• Nenhum resultado encontrado

Era uma vez um menino de Vitória que queria ser escritor e foi. O mais cosmopolita de tantos que nasceram no Espírito Santo. José Carlos Oliveira, também conhecido como Carlinhos ou, para seus amigos capixabas da mocidade, o Precoce, saiu da província no ano de 1952, com 18 anos, para brilhar no jornalismo e na literatura brasileira, através da crônica. Junto com Rubem Braga, é o escritor capixaba de maior peso fora dos estreitos limites de sua terra. Com a diferença de ser também romancista. Seu Terror e êxtase (Codecri) chegou à quarta edição e virou filme.

Há também o poeta Geir Campos, de São José do Calçado. Que acabou sendo injustiçado, na indiferença, ou má vontade, que envolve os escritores da chamada

Geração de 45. De Carlinhos, o próprio Rubem observou, quando de sua morte, em abril de 86: “Escreveu uma obra desigual”.

É verdade, se a gente incluir aí sua experiência com o teatro. Sua peça, Borboleta 14, 15 (leitura feita em Vitória sob a direção de Walmor Chagas), não faz jus ao padrão Nelson Rodrigues, a quem admirava e que com certeza o influenciou. Também no romance não chegou a ser um Faulkner (outra influência declarada pelo próprio autor). Mas na crônica, não há favor em dizer que Carlinhos foi tão importante e talentoso quanto Rubem Braga.

Se Rubem foi o inventor (sic) da crônica brasileira, José Carlos Oliveira tem o mérito de ser seu renovador, quando o gênero beirava a exaustão, introduzindo nela a temática social. É a valiosa contribuição de dois capixabas para a literatura nacional, em prosa.

Depois de um período épico até se estabelecer, no Rio de Janeiro, o Precoce de Vitória logo adquiriu notoriedade como repórter dos mais importantes jornais e revistas cariocas dos anos 50. E o cronista que encantava os capixabas emplacaria seu nome definitivamente nas letras nacionais ao alternar sua prosa com a de Carlos Drummond de Andrade, no Caderno Dois do Jornal do Brasil, na melhor fase desse veículo. No final dos anos 60 e durante toda a década seguinte, Carlinhos foi presença constante e instigante na vida cultural do país, dividindo mesas com a intelligentzia que se acotovelava no Antonio’s e inscrevendo seu nome no anedotário carioca que alimentou a mística dos boêmios brilhantes.

Suas saborosas divagações iam do mais puro narcisismo, da coçada de umbigo mais desaforada, a agudas reflexões sobre o “momento nacional” ou a proverbial greco- shakespeariana tragédia humana, a vacuidade da vida, o absurdo da existência – e a glória absoluta de amar e ser amado. De passagem, vislumbrava, antes de outros, no noticiário internacional, os movimentos que viriam depois, que culminariam com a queda do Muro de Berlim. E, como um Midas do texto, transformava em nobre material o assunto mais prosaico em que tocasse.

Porque Carlinhos era sobretudo um poeta. E porque era um poeta é que foi excelente cronista. E só não se notabilizou como poeta porque não quis. Nossas pesquisas sobre

sua mocidade, em Vitória, apontam para a intensidade de sua produção, como o dia em que declamou, num sarau, cinco obras de sua criação. Um ou outro poema seu, perdido entre as crônicas publicadas em livro, atestam seu conhecimento do mister e dos meandros do verso.

Mas em vez de beber na fonte de Hipocrene (como diriam os passadistas que ele teve a coragem de criticar em Vitória, no início dos anos 50, o que lhe valeu um processo que teve que ser assumido pelo diretor do jornal, porque era menor), entrou no Cavalo de Tróia nacional e estava lá, para contar tudo, nas minúcias. Estava lá na festa, digo, na guerra, porque assim era a rua, a mesa de bar, o postigo diário de onde Carlinhos lia o mundo e soletrava os fatos pelos jornais. Como um espião de Deus, diria, numa entrevista.

Era dali do Leblon, observando a mirrada castanheira da Rua Bartolomeu Mitre, em frente do bar, que ele refletia sobre a condição humana. O fato trivial o remetia para leis gerais, para a psicologia da raça. De dentro do Cavalo de Tróia ele anotava as trapaças, e tinha sempre uma galhofa para brindar com os circunstantes da noite, na mais típica “enxova” capixaba, que aprendeu com Benjamin Buaiz, Ademar Martins, Ali Silva, Wilson Borges Miguel, Cacau Monjardim (havia amigos mais circunspectos, como o ex-ministro José Carlos Fonseca e Ivan Borgo).

Porque José Carlos Oliveira, uma das figuras mais constantes no folclórico teatro ao ar livre de Ipanema/Leblon de 60 e 70 (seu nome é o mais citado em recente livro sobre o Antonio’s, além de várias de suas crônicas ali inseridas), escondia no personagem Carlinhos, o boêmio irreverente e piadista, um às vezes amargo, às vezes lírico espião da vida, mas sempre vigilante, transitando com desenvoltura em todos os ambientes. Por trás do campeão de permanência contínua no Antonio’s (mais de 40 horas, marca que superava um pouco a de Vinicius de Morais), onde, em dias de fúria, era comum espinafrar personalidades como o cronista Paulo Mendes Campos, estava o menino desamparado de Vitória, um quase mendigo de carinho e afeto, que aprendeu a ser esperto e a se defender de qualquer modo, sobrevivendo, como criança, às desventuras que iria relatar (exagerando, é bem verdade) no seu primeiro romance, O Pavão Desiludido (Bloch). Esta obra foi escrita no Antonio’s. De dia, claro.

Era com essa esperteza que driblava a censura da época. Entre uma garfada em Brejnev e uma fenomenal coçada do próprio umbigo, entremeava uma crônica de crítica social. E assim ia levando. Angariou mais críticos à esquerda do que à direita.

Jucutuquara, onde morou (na Praça Asdrúbal Soares), estará presente em sua obra, assim como o Espírito Santo, apelidado de Maracajaguaçu. Assim como os sinos da cidade, as suas escadarias, suas igrejas e o feitiço da ilha. Mas o ritmo da fala, principalmente, estaria presente sempre, conforme declarou certa vez. Na obra agora lançada em grande estilo pelo inteligente projeto Nossolivro, Carlinhos (agora um cross-over, como contista) passeia um pouco por essa paisagem, que inclui a Escola Técnica, alguns sobrenomes regionais (ou sonoridades próximas). E integra, com mão de mestre, o regional e o internacional. Provinciano e cosmopolita, como emblematiza aquela nostálgica crônica do JB em que ele fala de Charlot (um de seus apelidos) em Paris, lembrando como é gostoso o pão com manteiga enfiado na média de café com leite.

Vitória, Rio de Janeiro, Paris. A Europa da guerra. Provinciano e cosmopolita, terrível e encantador como foi já na adolescência, José Carlos Oliveira mistura gêneros, neste Bravos Companheiros e Fantasmas, e mostra por que reinou, na crônica brasileira, ao lado de nomes como Carlos Drummond de Andrade, no Jornal do Brasil, por duas décadas. E por que virou personagem mitológico da folclórica tribo de Ipanema/Leblon dos anos 60 e 70. (Termina aqui o texto Precoce, Carlinhos, Charlot...).

Seguimos agora com um texto que mostra José Carlos Oliveira pela ótica de um jornalista e escritor que, no Rio de Janeiro, viveu na mesma época, quando “Carlinhos” era uma celebridade que ele admirava. Trata-se de Zuenir Ventura. Esse texto foi publicado no jornal A Gazeta no dia 13/04/1989, na primeira página do Caderno Dois, no formato ping-pong – pergunta e resposta. Marcava o início de nossa pesquisa sobre a vida de José Carlos Oliveira, cujo objetivo era divulgar o autor e sua obra, e a publicação foi aceita por causa do seguinte “gancho”: o lançamento no Rio de Janeiro do livro póstumo Bravos Companheiros e Fantasmas, publicado pela Ufes (Editora da FCAA). Como segue: