêmicas e separação das ciências e dos saberes. Tal conjuntura de realidade refletida pela sociedade moderna enfraquece diretamente a possibilidade da dimensão imaginária criadora.

É esta uma das críticas fundamentais que Castoriadis dirige ao paradigma da modernidade, de modo especial ao marxismo, ao estruturalismo e ao funcionalismo. Paradigma que aplica à sociedade, de modo redutor, os critérios da lógica conjuntista-identitária e ignoram a dimensão inovadora ou imaginária. Enquanto a realidade for apresentada como conjunto composto de elementos invariantes (sejam eles de ordem lógica, econômica ou funcional), não há lugar para a dimensão criadora. O processo sócio-histórico, nesse esquema teórico, só pode ser pensado como uma série de transformações sucessivas dessas invariantes e não como emergência do novo.

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Durand parece ironizar o estatuto do imaginário moderno que, parodoxalmente, na tentativa de desmistificar o homem, acaba por exercê-lo simbolicamente por meio de uma cultuação mítica da objetividade, do determinismo e da finalidade, constituindo um imaginário limitador e agonizante, “porque seria esforço imaginário para reduzir o indivíduo humano a uma coisa simples, inimaginável, perfeitamente determinada, quer dizer, incapaz de imaginação e alienada da

esperança. Ora, a poesia e o mito são inalienáveis” (2002,

p.497). Imaginar é criar o mundo, seja através das ciências ou da arte, ou através dos pequenos atos do cotidiano simbólicos e significativos.

Como conseqüência imediata desta lógica dominante no fazer teatral, prevalece uma soberania do pensamento teórico que, equivocadamente embasada nos princípios aristotélicos, propagam o sentido da ordem, da objetividade e da perfeição, representando uma ruptura radical com o universo mítico, com o mito, com as significações simbólicas que configuram o caráter vital deste imaginário criativo.

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possivelmente como subtexto para a cena. As imagem evocam, assim, os regimes durandianos do diurno e do noturno, dos quais podem estar tanto em equilíbrio com as significações simbólicas sociais, quanto em desequilíbrio, manifestando nesse último seu estado de mistério e descobertas.

Sendo assim, o mito e sua propagação pelo imaginário desempenha valor indissosiável para o teatro, ele é função ontológica da criação estética do acontecimento cênico. Trabalha enquanto texto constituindo a linguagem simbólica da cena e enquanto subtexto para o estado potente de criação, imersão e trangressão. Por isso as críticas de Castoriadis e Durand se aproximam tanto desta necessidade da prática teatral de reaver esses equívocos do racionalismo e do determinismo em tentar desmistificar o homem, fator que protela a dimensão

poética ou criadora do sujeito e do social-histórico. Esta

impossibilidade de "desmitificar" a consciência só demonstra o quão humano é a presença do mito e a aptidão à subjetividade para o ser e para a liberdade que isto a ele representa.

Neste sentido, as propostas de Bachelard parecem se apresentar de modo muito pertinente e inovador á sociedade moderna, na medida em que restitui o valor poético do imaginário, responsável por instaurar o verdadeiro sentido de liberdade. Pelo devaneio poético, o sujeito é capaz de experimentar o equilíbrio entre as pulsões externas do mundo para com as suas pulsões internas. A valorização imaginária constitui então um meio pelo qual o mundo se anima, é tirado da sua indiferença, na medida em que envolve imagens afetivas fazendo do universo do devaneador um mundo de densidades

emocionais. Aproxima-se assim do reequilíbrio último

proposto por Durand, quando o imaginário simbólico alcança a função fantástica transcendental.

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que acrescenta à objetividade morta o interesse assimilador da utilidade, que acrescenta à utilidade a satisfação do agradável, que acrescenta ao agradável o luxo da emoção estética, que enfim numa assimilação suprema, depois de ter semanticamente negado o negativo destino, instala o pensamento no eufemismo total da serenidade como da revolta filosófica ou religiosa. […] Por isso o imaginário, longe de ser uma paixão vã, é ação eufêmica e transforma o mundo segundo o Homem de Desejo. (DURAND, 2002, p.498)

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imaginação dos muitos processos criativos que acometem a sociedade contemporânea. Dizer que uma concepção é imaginária não significa dizer que é impotente por alterar a realidade. Ao contrário, boa parte do que condiciona os ideais da vida e as condutas cotidianas é a crença imaginária. Ou seja, diferentemente das coisas materiais, que independem dos desejos e aspirações humanos para existir, as crenças culturais são produtos de nosso modo de agir e dar sentido a nossas ações.

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3. O IMAGINÁRIO EM ESTADO DE FRUIÇÃO

Este capítulo pretende rever alguns estudos que abordam o conceito de prazer estético avaliando, a partir de contextos filosóficos, históricos e sociais, a inferência do imaginário poético nas novas configurações artísticas, pelas quais emerge o prazer estético da prática teatral. Diante disso, há várias concepções que abordam tal prazer ao longo dos tempos, razão pela qual serão aqui abordadas as três teorias que parecem contribuir e confluir para a compreensão em maior escala sobre as inferências do imaginário poético no prazer estético: o prazer estético proposto pela poética de Aristóteles, o prazer desinteressado apresentado por Kant e a relação de prazer nos estudos da estética da recepção por Hans Robert Jauss.

Embora a estética aborde as teorias da sensibilidade, seus estudos ao longo dos anos se estendem num sentido maior, que abrange toda uma reflexão sobre a arte ligada à filosofia, a política, a sociologia e a história da humanidade. Valores estéticos não são, portanto, valores isoláveis, mas se encontram relacionados diretamente à função dos valores morais e políticos de cada época. Por conseguinte, a partir desses valores é que a arte e, portanto, o teatro, se desenvolve por múltiplas formas de ser e de se fazer, modificando todo seu processo de produção, comunicação e fruição do espectador.

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suas referências simbólicas, quanto nos modos sensíveis em que os símbolos se pulverizam e os afetos passam a guiar o sentido criativo; ambos mobilizando o prazer estético. O que o torna variável, nesta acepção, serão os princípios históricos e políticos que determinam o desempenho da estética e, portanto, do imaginário nos processos artísticos.

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transcende sua própria realidade. O sujeito é transportado da sua realidade cotidiana para o espaço/tempo do ritual, quando entra em contato com o sagrado, o divino, o lúdico, o sublime, o espiritual; e, ao emergir nesta subjetividade humana, o sujeito pode ou não consentir uma transformação. Transformação esta que não está somente no campo das ideias, mas também no corpo e nas inter-subjetividades presentes neste corpo.

O que se observa, contudo, é que os processos de civilização desenvolvidos no Ocidente associaram, gradativamente, as funções estéticas às funções políticas e econômicas, assumindo estilos e linguagens diversas de acordo com as intenções insurgentes de cada sociedade e seu tempo. Caráter esse que, aos poucos, parece distanciar a estética teatral do seu sentido místico e espiritual, do qual o imaginário municiona com excelência sua capacidade de integração, criação e transcendência.

3.1 O PRAZER PELO CONHECIMENTO

Nas civilizações grega e romana o teatro adquiriu objetivos claramente sociais, morais e pedagógicos. Trata-se de uma produção imitativa do que é considerado belo associado ao sentido moral do que é bom e verdadeiro, e de uma recepção contemplativa, com pretensões de um determinado efeito positivo perante a vida pessoal e social do indivíduo. Após os estudos de Aristóteles, é que o bem será compreendido como uma virtude que deriva do desinteresse em si, e este desinteresse é a beleza, ou seja, encontra-se beleza onde não há finalidade, pois o bem é o próprio fim. O belo é contemplado à medida que o bem é agido (BAYER, 1978, p.47).

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teatral encontra-se em três instâncias: pela ação cognitiva (aisthesis) pelo reconhecimento perceptivo (anamnesis), e ainda uma terceira instancia que está direcionada à afetação do espectador frente à ação, por meio da qual desperta suas paixões (katharsis). Aristóteles é o primeiro filósofo a pensar a recepção na arte, aplicando o conceito de catarse para caracterizar certo estado de prazer responsável por purificar os sentimentos de temor e compaixão proporcionados pela tragédia. Tal purificação parece ser a mesma ou próxima a purificação das manifestações ritualísticas, a qual se perpetua tanto na instância corporal quanto na alma - externa e interna - sendo que esta purificação da alma tende ao conhecimento. Por meio deste estado alcançado na recepção da tragédia, o sujeito se tornaria capaz de mudar sua forma de agir, alcançando assim o conhecimento.

O termo catarse proposto aqui com intuito de definir certo tipo de efeito da poesia trágica, ou seja, em seu sentido poético, foi reelaborado por Aristóteles a partir do significado médico e religioso, cujos processos se materializam enquanto purgação, cura ou purificação, corporal no âmbito médico e espiritual no âmbito religioso. Aristóteles inaugura um significado de catarse diante da ação mimética, operando assim uma empatia do espectador para com a personagem trágica, mobilizando os sentimentos de temor e compaixão. Enquanto o sentimento de temor “phobos” é causado por um receio ou medo diante de uma desgraça ou do sofrimento que esta pode causar; o sentimento de compaixão “elos” se assemelha ao de piedade diante do mal ou da injustiça.

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condição de verossimilhança indicada pela ação mimética e proporcionando sua identificação com o discurso proposto. Trata-se de uma interação empática, em que o receptor recorre às suas próprias experiências, adequando-as para enfrentar tal discurso: Ele preenche, com suas próprias experiências, os sentidos reportados pela trama dos fatos, virtualmente projetando-se sobre o palco, desdobrando sobre si a experiência que a personagem está sofrendo (MOSTAÇO, 2002, p.209). A atividade imaginativa atua fundamentalmente na interação do sujeito com o universo artístico e no trânsito de seus sentimentos. A poesia esta contida na realidade aperfeiçoada em que o prazer é desfrutado na medida em que novos conhecimentos são adquiridos. O imaginário auxilia assim na alteridade do sujeito imerso à cena, fazendo despertar e comunicar seus desejos, vontades e ideologia; e ao instituir o estado poético possibilita a depuração dos sentimentos. Trabalha impulsionando o espectador a alcançar o estado de prazer pela identificação com o sofrimento alheio, permitindo assim que a catarse haja “de modo que a piedade e o medo (...) são como purificados da amargura que os impregna na realidade” (ROUBINE, 2000, p. 20). Neste sentido, o imaginário atua viabilizando os modos de identificação e superação dos sentimentos, em estreita função com as crenças mitológicas.

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indignação, mas sim como uma experimentação de um ato político, propiciada pelo imaginário. Deste modo, o prazer estético operado pela catarse provoca o desenvolvimento intelectual e social do sujeito, tornando-se consciente da realidade que abita por meio de novas percepções, processo este que Castoriadis entende como instituintes do imaginário social.Uma experiência eficaz na medida em que realiza para o cidadão uma vivencia profunda que se processa na identificação ou na rejeição dos atos. Sendo assim, o espectador na catarse contemplativa cumpre certa aceitação e entrega (identificação) aos raciocínios e paixões, compreendendo um prazer da síntese entre o deleite e o aprendizado.

Com relação à participação ou criação do espectador, pouco é abordado por Aristóteles na medida em que ele age por contemplação, a não ser na própria afetação que, com efeito, depende do próprio receptor. A imaginação para Aristóteles pode ser interpretada pelo que ele chama de aparição, e esta é produzida diante dos olhos do espectador quando por ele permitido. Mas Aristóteles não contraria a aparição para com a intelecção, ao contrário, para ele é bem claro a impossibilidade de desenvolver opinião sobre algo sem antes ter uma aparição deste algo, ou seja, não é possível pensar sem aparições, sem imaginação se assim se pode dizer. Neste sentido, a imaginação talvez funcione ainda como um ligame: do sensível para o entendimento, do entendimento para a emoção, da emoção para o prazer.

Os estudos de Aristóteles serão revisitados na estética renascentista e influenciará toda a estética dos séculos

seguintes na cultura ocidental. Diante de uma necessidade de

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até o século XX sofreu um processo de descontextualização e que, portanto, esteve repleta de equívocos. O prazer, neste contexto, é fruto de um belo ideal, de uma estética normativa e racionalizada, cuja razão predomina sobre os sentimentos. O imaginário criativo é abafado artisticamente sob os princípios normativos, a criação provém de um ideal antropocêntrico, numa valorização do corpo humano como fonte de prazer e beleza. É importante notar, por outro lado, que o imaginário criativo é explorado agora pela ciência que passa a valorizar a experiência e a observação, procedimentos fundamentais para ascensão dos estudos empíricos que, no período seguinte, irão progredir os estudos da estética. Não há como negar as relações criativas que instigam tanto a ciência quanto a arte, e que fazem destas relações, se não dependentes, no mínimo associadas.

O prazer pelo conhecimento é não só expressivo em qualquer das práticas teatrais, principalmente por conceder o desenvolvimento do imaginário pela experimentação reprodutiva, mas e, sobretudo, propulsor de uma estética que confere autonomia ao sujeito, das suas criações mais íntimas aos interesses sociais.

3.2 O PRAZER DESINTERESSADO

Referências

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